Governo angolano anunciou que será preciso apenas o bilhete de identidade para votar no país, mas a medida já esbarrou em polémica: cidadãos angolanos e oposição temem que muita gente seja excluída das eleições.
Publicidade
As críticas não se fizeram tardar depois do anúncio do Governo, esta terça-feira (07.09), de que pretende acabar com o cartão de eleitor até 2027, permitindo apenas a votação com o bilhete de identidade. Cartões de eleitor só serão emitidos em localidades distantes, onde não seja possível obter bilhetes de identidade.
Vários cidadãos ouvidos pela DW África temem que muitos eleitores fiquem excluídos das eleições, porque nem todos conseguem ter acesso ao bilhete de identidade. "Em Luanda, há cidadãos com mais de 20 anos que não têm bilhete de identidade", lembra o rapper e ativista Jaime Domingos, conhecido por "Jaime MC".
"Isso tem a ver com o sistema burocrático que assola as instituições públicas. É isto que está a prejudicar. É preciso descentralizarmos isso. É preciso levarmos as lojas de registos a todas as comunidades e, se for possível, até às maternidades", apela.
Tudo dependerá da vontade do partido que governa Angola, o MPLA. Para já, a vontade parece ser pouca, comenta Xitu Milongo, um engenheiro de construção civil ouvido pela DW nas ruas de Luanda: "Em 2027, se o Governo ou o MPLA quiser registar todo o angolano, vai registar. Mas essa anarquia toda em volta do processo para aquisição do bilhete de identidade é propositada".
Publicidade
"Quem não tem bilhete de identidade vai sempre ficar penalizado"
Mais do que isso, o que preocupa Xitu Milongo é que o MPLA tenha recusado o apuramento municipal e provincial dos votos. E que a sociedade civil não possa integrar a Comissão Nacional Eleitoral. "O que me preocupa é a forma como o processo eleitoral tem sido conduzido, como está composta a CNE, a contagem dos votos. Essa questão do registo eleitoral penso que é um não assunto", afirma.
Revisão da Constituição angolana corresponde às expetativas?
04:30
O diretor nacional de Identificação, Registo e Notoriado, Carlos Cavuquila, garante que não haverá problemas na emissão de bilhetes de identidade, afastando "qualquer constrangimento tecnológico ou operacional".
"Para as eleições interessa mais os cidadãos maiores. Dar bilhete a todos os cidadãos. Já temos condições tecnológicas, estamos a fazer ensaios até para atribuir bilhetes a menores de seis anos. A nossa lei agora admite que se atribua bilhete a idade zero. Estamos a fazer ensaios e, no momento certo, vamos anunciar o início do processo", explica.
Neste momento, há cerca de seis milhões de eleitores registados na base de dados, segundo Cavuquila. Os números são atualizados automaticamente, à medida que os cidadãos completam 18 anos.
No entanto, o ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Marcy Lopes, deixou um alerta: os cidadãos residentes no estrangeiro que não tiverem bilhete de identidade serão impedidos de participar nas eleições de 2022. "Nos países onde não há emissão de bilhete de identidade, só fará registo eleitoral oficioso quem possui bilhete de identidade", disse o governante.
Para Mihaela Weba, deputada da UNITA, o maior partido da oposição, isso vai contra o que está estabelecido na Constituição: o direito de voto para todos os cidadãos angolanos em território nacional e no exterior.
"Quem não tem bilhete de identidade vai sempre ficar penalizado. Para mais, numa realidade como a nossa, em que sabemos perfeitamente que o Executivo do Presidente João Lourenço não quer arranjar condições para tornar acessível e universal o bilhete de identidade", sublinha.
Angola: Conheça o Mural da Resistência em Luanda
Uma nova intervenção urbana foi inaugurada em Luanda, com pinturas em homenagem a personalidades importantes da história recente de Angola. Veja o Mural da Resistência, do pintor Zbi de Andrade, nesta galeria de fotos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Mural da Resistência
Este é o nome do novo mural localizado nos arredores de Luanda. O espaço pintado pelo artista Zbi de Andrade contém rostos de activistas, políticos e académicos que defendem um país cada vez mais democrático. Uma cerimonia organizada pelo site Observatório de Imprensa homenageou as pessoas retratadas.
Foto: Manuel Luamba/DW
Manuel Chivonda Nito Alves
Manuel Chivonda Nito Alves é um activista angolano que se notabilizou nos protestos de rua que começaram em 2011. Em 2013, com apenas 17 anos, foi acusado de difamar o ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Foi espancado e detido por várias vezes pela polícia. É um dos activistas detidos em 2015 no caso conhecido como "Processo dos 15+2".
Foto: Manuel Luamba/DW
Laurinda Gouveia
Laurinda Gouveia é uma activista angolana que também se notabilizou por organizar e participar manifestações de rua, exigindo melhores condições de vida à população. Gouveia é integrante do Odjango Feminista e defende a igualdade de direitos. A sua veia reivindicativa acabou por levá-la à cadeia por inúmeras vezes. Também foi condenada no "Processo dos 15+2".
Foto: Manuel Luamba/DW
Rosa Conde
Rosa Conde também foi detida e julgada no âmbito do Caso 15+2 - quando 17 ativistas foram acusados de tentativa de golpe de Estado. Com "sangue" de Cabinda, foi um dos rostos que, em 2016, lideraram os protestos contra o assassinato de Rufino António - morto a tiros alegadamente por um militar do PCU durante as demolições no bairro do Zango.
Foto: Manuel Luamba/DW
Filomeno Vieira Lopes
Filomeno Vieira Lopes é um conhecido político e economista angolano. Já foi espancado por várias vezes em manifestações de rua. Atualmente é o presidente do Bloco Democrático, uma formação política derivada da Frente Para Democracia (FPD), associada a intelectuais angolanos. O BD é um dos integrantes da Frente Patriótica Unida, aliança de oposição que visa à alternância de poder em 2022.
Foto: Manuel Luamba/DW
William Tonet
William Tonet é um jornalista e jurista angolano. Um dos pioneiros do surgimento da imprensa privada em Angola. Com a institucionalização do multipartidarismo, Tonet surgiu com o bissemanário Folha 8, um jornal critico ao regime. "Chefe indígena", como é chamado, Tonet deve ser o jornalista angolano em atividade com mais processos judiciais.
Foto: Manuel Luamba/DW
Luís Nascimento
Luís Nascimento é um jurista e advogado angolano. Foi um dos cidadãos que exigiram a destituição de Isabel dos Santos da chefia da petrolífera estatal Sonangol em 2016. Foi o advogado da família de Rufino António, adolescente morto alegadamente pelas forças de segurança nas demolições no Zango. Nascimento foi um dos candidatos derrotados na última convenção do Bloco Democrático.
Foto: Manuel Luamba/DW
Nelson Pestana "Bona Vena"
Nelson Pestana "Bona Vena" é um académico e político angolano. Conhecido por ser um "homem das letras", Bona Vena é ligado ao Centro de Investigação Cientifica da Universidade Católica de Angola e ao Centro de Estudos Africanos. É político do Bloco Democrático.
Foto: Manuel Luamba/DW
Fernando Macedo
Fernando Macedo é um ativista e professor universitário angolano. Reconhecido por muitos pela integridade, Macedo é um dos fundadores da Associação Justiça Paz e Democracia. O ativista é profundamente critico ao antigo e ao actual regime angolano. Em 2018, Macedo foi um dos organizadores de um protesto contra a amnistia de cidadãos que desviaram fundos públicos para o estrangeiro.
Foto: Manuel Luamba/DW
Luís Araújo
Luís Araújo fundador e coordenador da SOS Habitat, uma ONG que defende e promove o direito à habitação em Angola. Em 2016, o ativista angolano teve projeção ao defender que a remoção do que chamou de "ditadura angolana" é uma necessidade. Em 2005, Araújo e mais dez pessoas foram julgados pelo Tribunal Provincial de Luanda, acusados de incitamento à violência. Vive há anos na Europa.