Funeral de Estado do ex-Presidente do Zimbabué, que morreu a 6 de setembro, decorreu no Estádio Nacional de Harare. Cerimónia contou com a presença de 11 líderes africanos.
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O caixão com os restos mortais de Mugabe chegou ao Estádio Nacional de Harare coberto por uma bandeira do Zimbábue e rodeado de militares de alta patente e parentes mais próximos, entre eles a viúva, Grace. Caminharam por um tapete vermelho até à estrutura montada no centro do estádio, onde foram feitos os discursos de homenagem.
Vários cortejos militares e civis desfilaram pelo estádio, o maior do país, com capacidade para 60 mil pessoas, entre os cânticos de milhares de cidadãos que assistiram ao funeral das bancadas. Apesar das lacunas nas bancadas terem sido visíveis - um sinal das dificuldades económicas e da escassez de combustível que muitos enfrentam neste país - os milhares de participantes cantaram, aplaudiram e assobiaram durante o ato.
"Hoje, pomos de lado as nossas diferenças e unimo-nos para recordar o passado e olhar para o futuro como uma nação orgulhosa, independente e livre", escreveu o Presidente Emmerson Mnangagwa na rede social Twitter.
"Tombou uma árvore gigante de África", disse o Presidente Emmerson Mnangagwa, que substituiu Mugabe em 2017 no discurso de abertura das cerimónias.
O histórico líder do Zimbabué, que governou o país com mão de ferro desde a independência e até ao golpe de Estado de 2017, morreu aos 95 anos a 6 de setembro em Singapura, onde estava hospitalizado desde abril.
Apesar de ter sido destituído do poder pelo Exército em 2017, Mugabe foi declarado Herói Nacional pelo seu ex-partido ZANU-PF, no mesmo dia da sua morte, e todos os oficiais seniores e da oposição estiveram presentes neste último adeus.
"Hoje o Zimbabué lamenta a morte de um grande filho da Terra, um visionário e defensor do nosso empoderamento", disse Mnangagwa, que trabalhou lado a lado com Mugabe desde os anos 1960 e que considera ter sido a pessoa que o "ensinou".
Os restos mortais foram transferidos na quarta-feira para Harare e, após vários dias de discussões entre a família e as autoridades, serão enterrados apenas em outubro, após a construção de um novo mausoléu no Acre dos Heróis Nacionais, um cemitério nos arredores da capital exclusivo para grandes nomes do país. Este domingo, o corpo seguirá para a terra natal de Mugabe, Zvimba, para as cerimónias fúnebres tradicionais.
Líderes africanos prestam homenagem
Além do atual Presidente do Zimbabué, participam na cerimónia 11 chefes de Estado africanos, entre eles os presidentes de África do Sul, Cyril Ramaphosa, do Quénia, Uhuru Kenyatta, e da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, além de ex-líderes, diplomatas e altos cargos de todo o mundo.
Kenyatta descreveu Mugabe como "um grande ícone da libertação africana" e "um líder visionário e lutador incansácel pela dignidade africana".
Já a intervenção de Cyril Ramaphosa ficou marcada por vaias e assobios que obrigaram o Presidente sul-africano a interromper o seu discurso para pedir desculpa pela situação no seu país. A África do Sul está a braços com uma nova onda de violência xenófoba que já levou à morte de 12 pessoas e obrigou centenas de imigrantes a regressar ao seu país de origem.
"Estou aqui como africano a expressar o meu pesar e pedir desculpa pelo que aconteceu no nosso país", disse Ramaphosa, enquanto um dos organizadores do evento tentava acalmar a multidão.
Enterro envolto em controvérsia
O corpo de Mugabe será sepultado no Acre dos Heróis Nacionais dentro de 30 dias, após a construção de um novo mausoléu. Na sexta-feira (13.09), a família anunciou que aceitou que o ex-chefe de Estado seja sepultado no monumento dedicado aos "heróis da nação" em Harare, após vários dias de tensão entre as autoridades e a família, que preferiam que este fosse sepultado na sua aldeia natal.
Na quinta-feira, o familiares do antigo chefe de Estado tinham dito que Robert Mugabe seria enterrado no início da próxima semana na sua cidade, Zvimba, e não no monumento dedicado "aos heróis da nação", alegando que foi essa a vontade manifestada pelo ex-Presidente.
Robert Mugabe foi deposto em novembro de 2017 pelos militares do Zimbabué e pelo seu ex-aliado Emmerson Mnangagwa. Grace Mugabe e outros membros da família ainda têm ressentimentos relativamente a este facto, razão que aparentemente esteve na base da recusa inicial dos planos para a realização de um enterro de Estado para Robert Mugabe.
Logo após a morte de Robert Mugabe, o sobrinho e porta-voz Leo Mugabe disse que o ex-homem forte morreu como "um homem muito amargurado", porque se sentiu traído por Mnangagwa e pelos generais do exército, que eram seus aliados durante quase quatro décadas e até o colocarem em prisão domiciliária e o forçaram a renunciar ao cargo de Presidente do Zimbabué.
Foi o próprio ex-Presidente quem supervisionou a construção do Acre dos Heróis, onde será sepultado, um monumento executado pela Coreia do Norte, no topo de uma colina, exibindo uma grandiosa escultura imponente de guerrilheiros.
De herói a vilão: a vida de Robert Mugabe
Depois de 37 anos no poder, chega ao fim a governação do humilde camponês que se tornou, aos olhos de muitos, um ditador. Robert Mugabe renunciou à Presidência do Zimbabué.
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Origens humildes
Nascido, em Harare, no seio de uma família humilde – o seu pai era carpinteiro e a sua mãe professora – Robert Gabriel Mugabe foi educado numa escola jesuíta até se tornar professor primário. Entre os anos de 1942 e 1960, exerceu na antiga Rodésia, Zâmbia e no Gana. Estudou Inglês, História, Educação e tirou uma licenciatura em Economia, na Universidade de Londres.
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Uma década detido
Aos 36 anos, Mugabe dá inicio à sua luta política focada na independência da Rodésia do Sul do Reino Unido. Funda a União Nacional Africana do Zimbabué – Frente Patriótica (ZANU-PF) em 1963 e, um ano depois, é preso. Em 1974, altura em foi libertado, Mugabe vai para Moçambique, onde liderou uma guerrilha contra o Governo de minoria branca de Ian Smith. Em 1979, Mugabe voltou ao seu país.
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Mugabe torna-se primeiro-ministro
Em 1980, Robert Mugabe é eleito primeiro-ministro da ex-Rodésia do Sul. Em abril deste ano, é declarada a independência do país que passa a chamar-se “Zimbabué”. Na altura, Mugabe afirmou: "O facto de os brancos nos terem oprimido no passado quando detinham o poder jamais poderá justificar que, hoje, os negros os oprimam só porque agora detêm o poder".
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Povo esperançoso
A subida de Mugabe ao poder trouxe a esperança. O líder do ZANU-PF prometeu melhorias na vida dos cidadãos. Começou por introduzir o ensino primário gratuito, assim como o acesso a assistência médica básica para os mais desfavorecidos, ainda que estas medidas apenas tenham chegado a uma parte da população. Mugabe foi mesmo comparado a Nelson Mandela.
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Chegam os massacres
Dois anos mais tarde, em 1982, Mugabe rompe a coligação do seu partido (ZANU-PF) com a União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU) de Joshua Nkomo. Nesta disputa pelo poder, Nkomo teve o apoio das etnias Ndebele. É nesta altura que tem lugar um dos piores massacres que o país tem memória. As forças armadas leais a Mugabe cometeram atrocidades, matando cerca de 20.000 civis.
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Mugabe a Presidente
Em 1987, Mugabe torna-se Presidente do Zimbabué. Já aqui se falava na deterioração do seu estado de saúde. No entanto, o sexagenário deixava claro que a reforma não estava para breve: “O partido irá encontrar um sucessor. Eu vim do povo. O povo na sua sabedoria irá selecionar alguém, assim que eu diga que me vou aposentar. Mas ainda não é altura. Nesta idade ainda posso seguir em frente”, disse.
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Um homem, várias perspetivas
Em 1994, enquanto milhares de cidadãos do Zimbabué continuavam dependentes de ajuda humanitária, não tendo acesso aos cuidados básicos, o presidente era distinguido pela Coroa britânica, em Londres. No Zimbabué, os primeiros protestos deixavam perceber que no país não havia motivo de orgulho no Presidente. No final dos mesmos anos 90, as manifestações contra o poder começaram a intensificar-se.
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A trágica reforma agrária
Em resposta ao descontentamento social, Mugabe lança a reforma agrária no início de 2000, uma medida que levou à nacionalização forçada das propriedades agrícolas que pertenciam à população branca para serem redistribuidas pelos negros. No entanto, os mais beneficiados foram a família de Mugabe e a elite partidária do ZANU-PF que ficaram com várias explorações. A produção agrícola caiu muito.
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"Deixem-me ser Hitler vezes dez"
Até aqui, Mugabe já tinha ganho as eleições de 1984, 1990 e 1996. A cada nova eleição sucediam-se as acusações de fraude, o que fez com que, em 2002, os Estados Unidos e a União Europeia aplicassem sanções ao país. Aos que o apelidavam de ditador, disse: "Sou o Hitler da nossa época. O Hitler que tem por objetivo a justiça para o povo. Se isso é ser um Hitler, deixem-me ser Hitler vezes dez".
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"Fatídico" 2008
Em 2008, Mugabe perdeu mesmo a maioria no Parlamento, tendo o Movimento para a Mudança Democrática (MDM) de Morgan Tsvangiari conseguido um maior número de lugares. As eleições ficaram marcadas pelo elevado número de mortes em consequência de confrontos. O ano de 2008 ficou ainda marcado pela inflação, que atingiu valores recorde, e pela epidemia de cólera que matou milhares de zimbabueanos.
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Aniversários excêntricos
Do percurso do vilão não se esquecem também as famosas festas de aniversário. Enquanto grande parte do seu povo vivia na miséria, Mugabe exibia a sua excentricidade. No seu 93º aniversário, comemorado este ano, estima-se que Mugabe tenha gasto cerca de 1,9 milhões de euros numa festa que contou com cem mil convidados. Na mesma altura, cinco milhões de zimbabueanos dependem de ajuda internacional.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
Grace, a não sucessora
Em 2015, começa a falar-se da possibilidade da primeira-dama, Grace - segunda mulher de Mugabe, 40 anos mais nova, e que já mantinha um caso com o Presidente enquanto era sua secretária - poder ser a sua sucessora. O que intensificou os conflitos dentro do ZANU-PF. Emmerson Mnangagwa, o vice de Mugabe, foi humilhado e demitido de funções e fugiu do país após um braço-de-ferro com Grace Mugabe.
Foto: Reuters/Philimon Bulawayo
15 de novembro de 2017 - o início do fim
Na festa dos seus 93 anos, em fevereiro, Mugabe nem sonhava o que 2017 tinha reservado para si. Em outubro, foi eleito embaixador da boa vontade da Organização Mundial da Saúde, mas uma chuva de críticas internacionais fez com que a nomeação fosse retirada. Cerca de um mês depois, militares próximos de Mnangagwa protagonizavam um aparente golpe de Estado que culminou com a detenção do Presidente.
Foto: Reuters/Zimpapers/J. Nyadzayo
Adeus Mugabe
A 19 de novembro esperava-se que Mugabe anunciasse a sua demissão depois de ter sido deposto da liderança do seu partido. Mas, num discurso à nação, rejeitou que a intervenção militar no país tenha sido "um desafio" à sua "autoridade como chefe de Estado". Dois dias mais tarde, foi anunciada a sua renúncia, ao mesmo tempo que o Parlamento debatia uma moção de censura contra o agora ex-governante.