Analistas dizem que Executivo de Emmerson Mnangagwa, que deve tomar posse esta segunda-feira (04.12), mantém "características" do tempo de Robert Mugabe. Já os membros da ZANU-PF apoiam as escolhas do Presidente.
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Os novos membros do Executivo do Zimbabué devem tomar posse esta segunda-feira (04.12). No entanto, o novo Presidente Emmerson Mnangagwa, tem vindo a ser sucessivamente criticado desde o anúncio, na semana passada, do seu novo gabinete. Mnangagwa atribuiu cargos a figuras ligadas às forças armadas e aos veteranos da União Nacional Africana do Zimbabué - Frente Patriótica (ZANU-PF), deixando de fora a oposição. Os críticos dizem que o novo Presidente, ao contrário do que prometeu, não está a formar um Governo "inclusivo”.
Na lista dos 22 membros nomeados por Emmerson Mnangagwa está o general Sibusiso Moyo, que a 15 de novembro anunciou a intervenção militar na televisão estatal. O general será o próximo ministro dos Negócios Estrangeiros do Zimbabué.
Outro nome polémico é o do comandante da Força Aérea, Perrance Shiri, que assumirá a pasta do Território. Perrance Shiri liderou, na década de 1980, uma unidade militar que terá alegadamente participado no massacre de Matabeleland, que resultou na morte de 20 mil pessoas.
"Nada de novo"
Para Lovemore Madhuku, analista e apoiante da oposição, as nomeações do Presidente Mnangagwa mantêm as características do Governo anterior. "A única mudança é que Robert Mugabe já não é o Presidente em pessoa. Mas o Governo permanece com as suas características. O Governo ZANU-PF recompensa as pessoas que são leais, dando-lhes cargos públicos", assevera.
Ao tomar posse como Presidente da República a 24 de novembro, após a renúncia de Robert Mugabe, que ficou 37 anos no poder, Emmerson Mnangagwa disse que o país vive o auge de uma nova democracia. No entanto, na opinião de Thoko Matshe, analista política, o novo gabinete do Executivo não reflete o discurso do Presidente. Para a também ativista dos direitos humanos, o novo Governo, no qual foi depositada "tanta expetativa”, não tem estado a trazer "nada de novo”. "São velhos conhecidos sendo reciclados. É uma deceção também na medida em que quase não há mulheres, jovens ou nomes novos”, constata.
04.12.17 - neu Atualidade Gabinete Zimbabué - MP3-Mono
Terry Mutsvanga foi um dos milhares de cidadãos que comemorou a renúncia do ex-Presidente Robert Mugabe. Agora, depois de conhecidas as nomeações para o novo Executivo, diz-se desapontado. "Não há nada de novo neste gabinete. Não aumenta a nossa confiança. Não há nenhum jovem. Imagine que o ministro da juventude é alguém de quase 70 anos", frisa um zimbabuano, acrescentando que não há razões para comemorar. "Se quisermos encontrar a democracia neste país, ainda temos um longo caminho a percorrer", conclui.
Membros do ZANU-PF satisfeitos
No entanto, o descontentamento não é geral. Os membros do partido no poder aprovam as nomeações para o novo gabinete. Shepherd Takawand, membro da juventude da ZANU-PF, é um dos que "confia" e "aprova" as ideias do Presidente. A seu ver, Emmerson Mnangagwa "tem uma razão para nomear este gabinete". "Mesmo que ele nomeie um macaco, eu aprovo este macaco. Ele viu algo positivo neste macaco, que eu sei que trará resultados", explica.
Este fim de semana, o Presidente voltou atrás na nomeação de alguns dos seus ministros. Lazarus Dokora, a primeira escolha para a pasta da Educação, deixou o Governo após uma onda de críticas que o acusava de precarizar o sistema nacional de educação em anos anteriores. O seu substituto será Paul Mavima.
O chefe de Estado substituiu também o professor Clever Nyathi pela deputada do partido no poder Petronella Kagonye no Ministério do Trabalho e Segurança Social. O primeiro será conselheiro especial da Presidência para a segurança nacional e reconciliação.
Também Christopher Mutsvangwa, ex-militar e líder da Associação Nacional de Veteranos da Guerra de Libertação do Zimbabué, deixa o Ministério da Informação para ser conselheiro especial do Presidente.
Segundo um comunicado do Governo, as mudanças foram feitas para "garantir o cumprimento da Constituição e atender considerações de género".
De herói a vilão: a vida de Robert Mugabe
Depois de 37 anos no poder, chega ao fim a governação do humilde camponês que se tornou, aos olhos de muitos, um ditador. Robert Mugabe renunciou à Presidência do Zimbabué.
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Origens humildes
Nascido, em Harare, no seio de uma família humilde – o seu pai era carpinteiro e a sua mãe professora – Robert Gabriel Mugabe foi educado numa escola jesuíta até se tornar professor primário. Entre os anos de 1942 e 1960, exerceu na antiga Rodésia, Zâmbia e no Gana. Estudou Inglês, História, Educação e tirou uma licenciatura em Economia, na Universidade de Londres.
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Uma década detido
Aos 36 anos, Mugabe dá inicio à sua luta política focada na independência da Rodésia do Sul do Reino Unido. Funda a União Nacional Africana do Zimbabué – Frente Patriótica (ZANU-PF) em 1963 e, um ano depois, é preso. Em 1974, altura em foi libertado, Mugabe vai para Moçambique, onde liderou uma guerrilha contra o Governo de minoria branca de Ian Smith. Em 1979, Mugabe voltou ao seu país.
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Mugabe torna-se primeiro-ministro
Em 1980, Robert Mugabe é eleito primeiro-ministro da ex-Rodésia do Sul. Em abril deste ano, é declarada a independência do país que passa a chamar-se “Zimbabué”. Na altura, Mugabe afirmou: "O facto de os brancos nos terem oprimido no passado quando detinham o poder jamais poderá justificar que, hoje, os negros os oprimam só porque agora detêm o poder".
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Povo esperançoso
A subida de Mugabe ao poder trouxe a esperança. O líder do ZANU-PF prometeu melhorias na vida dos cidadãos. Começou por introduzir o ensino primário gratuito, assim como o acesso a assistência médica básica para os mais desfavorecidos, ainda que estas medidas apenas tenham chegado a uma parte da população. Mugabe foi mesmo comparado a Nelson Mandela.
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Chegam os massacres
Dois anos mais tarde, em 1982, Mugabe rompe a coligação do seu partido (ZANU-PF) com a União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU) de Joshua Nkomo. Nesta disputa pelo poder, Nkomo teve o apoio das etnias Ndebele. É nesta altura que tem lugar um dos piores massacres que o país tem memória. As forças armadas leais a Mugabe cometeram atrocidades, matando cerca de 20.000 civis.
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Mugabe a Presidente
Em 1987, Mugabe torna-se Presidente do Zimbabué. Já aqui se falava na deterioração do seu estado de saúde. No entanto, o sexagenário deixava claro que a reforma não estava para breve: “O partido irá encontrar um sucessor. Eu vim do povo. O povo na sua sabedoria irá selecionar alguém, assim que eu diga que me vou aposentar. Mas ainda não é altura. Nesta idade ainda posso seguir em frente”, disse.
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Um homem, várias perspetivas
Em 1994, enquanto milhares de cidadãos do Zimbabué continuavam dependentes de ajuda humanitária, não tendo acesso aos cuidados básicos, o presidente era distinguido pela Coroa britânica, em Londres. No Zimbabué, os primeiros protestos deixavam perceber que no país não havia motivo de orgulho no Presidente. No final dos mesmos anos 90, as manifestações contra o poder começaram a intensificar-se.
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A trágica reforma agrária
Em resposta ao descontentamento social, Mugabe lança a reforma agrária no início de 2000, uma medida que levou à nacionalização forçada das propriedades agrícolas que pertenciam à população branca para serem redistribuidas pelos negros. No entanto, os mais beneficiados foram a família de Mugabe e a elite partidária do ZANU-PF que ficaram com várias explorações. A produção agrícola caiu muito.
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"Deixem-me ser Hitler vezes dez"
Até aqui, Mugabe já tinha ganho as eleições de 1984, 1990 e 1996. A cada nova eleição sucediam-se as acusações de fraude, o que fez com que, em 2002, os Estados Unidos e a União Europeia aplicassem sanções ao país. Aos que o apelidavam de ditador, disse: "Sou o Hitler da nossa época. O Hitler que tem por objetivo a justiça para o povo. Se isso é ser um Hitler, deixem-me ser Hitler vezes dez".
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"Fatídico" 2008
Em 2008, Mugabe perdeu mesmo a maioria no Parlamento, tendo o Movimento para a Mudança Democrática (MDM) de Morgan Tsvangiari conseguido um maior número de lugares. As eleições ficaram marcadas pelo elevado número de mortes em consequência de confrontos. O ano de 2008 ficou ainda marcado pela inflação, que atingiu valores recorde, e pela epidemia de cólera que matou milhares de zimbabueanos.
Foto: dpa
Aniversários excêntricos
Do percurso do vilão não se esquecem também as famosas festas de aniversário. Enquanto grande parte do seu povo vivia na miséria, Mugabe exibia a sua excentricidade. No seu 93º aniversário, comemorado este ano, estima-se que Mugabe tenha gasto cerca de 1,9 milhões de euros numa festa que contou com cem mil convidados. Na mesma altura, cinco milhões de zimbabueanos dependem de ajuda internacional.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
Grace, a não sucessora
Em 2015, começa a falar-se da possibilidade da primeira-dama, Grace - segunda mulher de Mugabe, 40 anos mais nova, e que já mantinha um caso com o Presidente enquanto era sua secretária - poder ser a sua sucessora. O que intensificou os conflitos dentro do ZANU-PF. Emmerson Mnangagwa, o vice de Mugabe, foi humilhado e demitido de funções e fugiu do país após um braço-de-ferro com Grace Mugabe.
Foto: Reuters/Philimon Bulawayo
15 de novembro de 2017 - o início do fim
Na festa dos seus 93 anos, em fevereiro, Mugabe nem sonhava o que 2017 tinha reservado para si. Em outubro, foi eleito embaixador da boa vontade da Organização Mundial da Saúde, mas uma chuva de críticas internacionais fez com que a nomeação fosse retirada. Cerca de um mês depois, militares próximos de Mnangagwa protagonizavam um aparente golpe de Estado que culminou com a detenção do Presidente.
Foto: Reuters/Zimpapers/J. Nyadzayo
Adeus Mugabe
A 19 de novembro esperava-se que Mugabe anunciasse a sua demissão depois de ter sido deposto da liderança do seu partido. Mas, num discurso à nação, rejeitou que a intervenção militar no país tenha sido "um desafio" à sua "autoridade como chefe de Estado". Dois dias mais tarde, foi anunciada a sua renúncia, ao mesmo tempo que o Parlamento debatia uma moção de censura contra o agora ex-governante.