Agressão policial: "Remédio não pode ser pior que a doença"
4 de janeiro de 2022Nos primeiros dias do novo ano, as autoridades angolanas exortaram repetidamente os cidadãos a "cumprirem rigorosamente" as novas medidas de prevenção à Covid-19, garantindo "responsabilização administrativa e criminal" de quem perturbar a ordem ou realizar atividades inapropriadas.
O ministro do Interior, Eugénio Laborinho, convocou as mais altas chefias policiais de Angola, apelando ao rigor na aplicação e controlo das medidas.
Em entrevista à DW África, o advogado e presidente do Observatório para Coesão Social e Justiça, Zola Bambi, manifestou-se preocupado com as violações dos Direitos Humanos praticadas pelas forças de segurança angolanas nos últimos meses, a pretexto de se querer aplicar as normas contra a pandemia.
As medidas visam proteger os cidadãos e não devem servir de pretexto para as forças policiais usarem violência ou extorquirem dinheiro, afirma o defensor dos Direitos Humanos.
DW África: Entende que a polícia se tem pautado por excessos neste contexto de Covid-19?
Zola Bambi (ZB): A sociedade civil preocupa-se bastante com este decreto, que, na realidade, vinha para proteger a população na questão relativa à pandemia. E é do interesse de todos que o seu cumprimento proteja a vida. Mas a polícia não está preparada para atuar melhor, de forma pedagógica e profilática. Quanto mais decretos saem, mais mortes violentas temos tido, resultado da atuação direta da polícia.
DW África: Acha possível que este ano volte a haver mais violações dos direitos humanos?
ZB: Temos um sinal de que, com esta medida, mais derivas haverá em relação à sua violência, porque não se espera em momento algum que a nossa polícia atue à altura, para prevenir e proteger melhor.
DW África: Fazendo uma retrospetiva dos últimos meses desde que surgiu o coronavírus, confirma-se que houve excessos por parte da polícia em geral?
ZB: Houve atuações com excesso de zelo realizadas pela polícia nacional, e todo o mundo teve a oportunidade de ver situações de mortes - que poderíamos até considerar execuções -, detenções arbitrárias, ofensas corporais, extorsões e outros atos de corrupção ativa nesta fase da suspensão temporária dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
DW África: Limitar certos direitos fundamentais num contexto de pandemia é legal?
ZB: O remédio não pode ser pior que a doença e é o que tem acontecido com estes decretos. A sua aplicação torna-se uma oportunidade para que até o próprio regime se aproveite para limitar certos direitos. A polícia aproveita a oportunidade para, muitas das vezes, agir em contramão em relação aos cidadãos, aproveitando até para prejudicar direitos políticos e outros.
DW África: O caso de Cafunfo, em que se empenhou bastante como advogado e defensor dos Direitos Humanos, é exemplo disso?
ZB: Na Lunda Norte, na localidade mineira de Cafunfo, morreram mais de 100 cidadãos num ato de manifestação. É um acontecimento triste. Houve muitas detenções arbitrárias, assim como tortura e até desaparecimentos forçados, algo que não deveria acontecer. Mas isso foi também incentivado pelos decretos, como o que acabámos de receber, que só vai desfavorecer a vida do cidadão, assim como prejudicar o exercício dos direitos humanos fundamentais.
DW África: As autoridades angolanas aprenderam alguma coisa nos últimos meses?
ZB: Não aprenderam quase nada. Não vimos melhorias circunstanciais na atuação direta. É certo que houve muitos discursos cosméticos, estatísticas maquilhadas sobre os resultados. Porém, na nossa opinião, não houve um amadurecimento na atuação das nossas atividades.