A difícil vida dos refugiados da Etiópia e Sudão do Sul
rl | Simon Wudu Waakhe | Reuters | Lusa
21 de junho de 2019
Somália e Sudão do Sul são dois dos cinco países de onde provêm mais de dois terços dos refugiados, segundo a ONU. Pelo sétimo ano consecutivo, número de deslocados aumentou mundialmente e já ultrapassa os 70 milhões.
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"A vida aqui é difícil. É a ONU que nos está a ajudar", conta à DW Regina Mony, uma das 30 mil pessoas que na sequência do conflito no Sudão do Sul teve de procurar ajuda num dos campos de acolhimento das Nações Unidas.
Aqui, não há emprego nem cultivo, o que deixa todos os deslocados dependentes da ajuda humanitária. "É graças à comida que a ONU nos dá que sobrevivemos. Traz-nos ajuda alimentar como farinha de milho, cereais e óleo de cozinha. É o que temos comido desde 2013, quando escapámos do conflito na nossa aldeia", conta a refugiada.
Apesar de estar em marcha o processo de paz no país, as consequências dos cerca de cinco anos de conflito continuam: sete milhões de sul sudaneses estão em situação de emergência alimentar. Na quinta-feira (20.06), Dia Mundial do Refugiado, a Comissão Europeia anunciou um reforço de 48,5 milhões de euros para ajuda humanitária no país.
Cenário "devastador"
Outro dos casos preocupantes no continente africano é a Etiópia, onde se registaram, só em 2018, mais de um milhão de refugiados, 98% dos quais são deslocados internos. Fogem dos conflitos étnicos e da seca. De visita ao país, o secretário-geral do Conselho Norueguês dos Refugiados, Jan Eagland, diz que o cenário é "devastador".
A difícil vida dos refugiados da Etiópia e Sudão do Sul
"Foi dos piores cenários, em termos de condições, que vi em toda a minha vida: 20 pessoas em cubículos numa antiga área industrial, não há sequer um fluxo constante de alimentos e há 200 pessoas por latrina", relata.
Apelando à solidariedade internacional para com estes países, Jan Eagland chamou a atenção para o facto de os governos não estarem a conseguir dar a resposta acertada a um dos maiores fenómenos mundiais.
Uma opinião partilhada por Filippo Grandi, responsável da agência da ONU para os Refugiados: "Neste mundo globalizado, se o problema se mantiver, será um problema de todos nós. A rejeição, os retrocessos e a construção de muros não resolvem o problema do deslocamento forçado."
Quatro em cada cinco pessoas deslocadas no mundo encontram abrigo nos países vizinhos dos seus países de origem. No último ano, Uganda e Sudão voltaram a receber milhares de refugiados. Segundo o ACNUR, também a Alemanha acolhe atualmente mais de um milhão de pessoas que fugiram dos seus países, maioritariamente na sequência de guerras, conflitos ou perseguições.
De portas abertas: Etiópia recebe os "inimigos" eritreus
Todos os dias, os eritreus deslocados atravessam a perigosa fronteira para buscar asilo em território inimigo, mas a Etiópia parece muito feliz em acomodá-los.
Foto: DW/J. Jeffery
Vagando pelo deserto
"Levamos quatro dias viajando de Asmara", disse um eritreu de 31 anos sobre a caminhada da capital da Eritreia, a 80 quilômetros ao norte da fronteira, depois de chegar à Etiópia. "Viajamos por 10 horas durante a noite, dormindo no deserto durante o dia". Com ele estão outros três homens, três mulheres, seis meninas e quatro meninos.
Foto: DW/J. Jeffery
Sem volta
"As condições de vida na Eritreia são mais perigosas do que atravessar a fronteira", diz um soldado eritreu de 39 anos – agora um desertor depois de atravessar para a Etiópia. Após serem recolhidos por soldados etíopes que patrulham a fronteira, os eritreus são enviados para um centro de registo, onde é iniciado o processo de pedido de asilo na Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffery
Vida de acampamento
Os recém-chegados são acomodados em um dos quatro campos de refugiados na região do Tigray na Etiópia. O acampamento de Hitsats é o maior e mais novo, com 11 mil refugiados. Cerca de 80% deles têm menos de 35 anos de idade. "Mesmo que busquem o asilo político, haverá uma questão económica, já que eles são jovens e precisam gerar renda para viver", diz o coordenador do campo, Haftam Telemickael.
Foto: DW/J. Jeffery
Aproveitar ao máximo a situação
A infraestrutura do acampamento é simples, mas digna. Há pouco lixo espalhado e as pessoas fazem o máximo para tornar a sua habitação o mais caseira possível. "Quando eu bebo uma xícara de café entre as flores é bom", diz John, de 40 anos, de pé no pequeno jardim cheio de flores ao redor da casa do acampamento de Hitsats, onde vive com a filha de 10 anos. Sua esposa está na América.
Foto: DW/J. Jeffery
Vida difícil
"O povo eritreu é bom", diz Luel Abera, um funcionário etíope que ajuda a coordenar as chegadas de refugiados antes de se mudarem para um acampamento. "Eles lutaram pela independência por 30 anos. Mas desde o primeiro dia, [o Presidente da Eritreia] Isaias [Afwerki] governou o país sem se importar com os interesses de seu povo". Isaias governou a Eritreia há mais de 25 anos.
Foto: DW/J. Jeffery
Influxo constante
"Não quero falar sobre por que cruzamos a fronteira", diz Haimanot, de 18 anos, que cuida de um pequeno barraco usado para a recarga de telemóveis em Hitsats. Em fevereiro de 2017, mais de três mil eritreus chegaram à Etiópia, de acordo com a agência de refugiados do país. Pelo menos 165 mil refugiados e requerentes de asilo residem na Etiópia, de acordo com a ONU.
Foto: DW/J. Jeffery
Sono tranquilo
"No Sudão há mais problemas. Aqui podemos dormir tranquilamente", diz Ariam, de 32 anos, que chegou a Hitsat há quatro anos com seus dois filhos depois de passar outros quatro anos num campo de refugiados no Sudão. Os refugiados afirmam que os militares da Eritreia realizam missões para capturar eritreus no Sudão. A fronteira da Etiópia com a Eritreia é muito mais protegida contra estas incursões.
Foto: DW/J. Jeffery
Generosidade ou estratégia?
"A resposta da Etiópia é gerenciar o portão e perceber como isso pode se beneficiar com esses fluxos inevitáveis de pessoas", diz a analista de refugiados Jennifer Riggan. Mais dinheiro também é gasto hospedando refugiados devido a esforços internacionais para frear a migração para a Europa. Também é um caminho para a Etiópia reforçar a sua reputação internacional.
Foto: DW/J. Jeffery
A camaradagem supera o ódio
As posições militares da guerra de 1998-2000 entre a Etiópia e a Eritreia ainda estão ao lado da fronteira de hoje. Enquanto isso, ambos os governos acusam-se de conspirar um contra o outro. Mas a Etiópia parece disposta a se redimir com os eritreus comuns. "Somos as mesmas pessoas, compartilhamos o mesmo sangue, até mesmo os avós", diz Estifanos Gebremedhin da agência de refugiados da Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffery
Migrar
"Meus filhos estão na América, mas não há razão para eu ir – agora sou um homem velho", diz Tesfaye, de 74 anos, em Shimelba, primeiro campo de refugiados eritreus de Tigray, aberto em 2004. Outros milhares de eritreus vivem em cidades etíopes, fora dos acampamentos. Muitos decidem migrar para fora – alguns legalmente, como os filhos de Tesfaye, mas muitos ilegalmente, e às vezes morrem tentando.
Foto: DW/J. Jeffery
Passado não esquecido
"Os soldados etíopes que nos encontraram foram como irmãos para nós", diz Yordanos, de 22 anos, mãe de dois. A Eritréia era a região mais ao norte da Etiópia antes da sua independência em 1993. Desde então, Tigray passou a ser a região etíope mais ao norte. Por isso, muitos eritreus compartilham a mesma língua, Tigrinya, e a mesma religião e cultura ortodoxa que os habitantes de Tigray.