Zimbabué: Juristas e oposição pedem eleições justas
Columbus Mavhunga (Harare) | EFE | mjp
16 de dezembro de 2017
A Comissão Internacional de Juristas teme que o novo Governo do Zimbabué, apoiado pelo Exército, não seja capaz de garantir eleições livres e justas em 2018.
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A CIJ, organização internacional com sede em Genebra, não está sozinha nas preocupações relativamente às eleições de 2018: a oposição tem estado a levar a cabo uma ofensiva diplomática pedindo à comunidade internacional que não reconheça o Executivo do Presidente Emmerson Mnangagwa, que acusa de ter chegado ao poder através de um golpe.
No mês passado, a demissão do Presidente Robert Mugabe deixou o país em euforia. Desde então, a vida voltou ao normal, mas o exército – que ajudou Mnangagwa a chegar ao poder – ainda não regressou aos quartéis.
Os militares mantêm os postos de controlo nas estradas do Zimbabué – algo que não é permitido numa democracia, segundo a Comissão Internacional de Juristas. "Nas nossas reuniões, levantaram-se preocupações quanto à reversão do Estado de direito, com o envolvimento dos militares nos esforços que levaram Mugabe a abandonar o cargo", disse Arnold Tsunga, diretor para África da CIJ, em entrevista à DW África no final de uma visita de uma semana ao Zimbabué. A missão da CIJ foi liderada pelo secretário-geral do grupo de defesa dos direitos humanos, Saman Zia-Zariff.
"A ausência de um processo eleitoral para uma mudança de Governo coloca todo o processo nas mãos de uma intervenção militar - que é um golpe", considera Arnold Tsunga. A CIJ, acrescenta, espera que o novo Governo "faça tudo para criar uma base para a realização de eleições livres, justas e credíveis nos próximos oito meses". Só assim, conclui o diretor para África da CIJ, "poderá haver um regresso à autoridade civil".
Detenções no ZANU-PF
A visita da organização ao país teve lugar numa altura em que os opositores de Emmerson Mnangagwa têm estado a ser detidos pelo Exército sob acusações de corrupção.
No discurso de tomada de posse, no mês passado, Mnangagwa prometeu travar a corrupção. Mas Brian McGarry, um influente padre católico no Zimbabué, considera que as recentes detenções de membros do ZANU-PF, partido no poder, não devem ser levadas a sério.
"Estão a garantir que expulsam os rivais do partido. É claro que as pessoas acusadas de corrupção não são apenas corruptas – não pertencem à facção dominante", diz Brian McGarry. Para o padre católico, Mnangagwa estará "a procurar um partido que lhe responda de forma tão obediente quanto o exército".
Depois de ter sido expulso do ZANU-PF e do Governo para abrir caminho à então primeira-dama Grace Mugabe, o Presidente Mnangagwa, conhecido como o "Crocodilo”, teve a ajuda do Exército para depôs Robert Mugabe. Agora, os analistas afirmam que o chefe de Estado está a perseguir os membros do partido próximos do antigo Presidente do Zimbabué.
Congresso confirma Mnangagwa como candidato
Esta sexta-feira (16.12), o ZANU-PF confirmou o Presidente provisório do país, Emmerson Mnangagwa, como seu líder e candidato presidencial nas eleições do próximo ano, no congresso anual do partido, no qual se destacou a ausência do ex-Presidente Robert Mugabe.
Milhares de delegados das dez províncias do país aprovaram Mnangagwa como presidente do partido e candidato presidencial. O "Crocodilo" também contou com o apoio dos diversos órgãos do partido, incluindo a ala feminina, jovens e veteranos da guerra de independência dos anos 70.
A nomeação acontece um mês depois de os militares terem tomado o poder numa operação que, segundo disseram, tinha o objetivo de eliminar os "criminosos do ambiente em volta de Mugabe", o que levou à renúncia do Presidente, que tinha estado à frente do país nos últimos 37 anos, e à ascensão provisória à presidência do ex-vice-Presidente Mnangagwa.
A designação como candidato à presidência dá poder a Mnangagwa para concorrer às próximas eleições, que acontecem antes do final de agosto do próximo ano. "A democracia permite que o ZANU-PF concorra à Presidência nas eleições que devem ser críveis, livres e transparentes", disse o Presidente no Congresso.
Segundo Mnangagwa, a operação militar do mês passado e as manifestações em solidariedade às tropas demonstraram que milhões de pessoas queriam "uma mudança na direção do país".
"Como resultado, está sendo aberta uma nova era, um futuro próspero para a nossa gente", exclamou Mnangagwa.
De herói a vilão: a vida de Robert Mugabe
Depois de 37 anos no poder, chega ao fim a governação do humilde camponês que se tornou, aos olhos de muitos, um ditador. Robert Mugabe renunciou à Presidência do Zimbabué.
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Origens humildes
Nascido, em Harare, no seio de uma família humilde – o seu pai era carpinteiro e a sua mãe professora – Robert Gabriel Mugabe foi educado numa escola jesuíta até se tornar professor primário. Entre os anos de 1942 e 1960, exerceu na antiga Rodésia, Zâmbia e no Gana. Estudou Inglês, História, Educação e tirou uma licenciatura em Economia, na Universidade de Londres.
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Uma década detido
Aos 36 anos, Mugabe dá inicio à sua luta política focada na independência da Rodésia do Sul do Reino Unido. Funda a União Nacional Africana do Zimbabué – Frente Patriótica (ZANU-PF) em 1963 e, um ano depois, é preso. Em 1974, altura em foi libertado, Mugabe vai para Moçambique, onde liderou uma guerrilha contra o Governo de minoria branca de Ian Smith. Em 1979, Mugabe voltou ao seu país.
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Mugabe torna-se primeiro-ministro
Em 1980, Robert Mugabe é eleito primeiro-ministro da ex-Rodésia do Sul. Em abril deste ano, é declarada a independência do país que passa a chamar-se “Zimbabué”. Na altura, Mugabe afirmou: "O facto de os brancos nos terem oprimido no passado quando detinham o poder jamais poderá justificar que, hoje, os negros os oprimam só porque agora detêm o poder".
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Povo esperançoso
A subida de Mugabe ao poder trouxe a esperança. O líder do ZANU-PF prometeu melhorias na vida dos cidadãos. Começou por introduzir o ensino primário gratuito, assim como o acesso a assistência médica básica para os mais desfavorecidos, ainda que estas medidas apenas tenham chegado a uma parte da população. Mugabe foi mesmo comparado a Nelson Mandela.
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Chegam os massacres
Dois anos mais tarde, em 1982, Mugabe rompe a coligação do seu partido (ZANU-PF) com a União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU) de Joshua Nkomo. Nesta disputa pelo poder, Nkomo teve o apoio das etnias Ndebele. É nesta altura que tem lugar um dos piores massacres que o país tem memória. As forças armadas leais a Mugabe cometeram atrocidades, matando cerca de 20.000 civis.
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Mugabe a Presidente
Em 1987, Mugabe torna-se Presidente do Zimbabué. Já aqui se falava na deterioração do seu estado de saúde. No entanto, o sexagenário deixava claro que a reforma não estava para breve: “O partido irá encontrar um sucessor. Eu vim do povo. O povo na sua sabedoria irá selecionar alguém, assim que eu diga que me vou aposentar. Mas ainda não é altura. Nesta idade ainda posso seguir em frente”, disse.
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Um homem, várias perspetivas
Em 1994, enquanto milhares de cidadãos do Zimbabué continuavam dependentes de ajuda humanitária, não tendo acesso aos cuidados básicos, o presidente era distinguido pela Coroa britânica, em Londres. No Zimbabué, os primeiros protestos deixavam perceber que no país não havia motivo de orgulho no Presidente. No final dos mesmos anos 90, as manifestações contra o poder começaram a intensificar-se.
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A trágica reforma agrária
Em resposta ao descontentamento social, Mugabe lança a reforma agrária no início de 2000, uma medida que levou à nacionalização forçada das propriedades agrícolas que pertenciam à população branca para serem redistribuidas pelos negros. No entanto, os mais beneficiados foram a família de Mugabe e a elite partidária do ZANU-PF que ficaram com várias explorações. A produção agrícola caiu muito.
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"Deixem-me ser Hitler vezes dez"
Até aqui, Mugabe já tinha ganho as eleições de 1984, 1990 e 1996. A cada nova eleição sucediam-se as acusações de fraude, o que fez com que, em 2002, os Estados Unidos e a União Europeia aplicassem sanções ao país. Aos que o apelidavam de ditador, disse: "Sou o Hitler da nossa época. O Hitler que tem por objetivo a justiça para o povo. Se isso é ser um Hitler, deixem-me ser Hitler vezes dez".
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"Fatídico" 2008
Em 2008, Mugabe perdeu mesmo a maioria no Parlamento, tendo o Movimento para a Mudança Democrática (MDM) de Morgan Tsvangiari conseguido um maior número de lugares. As eleições ficaram marcadas pelo elevado número de mortes em consequência de confrontos. O ano de 2008 ficou ainda marcado pela inflação, que atingiu valores recorde, e pela epidemia de cólera que matou milhares de zimbabueanos.
Foto: dpa
Aniversários excêntricos
Do percurso do vilão não se esquecem também as famosas festas de aniversário. Enquanto grande parte do seu povo vivia na miséria, Mugabe exibia a sua excentricidade. No seu 93º aniversário, comemorado este ano, estima-se que Mugabe tenha gasto cerca de 1,9 milhões de euros numa festa que contou com cem mil convidados. Na mesma altura, cinco milhões de zimbabueanos dependem de ajuda internacional.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
Grace, a não sucessora
Em 2015, começa a falar-se da possibilidade da primeira-dama, Grace - segunda mulher de Mugabe, 40 anos mais nova, e que já mantinha um caso com o Presidente enquanto era sua secretária - poder ser a sua sucessora. O que intensificou os conflitos dentro do ZANU-PF. Emmerson Mnangagwa, o vice de Mugabe, foi humilhado e demitido de funções e fugiu do país após um braço-de-ferro com Grace Mugabe.
Foto: Reuters/Philimon Bulawayo
15 de novembro de 2017 - o início do fim
Na festa dos seus 93 anos, em fevereiro, Mugabe nem sonhava o que 2017 tinha reservado para si. Em outubro, foi eleito embaixador da boa vontade da Organização Mundial da Saúde, mas uma chuva de críticas internacionais fez com que a nomeação fosse retirada. Cerca de um mês depois, militares próximos de Mnangagwa protagonizavam um aparente golpe de Estado que culminou com a detenção do Presidente.
Foto: Reuters/Zimpapers/J. Nyadzayo
Adeus Mugabe
A 19 de novembro esperava-se que Mugabe anunciasse a sua demissão depois de ter sido deposto da liderança do seu partido. Mas, num discurso à nação, rejeitou que a intervenção militar no país tenha sido "um desafio" à sua "autoridade como chefe de Estado". Dois dias mais tarde, foi anunciada a sua renúncia, ao mesmo tempo que o Parlamento debatia uma moção de censura contra o agora ex-governante.