Violência aumenta na República Democrática do Congo
Martina Schwikowski | EFE | AFP | mjp
30 de março de 2017
Após a descoberta, na segunda-feira, dos corpos de dois especialistas da ONU na província de Kasai, o exército da RDC anunciou a morte de 18 membros da milícia Kamuina Nsapu.
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Os militantes do grupo Kamuina Nsapu intensificaram as ações violentas na região sul do país após as tropas do Governo terem abatido o seu líder, que não reconhecia as autoridades de Kinshasa nos territórios que controlava.
A milícia é suspeita de estar por trás do sequestro e assassinato dos dois funcionários das Nações Unidas e da morte de 39 polícias no fim-de-semana.
Nos últimos meses, desde o início da insurgência, mais de 400 pessoas foram mortas. A ONU dá conta da existência de dez valas comuns na região, e 200 mil residentes terão já abandonado as suas casas.
A violência não se limita a Kasai. Em todo o país, as últimas semanas têm sido marcadas por conflitos, muitos deles étnicos.
"A situação é dramática", comenta Gesine Ames, observadora da Rede Ecuménica da África Central, uma associação de organizações religiosas alemãs que trabalha em conjunto com igrejas e grupos da sociedade civil.
"O Presidente Joseph Kabila não faz qualquer esforço para enviar o seu exército e proteger realmente a população nos pontos problemáticos. Pelo contrário, alimenta o conflito", critica.
O Governo congolês anunciou esta quarta-feira (29.03.) que vai investigar a morte dos dois especialistas da ONU e do seu intérprete. Três cidadãos congoleses que acompanhavam a missão de investigação em Kasai continuam desaparecidos.
Citado pela agência de notícias EFE, o exército garante que os ataques contra a milícia Kamuina Nsapu, em Kasai, vão continuar até que todos os membros se rendam.
Crise política
Na capital, Kinshasa, agrava-se a crise política. Na terça-feira, houve protestos e confrontos entre a polícia e manifestantes, depois do fracasso das negociações entre o Governo e a oposição.
Sob a mediação da Igreja Católica, as partes procuravam implementar um acordo para a transição política pacífica no país, enquanto o Presidente Kabila se mantém no poder após o seu mandato ter terminado oficialmente em dezembro. Mas a Igreja Católica abandonou as negociações, denunciando falta de vontade e incapacidade dos responsáveis políticos. "Normalmente a pressão religiosa na RDC é bastante forte e tem um impacto. Mas a situação atual é desesperante. Voltámos a uma política de pequenos passos", diz Natalie Ansorg.
Violência aumenta na República Democrática do Congo
A especialista em assuntos africanos no Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (GIGA), em Hamburgo, considera que o acordo firmado entre o Presidente Kabila e a oposição para formar um Governo de transição, em dezembro, deve continuar a servir de base para as negociações. Mas tem sido difícil chegar a um entendimento para a transição política.
A oposição lança apelos à população para sair à rua em protesto, a 10 de abril, numa marcha contra o fracasso na implementação do acordo e a Presidência de Kabila.
O congolês Denis Kadima, diretor do Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável em África (EISA), com sede na África do Sul, considera que o atual vazio de poder é perigoso: "A RDC já está em guerra civil. Temos de evitar um genocídio, ainda vamos a tempo", avisa.
O papel da comunidade internacional
Natalie Ansorg, do Instituto GIGA, pede que a comunidade internacional aumente a pressão sobre as autoridades congolesas para a apresentação de um calendário eleitoral. Segundo a especialista, empresas multinacionais e membros do Governo deveriam ser sancionados.
"É preciso impor sanções económicas. Mas para os lobistas em Bruxelas e Washington, os sacrifícios são demasiado grandes", refere.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas adiou a votação da renovação do mandato da missão de paz na RDC, que deveria ter acontecido esta quarta-feira. Segundo a agência de notícias France Presse, os Estados Unidos, que assumem a presidência do Conselho em abril, pretendem rever o desempenho e reduzir os custos das missões de paz da ONU em todo o mundo.
A MONUSCO não foi referida em particular, mas a França e outros países já alertaram para os riscos de reduzir a missão na RDC. O país deverá realizar eleições antes do final do ano, e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu um ligeiro aumento dos agentes da polícia na missão.
Kivu do Norte: província controlada por milícias
Cerca de 40 milícias estão ativas no Kivu do Norte e do Sul. Aproximadamente duas milhões de pessoas já foram deslocadas e muitas aldeias destruídas na RDC. O projeto online "Local Voices" dá voz às vítimas do conflito.
Foto: Alexis Bouvy
Histórias de terror cotidiano: as milícias da RDC
Cerca de 40 milícias estão ativas nas duas províncias Kivu do Norte e Kivu do Sul no leste da República Democrática do Congo (RDC). Aproximadamente duas milhões de pessoas já foram deslocadas e muitas aldeias destruídas. O projeto online "Local Voices" dá voz às vítimas do conflito. O projeto pode ser conhecido no www.localvoicesproject.com.
Foto: Alexis Bouvy
Em nome de Deus
O auto-denominado General Janvier tem uma longa história de violência e crimes. "É a vontade de Deus", diz Janvier segurando uma Bíblia. Ele comanda uma milícia denominada Aliança de Patriotas por um Congo Livre e Soberano (APCLS). Há oito anos, ele construiu o seu quartel-general próximo a vila de Lukweti, uma colina que é desde então conhecida como Monte Sinai.
Foto: Alexis Bouvy
Buscando um sentido para a vida
O general ordenou um ataque e "Fidel Castro", como o integrante da milícia chama a si mesmo, prepara-se para lutar contra um inimigo, sob o comando de Ntabu Cheka. Para ele, isto é trabalho. A pobreza faz parte de Lukweti. A maioria dos jovens não sabe ler nem escrever. Alguns dizem: "a milícia dá sentido à minha vida".
Foto: Alexis Bouvy
Saíram para matar
Os combatentes avançam em direção a localidade de Pinga através da ponte da vila. Lá, eles vão matar os homens de Ntabu Cheka e talvez alguns civis. Eles não gostam de falar sobre estas coisas. A cidade de Pinga tem sido palco de vários combates entre as milícias ao longo dos anos. Muitos morreram e milhares fugiram.
Foto: Alexis Bouvy
Amizade com milicianos
Tanto civis como membros de milícias gostam de jogar futebol. Apesar da disparidade entre eles - uns levam armas enquanto outros são desarmados - as amizades se desenvolvem entre os habitantes da vila Lukweti e os rebeldes do APCLS. Alguns pertencem às mesmas famílias.
Foto: Alexis Bouvy
Solidariedade ou pragmatismo?
O conselho da aldeia, conhecido como "O Barza" toma todas as decisões importantes em Lukweti. Falando sobre a co-existencia entre a comunidade e a milícia APCLS, Mzee Massomo, só tem elogios. "Eles nos protegem de outras milícias que nos maltratariam. Nós lhes damos comida", diz. O APCLS, segundo Massomo, é mais disciplinado do que o exército oficial da República Democrática do Congo.
Foto: Alexis Bouvy
Ser uma mulher na milícia
Kahindo, de 22 anos, descansa em uma cabana ao lado da farinha de mandioca. O trabalho de Kahindo, a exemplo da tarefa de várias outras mulheres no APCLS, é coletar comida. Ela participa da colheita feita pelos agricultores, que já são bastante pobres. Muitos aceitam essa situação.
Foto: Alexis Bouvy
O dilema das mulheres
"Eu não quero me casar com um miliciano", diz a moradora de Lukweti, Neema Riziki, de 16 anos. "Muitas mulheres gostariam de se casar com um combatente porque eles supostamente tratam bem suas mulheres. Mas algumas das minhas amigas ficaram viúvas poucos dias após o casamento. Algumas delas tem que vender seus corpos para sobreviver."
Foto: Alexis Bouvy
Drogas para os combatentes
Mama Soleil (no centro) cultiva cannabis em frente às ruínas de uma fábrica do período colonial, na aldeia vizinha de Nyabiondo. Ela é uma mulher popular. Os seus clientes são milicianos e soldados. Atrás do muro, as tropas de paz da ONU instalaram o seu acampamento.
Foto: Alexis Bouvy
Não há desenvolvimento sem estradas
Este agricultor passa dificuldades nas vias da região. Leva mais de quatro horas para fazer o trajeto de Lukweti à cidade vizinha de Nyabiondo, onde quer vender seu liquor de banana no mercado. A maioria das pessoas em Lukweti vive da produção de banana.
Foto: Alexis Bouvy
A cooperação entre a polícia e as milícias
Na cabana, um líder de milícia tem um encontro com o chefe da Polícia de Nyabiondo. Uma pessoa de fora da localidade dificilmente saberia dizer quem é o miliciano e quem é o policial.
Foto: Alexis Bouvy
Com a ajuda de Deus
O pastor protestante de Lukweti reza fervorosamente com a congregação nos cultos de domingo. Devido à constante insegurança e ao medo do terror cotidiano, a comunidade encontra consolo e esperança na sua fé.
Foto: Alexis Bouvy
A esperança de paz
Os jovens que estão a dançar são da Aliança pela Paz. Eles cantam "acabem com a violencia!" Trata-se de uma atitude bastante corajosa porque as milícias estão a promover o ódio entre as etnias e jovens frequentemente têm se voltado uns contra os outros. Os jovens cantando pertencem a diferentes grupos e são prova que a coexistência pacífica é possível no leste da República Democrática do Congo.