Violência eleitoral: Indignação marca exéquias de Matavel
Nádia Issufo (Maputo)
9 de outubro de 2019
Anastácio Matavel foi enterrado esta quarta-feira (09.10) em Xai-Xai. Intimidação está na base do assassinato, entende a Sala da Paz. RENAMO exige demissão do ministro do Interior. Governo mantém silêncio.
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Foram a enterrar, no Xai-Xai, sul de Mocambique, os restos mortais do membro da Sala da Paz, Anastácio Matavel, esta quarta-feira (09.10). Assassinado por agentes da polícia na passada segunda-feira (07.10), Matavel era um ativo monitorador de processos eleitorais e formador de observadores. Mas era, acima de tudo, um pai, um esposo e um bom colega. Os seus parceiros de trabalho, que repudiam o crime, lembram-no com pesar.
"O doutor Matavel era uma pessoa bastante humana, bastante amigável. Era amigo de todos, chefe de família com filhos e uma família bem edificada. Infelizmente, este acto macabro retira-o do seio familiar e cria essa dor no seio familiar e dos seus amigos e da sociedade civil," descreve Osman Cossing, da Sala da Paz.
"É uma perda bastante grande, inclusive não duvido que tenha até convivido com os assassinos de forma amigável, porque era amigo de todos e estas pessoas [assassinos] viviam na mesa cidade e conheciam-no perfeitamente pelo seu ativismo, pelo seu ser bondoso," avalia.
Matavel OL - MP3-Stereo
Extrema intimidação
As organizações da sociedade civil que monitoram ativamente o processo eleitoral tem sido, nos últimos meses, duramente criticadas nas redes sociais por alguns intelectuais tidos como próximos do regime. São acusadas de servir interesses obscuros externos. Entretanto, até ao momento nenhuma plataforma tinha sido atacada a esse extremo. Para Osman Cossing, esse marco negativo pode minar o trabalho da sociedade civil e consequentemente do processo eleitoral.
"Esse assassinato bárbaro traz algum sentimento de intimidação, uma mensagem muito clara sobre o papel da observação eleitoral ao nível da província de Gaza," considera.
"Para nós, é bastante doloroso, crítico e preocupante termos perdido o nosso colega da forma que perdemos. No dia em que foi assassinado, tinha acabado de formar observadores eleitorais. Já se pode imaginar a percepção que os formandos tiveram de que é uma atividade de alto risco e que se deve ter bastante cuidado e pode até retrair a observação eleitoral," pondera Osman Cossing.
A Sala da Paz previa outras atividades de formação de observadores eleitorais que seriam ministradas por Anastácio Matavel.
"Ao se dar continuidade a essas atividades, na ausência dele - e as pessoas sabem que ele seria o formador e qual destino teve - isso cria uma intimidação. As pessoas não se sentem confortáveis, estarão a fazer a observação sempre com um pé atrás," pondera.
Moçambique: "Sala da Paz" classifica de cruel e intimidador assassinato de Matavel
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Silêncio do Governo X críticas da RENAMO
Do Governo, até agora, nenhuma manifestação sobre este golpe contra a sociedade civil, nem mesmo de pesar. Já a RENAMO, maior partido da oposição, reagiu tecendo duras críticas às autoridades, exigindo mesmo a demissão do ministro do Interior face às fortes suspeitas de que membros da polícia especial sejam os autores do crime.
André Magibiri é secretário-geral do partido e pede participação do eleitorado no monitoramento do processo eleitoral.
"Queremos apelar a todo o povo moçambicano para estar vigilante neste momento em que estamos próximos da votação. Não temos dúvidas de que a motivação do crime tem a ver com o processo eleitoral. Tem em vista intimidar, silenciar todos aqueles que se pronunciam e estão a favor de eleições livres, justas e transparentes. Os que mandaram matar Matavel o fizeram com motivações políticas," afirma.
Apesar do clima de intimidação que se instalou com o assassinato de Matavel a cerca de uma semana das eleições, a Sala da Paz garante que não vai recuar nas suas ações durante o processo eleitoral.
"Como sociedade civil, estamos firmes e este é o nosso papel. E, até mesmo para homenagear o nosso colega Matavel, vamos continuar em frente com a observação eleitoral de forma a garantir que o processo eleitoral seja o mais íntegro possível e que haja uma participação em termos de observação da sociedade civil, porque este também é um dos elementos que garante a integridade dos processos eleitorais," conclui.
Campanha eleitoral em Moçambique: Província a província
Campanha em Moçambique: Província a província
Foto: DW/B. Jequete
Niassa: Província lembrada em período de campanha
Em época de conquistar os eleitores a oposição lembra-se que esta província do norte é marginalizada. O potencial agrícola também é chamado nos discursos dos partidos políticos. Os eleitores dizem que basta de promessas não cumpridas e manifestam desejo de ver a província, considerada esquecida, desenvolvida.
Foto: DW/M. David
Cabo Delgado: Campanha em palco de ataques armados
Há mais de dois anos que esta província do norte é alvo de ataques armados organizados por homens até ao momento sem face. Caça ao voto em solo molhado de sangue e clima de terror não é com certeza a todo vapor. Mas os partidos, em áreas seguras, seguem com suas promessas. Na terra do futuro, pois alberga uma das maiores reservas de gás do mundo, os jovens exigem emprego.
Foto: DW/D. Anacleto
Nampula: Tragédia em comício da FRELIMO
Mais de 10 mortos e 85 feridos foi o saldo do evento de campanha da FRELIMO no estádio 25 de junho. Mesmo assim a FRELIMO e o seu candidato não interromperam a caça ao voto, num gesto de luto. Mas reagiu imediatamente, prometendo entre outras coisas o acompanhamento aos familiares das vítimas. Aguarda-se pelo apuramento das responsabilidades. Desconfia-se que aspetos de segurança tenham falhado.
Foto: DW/S. Lutxeque
Zambézia: Ato macabro mancha caça ao voto
Nesta província a mobilização do eleitorado é grande, por isso a festa também é em grande. E é com a mesma proporção que desponta a violência eleitoral. Até ao momento o incêndio criminoso da casa da mãe do candidato da RENAMO às provinciais, Manuel de Araújo, é a maior mancha do processo na província central. A RENAMO acusa a FRELIMO de autoria, mas o partido no poder nega.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Tete: Desenvolvimento é a tónica de campanha
Os dois principais partidos, FRELIMO e RENAMO, contam promover o desenvolvimento da província central usando os recursos que a região oferece. Já o MDM dá ênfase à saúde.
Foto: Sérgio Vinga
Manica: Proximidade com o eleitor
Tal como em todo o país, as regras de afixação de cartazes eleitorais não são respeitadas nesta província central. Mas esta não é a única forma de propaganda usada pelas formações políticas, como é habitual, os candidatos vão ao encontro do eleitor com os panfletos nas mãos.
Foto: DW/B. Chicotimba
Sofala: Ciclone Idai faz mudança climática ser prioridade
O Idai atingiu duramente a província central em meados de abril. Até hoje o país não se refez completamente das suas consequências. O evento está a ser aproveitado para conseguir votos. Os partidos estão a prometer a um eleitorado recém afetado medidas para minimizar os impactos das alterações climáticas.
Foto: DW/Arcénio Sebastião
Inhambane: As ameaças de ex-guerrilheiros da RENAMO
É em época de caça ao voto que os guerrilheiros da RENAMO acantonados na base de Matokose, nesta província do sul, fazem ameaças. Justificam que estão descontentes com a sua liderança. Garantem que têm muito armamento, que deveria ter sido entregue às autoridades até o 21 de agosto. É neste contexto que os partidos vão trabalhando junto do eleitorado.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Gaza: Campanha sob o espectro da desconfiança de fraude
A caça ao voto nesta província do sul acontece mesmo sem que o caso da disparidade de números de eleitores apresentados pelo INE e STAE tenha sido resolvido. A suspeição em relação à Gaza é grande. Neste bastião da FRELIMO, onde a oposição costuma ser alvo de violência, as ações de campanha decorrem até agora com tranquilidade.
Foto: DW/C.A. Matsinhe
Maputo: Promessas ajustadas ao eleitor urbano
Redução do IVA e combate à corrupção são algumas das promessas da oposição nesta província do sul. As fraquezas do Governo da FRELIMO têm servido, até certo ponto, de armas para a RENAMO e MDM nesta campanha. Também promessas de mais emprego para uma região densamente povoada por jovens não faltam. Já a FRELIMO prefere continuar a apostar, entre outras coisas, na continuidade.