Moçambique deve pressionar África do Sul para travar ataques
14 de fevereiro de 2023Mais uma viatura com matrícula moçambicana foi atacada no domingo (12.02) em território sul-africano. O automóvel transportava passageiros e fazia o trajeto Durban-Maputo, tendo sido surpreendido por homens armados desconhecidos, que o incendiaram.
Este novo ataque acontece menos de uma semana depois de um encontro entre a ministra do Interior de Moçambique, Arsénia Massingue, e o ministro sul-africano da Polícia, em que foram debatidos estes ataques a viaturas moçambicanas.
Em entrevista à DW, o especialista em política internacional Wilker Dias relaciona os ataques ao fenómeno da xenofobia na África do Sul e diz que são as autoridades sul-africanas que têm de pôr fim a esta violência.
DW África: Quais as causas desta violência contra moçambicanos na África do Sul?
Wilker Dias (WD): Uma das causas primordiais pode estar associada aos fenómenos do passado, como a xenofobia, a questão do desemprego na África do Sul, em que muitos reclamavam dos cidadãos estrangeiros como figuras que acabavam roubando os empregos aos nativos. E isto pode evidenciar-se com estes últimos ataques. Pode-se presumir que estão associadas diversas causas sociais. Falo no caso concreto do crime, que está em alta na África do Sul, envolvendo até moçambicanos, mas, por outro lado, [a situação] pode estar ligada a outros factores como o desemprego e a falta de oportunidades.
DW África: Imagens postas a circular nas redes sociais em Moçambique mostram o drama das vítimas durante o ataque e estas chegam a apelidar os atacantes de terroristas. Será esta uma ação ligada ao terrorismo?
WD: Sim e não, depende muito do contexto. Podem estar a trazer esta figura [do terrorismo] por conta daquilo que vem acontecendo na província nortenha de Cabo Delgado [em Moçambique]. São atos feios, sim, que acabam colocando em risco as vidas dos cidadãos - graças a Deus não temos ainda casos de mortes - mas há uma questão de fundo que não tem sido muito levantada: os moçambicanos, por vezes, quando fazem essa travessia para a África do Sul, sofrem assaltos. A maioria sofre assaltos nos autocarros e isto nunca foi levado em conta. Os sul-africanos atacam os autocarros moçambicanos há muito tempo, mas atacavam para perpetrar assaltos. Hoje, atacam para queimar. Isto pode levar alguns a apelidar a situação de fenómeno terrorista, mas, em termos práticos, não se trata disso.
DW África: Mesmo depois desse encontro das autoridades moçambicanas e sul-africanas, quatro dias depois, temos um novo ataque. Os dois governos não estão a fazer o suficiente para garantir a segurança das pessoas?
WD: Eu acredito que pesa muito mais para o lado sul-africano, por um motivo muito simples: os ataques são perpetrados na África do Sul e a África do Sul é um país soberano. Em nenhum momento a polícia moçambicana deve invadir o território sul-africano. Tem de haver, se calhar, mais tentativas diplomáticas, tentar pressionar para que se tomem medidas neste corredor que tem sido quase nefasto para as vidas e integridade dos moçambicanos.
Temos vários históricos de violação gravíssima dos direitos humanos dos moçambicanos na África do Sul. Recentemente, circulou um vídeo de um indivíduo que foi mandado embora do hospital porque não tinha passaporte na África do Sul, mas estava doente e precisava de tratamento. De certa forma, chega a violar aquele que é um dos principais juramentos prestados pelos médicos. Deve haver uma conversação diplomática e medidas muito mais fortes por parte das entidades sul-africanas. Leva a crer que não há um controlo muito liderado na África do Sul, principalmente nesta corrente policial, porque já deveriam estar a produzir resultados numa altura destas.