Um imigrante moçambicano morreu e pelo menos 18 pessoas também de nacionalidade moçambicana ficaram desalojadas por alegada violência xenófoba no leste de Joanesburgo, África do Sul, que eclodiu na semana passada.
Pola Park é uma área do bairro de Tokoza, em Joanesburgo (foto de arquivo)Foto: DW/T. Khumalo
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"Houve um moçambicano que foi morto, queimaram tudo o que tinha, e levaram tudo, todos os moçambicanos ficaram sem nada", relatou o imigrante moçambicano David Machava em declarações à agência de notícias Lusa. "Ele morreu anteontem [sábado], quando eles entraram aí a bater em Tokoza Pola Park", adiantou David Machava, que vive na África do Sul desde 1987, onde constituiu família com oito filhos.
Segundo o imigrante, a maioria dos moçambicanos afetados pela recente onda de violência xenófoba residem em Pola Park, uma área do bairro de Tokoza vizinha a Katlehong. "Pode chegar a 18 moçambicanos, porque há muitos a viverem aqui em Pola Park", contou Machava.
"Pediram documentos, bateram-me à queima-roupa, um outro moçambicano abandonou a casa dele porque lhe disseram que o iam matar e eu também estou a procurar outro sítio", declarou. "Viraram-me o carro que estava estacionado", referiu ainda o imigrante.
Ataques violentos desde a semana passada
Por seu lado, José Sobrinho, 37 anos, natural de Chokwé, distrito de Gaza, sul de Moçambique, disse à Lusa que o seu negócio de reparação de televisores não sobreviveu aos ataques violentos. "Destruíram os televisores que eram dos meus clientes", adiantou, sublinhando que "a situação já está mais calma hoje, mas o que era dos clientes ficou destruído".
Moçambicanos protestam contra xenofobia na África do Sul
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José Sobrinho contou que abriu o negócio de reparação de televisores no bairro de Tokoza, em 2016, embora tenha imigrado para a África do Sul em 2007. "Tenho quatro filhos, até a minha esposa não está bem [de saúde] devido a uma queda e estou a preparar dinheiro para lhe enviar porque está hospitalizada [em Moçambique]", declarou o imigrante moçambicano, que procura agora refazer a sua vida.
A violência xenófoba contra imigrantes moçambicanos em Tokoza, referiu José Sobrinho, eclodiu na passada terça-feira (28.08) e só viria a dissipar-se no domingo (02.08) após a intervenção do exército sul-africano e do ministro da Polícia, Bheki Cele.
"Foi quase toda a semana, porque começou na terça e na sexta-feira e no sábado [a violência] piorou, há muitos moçambicanos afetados e ontem [domingo] apareceram os militares e o ministro da Polícia Bheki Cele esteve cá, e essa guerra parou. A situação ainda está calma", disse José Sobrinho.
Casas e lojas vandalizadas
O moçambicano referiu que os responsáveis, de etnia AmaXhosa, justificaram a violência contra os imigrantes moçambicanos e a vandalização das suas casas e lojas alegando "falta de eletricidade" no bairro de Tokoza há três semanas. "Mas depois começaram a dizer que todos os estrangeiros têm de sair do país, e aí começaram já a entrar nas lojas e nas casas, tiraram coisas, mobílias e queimaram tudo. Basta ser estrangeiro e ter uma loja, que eles entram e destroem tudo", adiantou.
Questionado pela Lusa sobre os motivos da recente onda de violência xenófoba, este imigrante moçambicano sublinhou: "O problema é que nós aqui trabalhamos, estamos em 'lockdown' devido a essa pandemia do novo coronavírus, mas conseguimos colocar pão na mesa, e eles não fazem nada, dependem do Governo, enquanto nós fazemos pela vida. Esse é o problema", disse José Sobrinho.
Contactada pela Lusa, a esquadra de Polícia em Tokoza remeteu esclarecimentos para o comando da Polícia sul-africana (SAPS, na sigla em inglês) na província de Gauteng que não respondeu ao pedido até ao momento.
Em 2019, o distrito de Ekhuruleni, onde se situa o bairro de Tokoza, foi um dos focos de saques de violência xenófoba que atingiu o país em setembro, forçando cerca de 1.500 estrangeiros africanos a abandonarem a África do Sul. Cerca de 800 pessoas, na sua maior parte originária de Moçambique, Malawi e Zimbabué, procuraram refúgio em salas comuns no bairro de Katlehong, vizinho a Tokoza, a cerca de 35 quilómetros a leste de Joanesburgo, referiu o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Mais de 11 pessoas morreram e cerca de 500 foram detidas pela polícia sul-africana em setembro de 2019 durante uma onda de violência xenófoba, pilhagem e destruição de vários negócios, na maioria de imigrantes estrangeiros na província de Gauteng, a mais populosa da África do Sul.
Joanesburgo, entre a decadência e a revitalização
Joanesburgo ainda luta com os efeitos do apartheid. A cidade tenta parar o declínio dos bairros decadentes e trazer o perigoso centro de volta à vida.
Foto: DW/T. Hasel
Entre a decadência e a ressurreição
Joanesburgo ainda luta com os efeitos do apartheid. A cidade tenta parar o declínio dos bairros decadentes e trazer o perigoso centro de volta à vida. Fundada em 1886 após a descoberta de enormes jazidas de ouro, Joanesburgo já teve várias fases de boom e momentos de profunda depressão. Isso mostram os vários edifícios construídos em diferentes estilos arquitetónicos.
Foto: DW/T. Hasel
Vida nova nas ruínas industriais
A última e maior das três centrais termoelétricas de Joanesburgo, no coração da cidade, gerou eletricidade para a metrópole entre 1934 e 1942. Depois, o prédio industrial decaiu, até que foi restaurado há dez anos. Desde 2007, a construção abriga a sede da mineradora Anglo Gold Ashanti, a terceira maior produtora de ouro do mundo.
Foto: DW/T. Hasel
Destruídos e abandonados
A fachada neobarroca do hotel Cosmopolitan, construído entre 1899 e 1902, reflete o otimismo que surgiu em Joanesburgo na época da corrida do ouro. A casa em estilo vitoriano, que antigamente abrigava um pub, foi popular entre os operadores de minas por muito tempo. Durante décadas entregue à deterioração, há planos de restaurar a casa e voltar a usá-la.
Foto: DW/T. Hasel
Mercado no centro da cidade
Após o fim do apartheid, muitos bancos e empresas sul-africanos deixaram o centro de Joanesburgo e se estabeleceram no norte da cidade. Muitos sul-africanos negros das favelas e townships (áreas urbanas que foram guetos durante o apartheid), mudaram-se para o centro. Atualmente, eles revitalizaram o centro com uma abundância de pequenas lojas.
Foto: DW/T. Hasel
Brilho fresco
Nas casas de Fietas, subúrbio de Joanesburgo, as lojas e oficinas ficam no piso térreo e os apartamentos, no primeiro andar. Nos anos 60 e 70, o regime do apartheid desalojou quase todos os moradores do bairro, para abrir espaço para os brancos. Uma grande parte das casas foi destruída. O Museu Fietas é um dos poucos edifícios que sobreviveram no estilo original.
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Uma casa alemã
Em 1935, o arquiteto alemão Wilhelm Pabst fugiu dos nazistas da Alemanha e emigrou para Joanesburgo. Na bagagem, tinha trazido um estilo expressionista, que usou quando ergueu, em 1948, a Chinese United Club Mansion (foto), na época em Chinatown, no centro da cidade.
Foto: DW/T. Hasel
Pistolas diante da tela
O cinema Avalon, no distrito Fordburg, é uma relíquia de uma época em que Joanesburgo ainda era cheia de pequenas salas de cinema. Com a saída de muitos sul-africanos brancos do centro da cidade no início dos anos 90, muitos cinemas fecharam, foram demolidos ou dedicados a novos usos. O Avalon é atualmente uma loja de armas.
Foto: DW/T. Hasel
De endereço chique a casa dos horrores
Dificilmente um edifício simboliza tanto a ascensão, queda e possível renascimento de Joanesburgo como o Ponte City, no distrito de Hillbrow. Inaugurado em 1975, o edifício alto e redondo figurava entre os melhores endereços da cidade. Após o fim do apartheid, em 1994, a construção degenerou e passou a ser considerada extremamente insegura. Atualmente, o prédio é muito popular entre os estudantes.
Foto: DW/T. Hasel
Seguindo os passos de Nelson Mandela
À primeira vista insignificante, o prédio da Chancellor House é historicamente importante. Em 1952, Nelson Mandela e Oliver Tambo abriram aqui o primeiro escritório de advocacia liderado por negros na África do Sul. Na década de 1990, os últimos inquilinos se mudaram daqui. A casa foi ocupada ilegalmente e foi se deteriorando até pegar fogo. Atualmente, o edifício renovado abriga um museu.
Foto: DW/T. Hasel
À espera de novos moradores
Uma visão típica do centro de Joanesburgo: prédios da época do boom da cidade no início do século XX, que no fim do apartheid foram abandonados e negligenciados. Só recentemente as casas antigas têm sido compradas por investidores e parcialmente recompostas.
Foto: DW/T. Hasel
Vestígios do passado
"Lies Beeld", lê-se nesta placa enferrujada de propaganda no centro de Joanesburgo. Publicado na língua africâner (afrikaans), o jornal sensacionalista Beeld foi e é um dos mais lidos na África do Sul. A primeira edição chegou ao mercado em 1974. A publicação é lida, principalmente, por sul-africanos brancos.
Foto: DW/T. Hasel
Testemunhas do terror
Edifício transparente com um passado cruel: durante o apartheid muitos presos políticos foram interrogados, abusados e torturados no 10º andar do prédio da polícia no centro de Joanesburgo. Oito deles morreram, entre os quais o ativista Steve Biko. Um deles foi lançado do 10º andar por seus algozes.