Zimbabué: Clube de Criativos como forma de fugir à crise
Jan-Philippe Schlüter
7 de fevereiro de 2017
O Zimbabué vive uma forte crise económica, mas há quem resista e procure alternativas. Em Harare, há um pequeno reduto de esperança - um clube de criativos. A ideia é trabalhar e sonhar por um futuro melhor.
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Nos últimos anos, milhões de zimbabueanos abandonaram o país à procura de uma vida melhor. A economia está de rastos e quase não há trabalho, num país entregue a um ditador nonagenário e a uma elite corrupta.
Mas neste quadro ainda há esperança. Um clube dos criativos apresenta-se como uma alternativa.
O ponto de encontro é no bairro rico Avenues, onde, por altura do mercado mensal, jovens estilistas e joalheiros vendem os seus produtos artesanais. O terreno é propriedade da Moto Republic, um dos primeiros centros de criatividade de Harare.
"Quisemos criar um espaço de encontro de jovens criativos, para trabalharmos e sonharmos juntos um futuro melhor para o Zimbabué. Sem que os problemas económicos e políticos atuais nos sejam um empecilho", afirma Farai Monro, co-fundador do clube.
Uma realidade que contrasta com o dia-a-dia da população. Na cidade há longas filas diante dos bancos e das caixas automáticas. E o discurso mais comum é de desânimo. "É duro", "temos que lutar para sobreviver", e "esperemos que a situação melhore", são respostas comuns entre a população sobre a atual situação.
Uma semente de ideiasNo centro de criatividade Moto Republic, estilistas, jornalistas, bloggers e ativistas pagam o equivalente entre 15 e 100 dólares para pertencer ao clube. Aí podem trabalhar, beber um café, ter acesso a internet rápida ou participar em seminários sobre criatividade. Mas o centro é também uma forma de estabelecer contatos.
Os produtos mais famosos são "The Week" (A Semana) e "Zambezi News" (Notícias do Zambeze). Trata-se de videoclips satíricos distribuídos sobretudo pelas plataformas sociais e muito populares entre os jovens do país. Costumam ter uma média de 50 mil visualizações. Farai Monro, ou Camarada Fazo, é a cara desta sátira política.
Mais do um espaço coletivo chique, o Moto Republic, defende o jornalista Kundai, pode vir a tornar-se uma semente de ideia e projetos: "Precisamos de mais espaços como estes que nos dão a esperança que as coisas vão melhorar. Estamos convencidos que muitas das ideias que farão avançar o país virão do setor criativo."
Polícia atenta às atividades do grupo
No centro de criatividade também estão os organizadores do chamado movimento hashtag, ou seja, movimentos de protesto organizados em redes sociais, como o Facebook, o Whatsapp ou o Twitter. As manifestações costumam ser reprimidas com violência pela polícia. O grupo sente que está também a ser vigiado pelas autoridades.
"A polícia secreta está no nosso encalço, a polícia regular também, porque o nosso trabalho é igualmente político. Às vezes ameaçam prender-nos, alegadamente porque queremos derrubar o Governo”, nota o co-fundador do grupo.
Segundo Farai Monro tem sido frequente o contato com as autoridades. "Nos últimos meses travámos conhecimento íntimo com os diversos órgãos de segurança. O número de autoridades policiais nos nosso país é surpreendente," confessa Monro.
Detenção de clérigo
No início de Fevereiro, ao regressar ao país, Evan Mawarire, o clérigo do Zimbabué que fugiu para os Estados Unidos depois de lançar o popular movimento de protesto #ThisFlag, foi detido.
Mawarire foi acusado oficialmente de incitação à violência e de querer derrubar o Governo.
No ano passado, Mawarire instou os zimbabueanos, através das redes sociais, a protestarem contra o Governo do Presidente de longa data Robert Mugabe, que este mês completa 93 anos e é atualmente o mais velho chefe de Estado do mundo em exercício.
Protestos no Zimbabué podem trazer mudanças?
Há cada vez mais zimbabueanos a protestar nas redes sociais e a ir para as ruas. Conhecido em tempos como o celeiro de África, o país enfrenta agora graves problemas económicos. Os manifestantes pedem uma nova liderança.
Foto: Getty Images/AFP/Z. Auntony
Contra a fome
Centenas de mulheres saíram às ruas de Bulawayo, a segunda maior cidade do Zimbabué, a 16 de julho. Levavam na mão tachos e panelas em que batiam com colheres de pau para denunciar as dificuldades económicas e fome no país. "Estamos a aquecer ainda mais a panela que já está a ferver. Vamos aquecer a panela até que Mugabe saia", cantavam as mulheres da campanha #BeatThePot (#BateOTacho).
Foto: Getty Images/AFP/Z. Auntony
O pastor e a bandeira
Em abril de 2016, o pastor Evan Mawarire lançou a campanha #ThisFlag (#EstaBandeira) nas redes sociais, exigindo ao Presidente Robert Mugabe que agisse contra a corrupção no Governo. Mawarire convocou para 6 de julho uma paralisação nacional contra as dificuldades económicas - a maioria dos zimbabueanos ficou em casa; na capital, a maior parte das empresas e os bancos estrangeiros não abriram.
Foto: picture-alliance/AP Photo/T.Mukwazhi
Protestos dos taxistas
A 4 de julho, taxistas e condutores de transportes semi-coletivos de passageiros protestaram contra os abusos da polícia. Muitos jovens não conseguem encontrar emprego e, por isso, ganham a vida a transportar passageiros. Mas os motoristas queixam-se dos vários bloqueios policiais na estrada, que, segundo eles, servem para os agentes extorquirem dinheiro a quem por ali passa.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
"Mugabe tem de sair"
Sobe a pressão para o Presidente Mugabe abandonar o cargo, devido à grave crise económica que o país atravessa. Há cada vez mais zimbabueanos descontentes com a alta taxa de desemprego, a corrupção no Governo e a falta de dinheiro, que faz com que as pessoas tenham de esperar horas a fio nos bancos para fazer um levantamento - e só podem levantar 50 dólares por dia (45 euros) na caixa automática.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
Mugabe não quer sair
Robert Mugabe tem mandado as forças de segurança abafar as vozes críticas desde que está no poder, há 36 anos. E continua a não querer deixar a Presidência, apesar de aumentarem os pedidos para que se demita face à crise económica. Mugabe mantém tensas relações com o Ocidente, e os seus aliados asiáticos, como a China e Singapura, não estão dispostos a oferecer a ajuda que o país necessita.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ufumeli
Uma economia estilhaçada
Os cofres do Zimbabué estão virtualmente vazios. Os preços dos produtos aumentaram com a seca no país e a economia ficou ainda mais fragilizada. Do Ocidente chega pouca ajuda, depois das sanções à liderança política do país devido a fraude eleitoral e violações dos direitos humanos.
Foto: AFP/Getty Images
Instituições financeiras relutantes
O Zimbabué não consegue obter nenhum empréstimo no estrangeiro e tenta devolver os 1,8 mil milhões de dólares em atraso ao Fundo Monetário Internacional, Banco Africano de Desenvolvimento e Banco Mundial, para conseguir desbloquear novos financiamentos. Para isso, o Executivo de Mugabe terá de resolver os problemas relacionados com a governação e transparência e levar a cabo reformas económicas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Lo Scalzo
Sem fim à vista
Hoje em dia, o Zimbabué já não é o celeiro de África, como foi considerado em tempos. A seca prolongou-se e as colheitas foram más. Agora, são esperados novos protestos. Na última campanha eleitoral, Mugabe prometeu dois milhões de empregos aos jovens licenciados. A promessa continua por cumprir.