Mustafah Dhada lança em breve a sua segunda obra em memória das vítimas de um dos maiores massacres em Moçambique. Portugal ainda não reconheceu "a violência sistémica" exercida nas colónias, sublinha em entrevista à DW.
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Portugal tem a liberdade de celebrar a sua história com orgulho e sentido pedagógico, mas não pode esquecer os períodos complexos e críticos, como a guerra colonial, que marcaram a sua presença nos antigos territórios em África. A ideia é defendida Mustafah Dhada, académico de origem moçambicana que investigou os acontecimentos em torno do massacre de Wiriyamu, ocorrido a 16 de dezembro de 1972.
Em entrevista à DW África, o professor de História Mundial e Estudos Africanos radicado nos Estados Unidos questiona a "amnésia" que ainda hoje se sente na sociedade portuguesa em relação ao passado de Portugal como império colonial, que durou cerca de 500 anos. "Como é que há uma amnésia tão profunda, que os portugueses não sentem atualmente este peso que é parte da história de Portugal que era moura? Não entendo isso", critica.
O capítulo sobre os crimes cometidos por Portugal não está totalmente encerrado com o monumento erguido em Moçambique em homenagem às vítimas do Massacre de Wiriyamu.
Para Mustafah Dhada, não basta a Portugal reconhecer publicamente este período negro da sua história: "Portugal não reconheceu uma estrutura e uma violência sistémica que exerceu nas colónias. Mesmo que esta revelação da verdade faça tremer as pessoas que agora têm saudades de ter vivido ou combatido qualquer coisa nas ex-colónias, eu penso que eles [os portugueses] devem fazer mais do que isso."
Mais que admitir a culpa oficialmente, o Governo português devia mandar construir um monumento em Portugal em memória permanente desse período histórico, evocando e assumindo com um cunho pedagógico para a cidadania coletiva os atos praticados nas antigas colónias em África, propõe o historiadot moçambicano radicado nos Estados Unidos.
Testemunhas orais em destaque
Mustafah Dhada tem preparado um novo livro, provisoriamente intitulado "Wiriyamu Voices" (Vozes de Wiriyamu), com possível tradução posterior para português, no qual dá voz própria às fontes orais que relatam sobre as vítimas do massacre. "São entrevistas curadas. As perguntas que eu fiz não interrompem o processo do texto, de maneira que é muito mais fácil de ler um texto sem interrupções do investigador", explica o historiador.
"Vozes de Wiriyamu" lembra vítimas de massacre em Moçambique
São personalidades chave que, segundo o autor, desempenharam um papel importante na construção da sua primeira obra "O Massacre Português de Wiriyamu - Moçambique 1972."
No segundo livro é realçado o papel da Igreja Católica naquele tempo na transformação sócio-política, no então distrito de Tete, centro de Moçambique, e que terá contribuído para impulsionar uma mudança de postura da então polícia portuguesa.
O estudo que fez é provavelmente um trabalho definitivo sobre o massacre de Wiriyamu, apesar de haver algumas lacunas no livro que publicou anteriormente, nomeadamente nas páginas dedicadas ao massacre do Riacho. Algumas pessoas que encabeçaram a chacina, entre as quais agentes da Direção Geral de Segurança (DGS, antiga PIDE), já faleceram. "Há um informador que eu não consegui entrevistar, ainda vivo, e que está num local que eu não posso divulgar simplesmente porque se houver uma possibilidade dentro de um ano qualquer, vou procurá-lo para fazer uma entrevista", diz.
O historiador entrevistou mais de 200 familiares das vítimas e concluiu que, depois desta nova publicação, já não haverá muito mais para contar, tomando como base a reconstituição da vida social e administrativa das cinco aldeias do triângulo de Wiriyamu.
Moçambique: As más lembranças herdadas do colonialismo
As recordações do colonialismo português em Moçambique estão bem preservadas nalguns lugares do país. No museu regional de Inhambane os objetos lá expostos contam muito sobre a ocupação que durou cerca de 500 anos.
Foto: DW/L. da Conceicao
A bandeira da opressão
Depois da queda da monarquia portuguesa em 1910, a bandeira portuguesa passou a ser um símbolo muito presente nas colónias portuguesas. No caso de Moçambique, o museu da província de Inhambane conserva um exemplar com duas cores (verde e vermelho), uma esfera armilar e um escudo. Moçambique teve a sua própria bandeira em 1975 quando se tornou independente.
Foto: DW/L. da Conceicao
Algemas que acompanharam escravos por longos períodos
A região de Inhambane, no sul, viveu o comércio de escravos. Eles eram vendidos principalmente para a Ásia, Europa e América. Mas os escravos sempre tentavam escapar-se, o que levou os senhores de escravos a algemarem-nos durante as viagens que podiam durar vários meses. Os portugueses e árabes eram os principais comerciantes de escravos.
Foto: DW/L. da Conceicao
Palmatória usada contra os moçambicanos
Para conseguirem colocar ordem nos territórios ocupados, os portugueses usavam instrumentos de tortura. O chicote era principalmente usado nos campos de trabalho e a palmatória contra todos que no entender dos colonialistas tivessem cometido qualquer erro. Como resultado surgiram grupos radicais para acabar com abusos praticados pelos portugueses em praça pública e na presença de familiares.
Foto: DW/L. da Conceicao
Pasta das chaves da Câmara da cidade
Ninguém sabe onde estão as chaves da Câmara Municipal da Cidade Inhambane, mas
a pasta veio de Portugal e ficava guardada no gabinete do presidente da Câmara. Parceiros de cooperação e outras autarquias recebiam uma chave da cidade, num ato simbólico público, como forma de referenciar confiança no território.
Foto: DW/L. da Conceicao
Documentos oficiais
Todas a correspondência, detalhes dos registos de verbas, ofícios e outros documentos utilizados pelos colonialistas portugueses ao nível do distrito de Inhambane encontram-se bem conservados. Contêm muita informação, como por exemplo o pagamento dos impostos pelas comunidades, movimentos aduaneiros resultantes do uso do porto e boletins oficiais em campo de ação.
Foto: DW/L. da Conceicao
O registo da visita presidencial
O Presidente da República de Portugal o general Francisco Higino Cravino Lopes, (1894 - 1964) visitou a colónia distrital de Inhambane em 1956. Depois do seu regresso a Portugal aumentou a presença de cidadãos portugueses e o comércio clandestino de escravos principalmente nas rotas de navegação marítima.
Foto: DW/L. da Conceicao
Bombeiros
O número total de bombeiros que estiveram ao serviço português é incerto, mas está patente no museu um capacete do corpo de bombeiros com o símbolo da bandeira portuguesa. Os bombeiros prestavam serviços de socorro a vários campos, principalmente a classe burguesa que vivia dispersa com o objetivo de ocupar cada vez mais espaço.
Foto: DW/L. da Conceicao
A marca colonial também no desporto
Os campeonatos recreativos de futebol estavam divididos por categorias. A seleção do distrito de Inhambane na década de 1960 ganhou uma das taças ao nível regional sul. A "Taça Velosa” foi atribuída aos concorrentes. Em Moçambique vários clubes de futebol mantiveram os nomes de clubes portugueses, como por exemplo Sporting ou Benfica.
Foto: DW/L. da Conceicao
Imprensa de matriz colonial
Dois jornais marcaram o início da imprensa em Inhambane. Em 1914, Joaquim
Augusto de Gouveia Pinto fundava o primeiro boletim informativo que tinha publicações quinzenais, com mais de 250 copias. Chamava-se “O districto d’Inhambane”. Depois José Flores fundou o “A Alvorada”, semanário republicano e democrático. Exemplares dos jornais eram enviados para vários distritos e às vezes para Portugal.