Zambézia: Gabinete pouco eficiente na recuperação de fundos
Marcelino Mueia
31 de maio de 2022
Num semestre, o Gabinete de Combate à Corrupção da Zambézia recuperou apenas 2% dos ativos a favor de Estado - cerca de 300 euros. Analistas em Moçambique consideram que as autoridades deveriam apertar mais o cerco.
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A província moçambicana da Zambézia perde anualmente mais de um milhão de meticais, o equivalente a 15 mil euros, em esquemas de fraude associados à corrupção, segundo fonte da procuradoria provincial.
No entanto, desde o ano passado, a província só recuperou 20 mil meticais, cerca de 300 euros, resultantes de atos ilícitos, apesar do número de processos nas mãos do Gabinete de Combate à Corrupção - criado em novembro - registrarem nos últimos três meses cerca de mais de 60 casos de corrupção envolvendo funcionários públicos na província.
Segundo o porta-voz do Gabinete de Combate à Corrupção da Zambézia, Edson Henriques, a fraca recuperação de ativos está relacionada com as complexidades dos processos desde a investigação até à fase de produção de provas na acusação.
"Nalguns processos são referenciados diretores distritais e comandantes dos postos policiais. Do ponto de vista de recuperação de ativos, o Estado só conseguiu recuperar 20 mil meticais, mas há processos que se referenciam a valores. Provavelmente durante este semestre o Estado é capaz de recuperar mais algum dinheiro, a componente de recuperação de ativos é uma componente muito complexa", considera Edson Henriques.
2022: O que esperar da luta contra a corrupção?
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Uma opinião partilhada pelo jurista Simões Dauce diz que "a Lei de recuperação de ativos é a lei 13/2020 de 23 de dezembro é uma lei nova". "Depois da publicação da própria lei, não é o Ministério Público que apreende esse valor, há um gabinete próprio. Há razão de recuperar poucos [recursos], é um processo grande e tem que haver certeza que esse bem provém de um processo ilícito", diz Simões Dauce.
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Cidadãos mais espertos que o Estado
Aprovada com o consenso de todos os partidos, em novembro de 2020, a lei de recuperação de ativos era vista como um instrumento para desencorajar a corrupção no país. No entanto, na opinião do analista político Ricardo Raboco, os cidadãos tornaram-se mais espertos que o próprio Estado.
"O quadro legal de Moçambique é mais reativo do que proativo. [Recuperar apenas] 20 mil meticais é um insulto, mas também as pessoas são espertas, as pessoas compram carro e depois registam em nome de filhos ou de outras pessoas. Como vai dizer que o carro foi confiscado para reverter a favor do Estado? Fica complicado", questiona Ricardo Raboco.
Recentemente, o Gabinete Provincial de Combate à Corrupção da Zambézia anunciou que muitos dos casos registados este ano envolvem funcionários da autoridade tributária, do setor da educação, saúde e elementos da Polícia da República de Moçambique.
Para o historiador Bruno Mendiate, as autoridades deveriam apertar mais o cerco. "Vamos encontrar questões de grande corrupção em grande escala na autoridade tributária. Esses indivíduos têm salários altos, mas são eles que estão envolvidos em grandes esquemas de corrupção. Quem tem grandes casas, carros e máquinas no seio dos funcionários públicos há-de encontrar que são alfandegas. De onde é que vem aquilo? É tudo uma farsa!", afirma Bruno Mendiate.
As autoridades da Zambézia tencionam intensificar as campanhas anticorrupção na província, desde as escolas primárias às instituições técnicas de ensino.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.