Nomes atribuídos pela imprensa e pelo povo a políticos angolanos causam aproximação ou distanciamento? A DW África ouve analistas e cidadãos sobre impacto de alcunhas dadas a presidentes e líderes da oposição.
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O primeiro Presidente da República de Angola foi António Agostinho Neto, de 1975 a 1979. Durante a sua governação foi chamado de "Manguxi". O termo oriundo da língua nacional kimbundo corresponde ao Agostinho. O segundo Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, que governou o país de 1979 a 2017, foi chamado de Zédu ou Mano Duda, uma abreviatura dos seus dois nomes que resultou numa alcunha de carinho adotada pela família, imprensa e o povo angolano durante os 38 anos em que esteve no poder.
O dia 26 de setembro entrou para a história política de Angola. Foi neste dia em que João Lourenço tomou posse como Presidente da República de Angola substituindo "Mano Duda". Antes da campanha que culminou com as eleições gerais de 23 de agosto vencidas pelo MPLA com mais de 60% dos votos, a imprensa já lhe tinha apelidado de JLo. As iniciais do seu primeiro e último nomes.
Não são apenas os Chefes de Estado de Angola que têm nomes de carinho usados na imprensa ou chamados pela população, mas também líderes da oposição.
O Presidente da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), Isaías Samakuva, é chamado de Mano Samas. O fundador do maior partido da oposição angolana, Jonas Savimbi, ganhou a alcunha de Mano Jonas ou Mwata da Democracia. Já o presidente da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), Abel Chivukuvuku é chamado de Mano Abel ou Mano Chivas. Yembe era o nome atribuído ao líder fundador da Frente Nacional para Libertação de Angola (FNLA), Holdem Roberto.
Estes nomes são usados nas conversas do dia-a-dia nos vários segmentos da sociedade. Para o analista Calos Lopes, a criação destes nomes não têm uma importância política como tal, mas se "traduzem numa linguagem simpática".
"Os angolanos têm o hábito de abreviar nomes e criar alcunhas para as pessoas e, normalmente, traduzem uma linguagem simpática, carinhosa e, raramente, pejorativa. Não resulta daqui uma importância política para além daquela, que permite uma identificação rápida da pessoa de que se está a falar. Creio que os visados encaram isso como uma atitude de proximidade popular com eles", sublinha.
Alcunhas como marketing político
Os nomes criados pela imprensa angolana ou pela sociedade também são retomados por órgãos estrangeiros. O jornalista do jornal Nova Gazeta, André Mfumu Kivuandinga explicou à DW África os objetivos da atribuição de nomes abreviados aos políticos.
"Os nomes carinhosos dos líderes foram criados pela imprensa de maneira a facilitar a comunicação destes com os órgãos de comunicação social, assim como a identificação deles por parte da população. Os potenciais leitores acabam por se simpatizar com esses políticos, criando uma ideia de convivência mútua", explica.
As alcunhas podem, portanto, traduzir-se numa boa estratégia de marketing para os políticos. "No princípio não dão importância, mas depois de se aperceberem que é com base a estes nomes que ganham simpatia e muita popularidade, acabam por os aceitar, apesar de nunca os terem usado. Esta não-utilização dos nomes por parte de alguns políticos é decorrente da falta de uma verdadeira noção de marketing político, porque se dominassem este ramo, estariam a admitir", afirma.
Carlos Lopes partilha da mesma opinião: "Sem dúvida, os políticos por vezes utilizam esses nomes para estarem mais próximos do povo, ajudando a passar a sua mensagem". "Na minha opinião, a proximidade do povo com os políticos é notória pela empatia que se cria entre ambos designando-os por estes nomes de carinho", diz.
Nomes de carinho ou de distanciamento?
Os cidadãos entrevistados pela DW África mostraram-se divididos sobre se os nomes de carinho aproximam-lhes ou lhes distanciam dos governantes. Pascoal Manuel, residente em Luanda, afirma que se sente mais próximo dos governantes quando falam sobre os seus problemas. "Eu quero ver luz e água e não estas coisas", desabafa.
Uma outra cidadã sob anonimato afirma: "Eles só prometem e não cumprem. Eles não se metem no lugar do povo. Eles deviam dar voz ao povo que somos nós".
Maria Andrade, outra residente na capital angolana, admite: "Estes nomes nos aproximam porque são mais abreviados e são bons para serem usados quando nos dirigimos aos nossos governantes".
João Francisco, outro cidadão ouvido sobre o assunto, admite que, às vezes, chama os nomes de carinho aos governantes, mas sem grande importância. "Chamo de vez em quanto, mas isso não quer dizer nada", minimiza.
André Mfumu Kivuandinga diz que "as pessoas, ao pronunciar estes acrónimos, sentirão mais aproximação do que dizer os nomes próprios". Entretanto, ele também entende que "quando se fala sobre os problemas do povo, que são o acesso ao ensino, aos hospitais, à água e à energia eléctrica, o cidadão cria na sua mente uma atitude de aproximação sentindo que o politico que disse tais problemas tem também os vivido".
José Eduardo dos Santos: Percurso do "eterno" Presidente de Angola
José Eduardo dos Santos faleceu a 08.07.2022 numa clínica em Barcelona, onde estava internado há vários dias. O ex-Presidente, que se despediu da política angolana em setembro de 2018, governou o país de 1979 a 2017.
Foto: Paulo Novais/EPA/dpa/picture alliance
Engenheiro petroquímico
Em 1961, aos 19 anos, José Eduardo dos Santos junta-se ao MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, que luta contra o colonialismo português. Em 1963, é enviado com uma bolsa de estudos para a União Soviética, onde frequenta um curso de Engenharia Petroquímica em Baku, capital do atual Azerbaijão. Dos Santos também tem aulas de comunicação militar e regressa a Angola em 1970.
Foto: picture-alliance/dpa
Antecessor Agostinho Neto
Angola torna-se independente em 1975 e mergulha diretamente numa guerra civil entre os três movimentos de independência: MPLA, UNITA e FNLA. A capital Luanda é controlada pelo MPLA. O seu líder Agostinho Neto assume a Presidência do país e instala um regime monopartidário de inspiração marxista. Dos Santos assume vários ministérios, incluindo os Negócios Estrangeiros e Planeamento Nacional.
Foto: picture-alliance/dpa
Aliança com países comunistas
Depois da morte de Neto a 10 de setembro de 1979, em Moscovo, dos Santos é eleito a 20 de setembro pelo MPLA como novo Presidente. Consolida a aliança entre Angola e os países do bloco comunista como a União Soviética e a República Democrática da Alemanha (RDA). Em 1981, dos Santos visita a RDA e é recebido pelo secretário-geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha, Erich Honecker (à esq.).
Durante a visita à RDA em 1981, dos Santos passa pelo Muro de Berlim, na Porta de Brandemburgo, símbolo da "Guerra Fria" e da separação do mundo em dois blocos. Angola é um dos países onde o confronto entre os blocos comunistas e liberais se transforma numa "Guerra Quente". Os países comunistas querem evitar uma vitória da UNITA, apoiada pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América.
Foto: Bundesarchiv
Soldados cubanos
Em apoio militar ao Governo do MPLA, Cuba envia soldados a Angola. Os 40 mil soldados cubanos têm um papel decisivo para travar o avanço das tropas da UNITA e da África do Sul. Na foto: Soldados cubanos em Cuito Canavale no ano de 1988, uma das maiores batalhas da guerra civil. Três anos mais tarde, é assinado um primeiro acordo de paz na localidade de Bicesse, no Estoril, em Portugal.
Foto: picture-alliance/dpa
Mais guerra apesar de acordo de paz
As primeiras eleições de Angola tiveram lugar em 1992. O MPLA obteve maioria absoluta no Parlamento, mas dos Santos não conseguiu maioria absoluta na primeira volta das presidenciais. A UNITA e o seu candidato, Jonas Savimbi, não reconheceram os resultados por alegada fraude eleitoral. A segunda volta não teve lugar, pois a guerra recomeçou. Na foto: Soldados governamentais reconquistam Dondo.
Foto: picture-alliance / dpa
MPLA ganha terreno
Os EUA reconhecem o Governo do MPLA em 1993. O Ocidente perde o interesse na guerra civil em Angola após a queda do muro de Berlim. E, com o fim do apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, a UNITA perde outro aliado e fica cada vez mais isolada. O MPLA abandona a retórica comunista e torna-se capitalista, e as riquezas do petróleo fazem do partido um parceiro atrativo.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Opção militar prevalece
Em 1994, foi assinado outro acordo de paz em Lusaka, Zâmbia. Um ano mais tarde, dos Santos oferece o posto de vice-Presidente a Jonas Savimbi. Este recusa em 1997 e falha a formação de um Governo conjunto. A seguir, a guerra intensifica-se. Dos Santos aposta na opção militar e investe fortemente nas Forças Armadas. O núcleo duro do seu regime é formado por generais e pela Guarda Presidencial.
Foto: Getty Images/AFP/A. Jocard
Aliança com Kabila no Congo
Com a sua intervenção militar na segunda guerra do Congo a partir de 1998, Angola presta um apoio decisivo a Laurent-Désiré Kabila, Presidente da RDC (Rep. Democrática do Congo). Com a nova aliança, o MPLA consegue eliminar uma retaguarda da UNITA. Dos Santos estabelece Angola como uma das principais potências militares e políticas na África Austral. Também envia soldados para o Congo-Brazzaville.
Foto: picture alliance/AP Photo/P.Wojazer
Vitória total sobre Jonas Savimbi
Um embargo internacional de armas enfraquece a UNITA, cada vez mais isolada. Pouco a pouco, o exército do Governo conquista espaço. A 22 de fevereiro de 2002, mata o líder da UNITA, Jonas Savimbi. Nesse ano, as duas partes assinam mais um acordo de paz. Termina finalmente uma das guerras civis mais sangrentas, com cerca de um milhão de mortos e quatro milhões de deslocados e refugiados.
Foto: AP
Vestígios da guerra
Anos mais tarde, ainda são visíveis os danos da guerra, como nesta foto de 2009. O desenvolvimento do país ficou atrasado, estradas e caminhos-de-ferro tiveram de ser reabilitadas, campos desminados. No enclave de Cabinda, província nortenha rica em petróleo, continua outra guerra. Mas, até hoje, o movimento separatista FLEC não consegue ameaçar seriamente o poder do MPLA em Cabinda.
Foto: gemeinfrei
Eleições adiadas e canceladas
Originalmente previstas para 1997, as segundas eleições legislativas da história de Angola só tiveram lugar em 2008. O MPLA obteve 81,6% dos votos, a UNITA 10,4%. Houve queixas de um clima de intimidação durante a campanha e de desorganização do pleito. As eleições presidenciais, prometidas para 2009, nunca se realizaram. Mesmo assim, dos Santos continua no poder.
Foto: Reuters
Esperanças goradas da Alemanha
Em 2011, a chanceler alemã Angela Merkel (à esq.) visita Angola, dois anos após a visita de dos Santos a Berlim. Há empresários alemães com muito interesse em investir em Angola. Mas poucos investimentos chegam a ver a luz do dia, nos anos seguintes. Angola continua a ser um parceiro difícil para a Alemanha. Há poucas empresas alemãs dispostas a enfrentar o ambiente de negócios angolano.
Foto: dapd
Repressão contra opositores
A partir de 2011, eclode uma onda de manifestações inspirada na Primavera Árabe. Os protestos foram brutalmente abafados pela polícia, vários ativistas detidos e condenados por alegado golpe de Estado. Em 2013, a Guarda Presidencial mata dois opositores a tiro. Membros da seita adventista "A Luz do Mundo" também são brutalmente perseguidos. A polícia é ainda acusada de execuções extra-judiciais.
Foto: DW/N. Sul d´Angola
Finalmente eleito, mas apenas indiretamente
Em 2010, o Parlamento muda a Constituição e elimina as presidenciais. A eleição passa a ser indireta: É eleito como Presidente o líder da lista mais votada nas legislativas. O MPLA vence as eleições de 2012 com 71,9% dos votos. Após 32 anos no poder, dos Santos ganha pela primeira vez legitimidade eleitoral, embora apenas de forma indireta. Observadores criticam desvantagens da oposição.
Foto: picture-alliance/dpa
Homem de família
Para além dos militares, a família é outro núcleo do poder de José Eduardo dos Santos, que teve vários casamentos. A sua esposa atual é Ana Paula dos Santos (foto), antiga modelo, que conheceu quando ela trabalhava como hospedeira no avião presidencial angolano. Casaram-se em 1991 e tiveram quatro filhos. Nas eleições de 2017, Ana Paula dos Santos será candidata a deputada nacional pelo MPLA.
Foto: Reuters
Filha é a mulher mais rica de África
Mas é Isabel dos Santos, filha do primeiro casamento com Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xadrez que dos Santos conheceu em Baku, que tem maior protagonismo internacional. Através de uma licença de telecomunicações em Angola para a sua empresa Unitel, Isabel dos Santos construiu um império de negócios com atividades em Portugal e noutros países. É considerada a mulher mais rica de África.
Foto: picture-alliance/dpa
Filho administra fundo soberano
Em 2013, a nomeação de José Filomeno dos Santos, filho da segunda mulher de José Eduardo dos Santos, para liderar o Fundo Soberano de Angola gerou controvérsia. O fundo administra parte da riqueza petrolífera do país. O pai tem o apelido popular de "Zedú", o filho de "Zenú". A mãe de "Zenú", Filomena de Sousa, foi funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quando dos Santos foi ministro.
Foto: Grayling
Luxo e riqueza do petróleo
Nos últimos anos, milhares de milhões de dólares entraram nos cofres de Angola, um dos maiores produtores de petróleo de África. A Avenida Marginal de Luanda é símbolo da nova riqueza. Mas muito dinheiro desapareceu das contas do Estado, acusam organizações não-governamentais como a Human Rights Watch. O Fundo Monetário Internacional também pediu mais transparência.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Parceria com a China
A China é o novo parceiro de eleição de José Eduardo dos Santos. O país torna-se no maior comprador do petróleo de Angola e concede vários créditos para financiar grandes projetos. Ao contrário do FMI e de outros parceiros, a China não exige transparência, nem reclama dos direitos humanos. Nascem novos bairros em Luanda como Kilamba Kiaxi (foto), financiada e construída por empresas chinesas.
Foto: cc by sa Santa Martha
Pobreza continua apesar da riqueza
Apesar das receitas milionárias do petróleo, Angola continua a ter graves problemas de pobreza. Mesmo na capital Luanda, há bairros sem saneamento como o de Kinanga (foto). Muitos serviços de saúde continuam fora do alcance dos mais pobres: Angola tem das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo. O sistema de educação também é considerado inadequado para um país com tantos recursos naturais.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Homem discreto
José Eduardo dos Santos foi conhecido como um homem discreto. Entrevistas com ele são raríssimas. Não costumava dar conferências de imprensa e faz poucos discursos públicos. Nos últimos anos, esteve regularmente fora do país para longos tratamentos médicos em Barcelona, Espanha. Em África, os seus 38 anos no poder como chefe de Estado só foram superados por Teodoro Obiang da Guiné-Equatorial.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Sucessor como Presidente: João Lourenço
Depois de José Eduardo dos Santos anunciar que não seria candidato às eleições de 2017, o MPLA nomeou o ex-ministro da Defesa, João Lourenço, como candidato à sucessão. O MPLA ganhou as eleições de 23 de agosto e Lourenço é o novo Presidente de Angola. Mas dos Santos permaneceu por cerca de mais um ano na direção do partido e, deste modo, manteve uma considerável influência na política angolana.
Foto: Getty Images/AFP
Um ano mais tarde: sucessão no MPLA
Mesmo com José Eduardo dos Santos na chefia do MPLA, vários familiares seus perderam postos importantes: a filha Isabel foi exonerada como presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol e o filho Zenú deixou de chefiar o Fundo Soberano. A 8 de setembro, no congresso do partido, o seu sucessor na Presidência, João Lourenço (foto), assumiu a chefia do partido.
Foto: DW/Cristiane Vieira Teixeira
Tratamento em Espanha
Em 2019, José Eduardo dos Santos muda-se para Barcelona, em Espanha, para realizar com maior facilidade tratamentos numa das melhores unidades hospitalares europeias na valência de oncologia, que já tratava o ex-PR angolano há cerca de oito anos.
Foto: picture alliance/dpa
A morte do "eterno" líder angolano
Em 8 de julho de 2022, a Presidência angolana confirma a morte do ex-Presidente "após prolongada doença". Antes de falecer aos 79 anos, José Eduardo dos Santos passou duas semanas internado numa unidade de tratamento intensivo da clínica onde recebia tratamento médico em Espanha.