Depois de protestos violentos, a polícia boicotou, esta sexta-feira (03.08), a conferência de imprensa de Nelson Chamisa. Mnangagwa condenou ação da polícia, afirmando que "a liberdade faz parte do novo Zimbabué".
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No Zimbabué, o atraso reivindicado pela oposição no anúncio dos resultados das eleições presidenciais desta segunda-feira (30.07) veio confirmar o receio do partido liderado por Nelson Chamisa. Com 50,8% dos votos, Emmerson Mnangagwa é o novo Presidente do Zimbabué, declarou esta manhã a Comissão Eleitoral do país.
As reações não se fizeram esperar, com a oposição a rejeitar a vitória do adversário. O Movimento pela Mudança Democrática (MDC) insiste que os resultados foram manipulados e que o seu candidato, Nelson Chamisa, venceu o escrutínio com 57,10% dos votos contra 42,10% de Emmerson Mnangagwa.
Esta sexta-feira (03.08), a capital Harare acordou tranquila, mas com a polícia ainda presente no exterior da sede do MDC. No entanto, foram necessárias apenas algumas horas para o ambiente aquecer e não deixar esquecer os violentos protestos que, na passada quarta-feira (01.08), fizeram seis mortos na capital.
Conferência de imprensa do MDC boicotada
Ao início da tarde, a polícia de intervenção invadiu o Hotel Bronte, localizado em Harare, e para onde estava agendada uma conferência de imprensa com o líder da oposição Nelson Chamisa. Recorrendo a gás lacrimogénio, a polícia entrou no edifício e, sem dar explicações, fez dispersar as dezenas de jornalistas que ali se encontravam para ouvir Chamisa, que rejeita os resultados das eleições. Para o líder da oposição, o boicote policial é "inaceitável e desnecessário".
Quem também não demorou a condenar o sucedido e ordenou, inclusive, uma investigação urgente, foi o vencedor das eleições e agora Presidente do Zimbabué, Emmerson Mnangagwa. O líder do ZANU-PF disse que ações como esta não podem "ter lugar” na sociedade do seu país e que a "liberdade de expressão é indispensável e faz parte do novo Zimbabué". "Não é negociável e não irá mudar", afirmou.
Zimbabué: Oposição rejeita vitória de Mnangagwa em eleições "fraudulentas"
A polícia acabou depois por permitir a realização do evento, no qual Chamisa decretou "um dia de luto pela democracia". "Queremos pedir desculpas em nome do povo do Zimbábue, em particular aos jornalistas internacionais. Foi inaceitável e desnecessário [o comportamento da polícia]. Isto não pode ser um comportamento de pessoas que ganharam, mas sim das que perderam".
Chamisa disse ainda que esta foi uma eleição "fraudulenta, ilegal e ilegítima" com "sérias falhas na credibilidade". "[A violência da polícia] indica claramente que os nossos colegas do ZANU-PF entraram em pânico, porque foram derrotados nesta eleição. Não estão confiantes no resultado".
Mnangagwa "venceu à força”
Nas ruas, as opiniões divergem quanto ao resultado do ato elitoral. Os apoiantes da oposição entendem que ainda não será desta que o Zimbabué irá mudar. "Não estamos felizes com estas eleições, mas o que podemos fazer?”, questiona Patience Sithole, uma empregada de limpeza.
O vendedor Roy Mukwena diz que o "Presidente Mnangagwa não é desejado”. "Ele venceu à força. Não estou feliz porque as eleições não foram livres e justas. O povo quer que Nelson Chamisa governe o Zimbabué”, assevera. Uma opinião também partilhada por um outro cidadão que afirma que o "Zimbabué não vai a lugar algum com o presidente Emmerson Mnangagwa. Estamos cansados do Zanu PF. Para ser sincero, estamos fartos e cansados".
Eddy vive também na capital, Harare, mas, na sua opinião, Mnangagwa é "o homem certo" para liderar o país. "Ele está lá [no governo] há algum tempo e sabe onde estão as fraquezas [do país]. Tem a experiência do governo anterior. Por isso, ele sabe como manobrar os problemas que temos. Espero que o faça bem", explica.
Quem também já reagiu à vitória do ZANU-PF foi Cyril Ramaphosa, Presidente da África do Sul. O também presidente da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral apelou os zimbabuanos que aceitem os resultados anunciados. No Twitter escreveu: "Instamos aos zimbabuanos que aceitem os resultados anunciados ou que sigam o caminho legal, caso desejem contestá-los".
Troca de acusações
Entretanto, os dois partidos mais votados, ZANU-PF e MDC, continuam a trocar acusações sobre os protestos violentos que, na última quarta-feira (01.08), provocaram seis mortos nas ruas da capital. Em entrevista à DW África, Nick Mangwana, do ZANU-PF, rejeita responsabilidades do partido que representa no sucedido e afirma que estes manifestantes "não foram para as ruas para protestar", mas sim para "vandalizar propriedades".
Já Jameson Timba, do MDC, afirma que o "que aconteceu há dois dias atrás foi uma reação espontânea de pessoas comuns que têm vindo a sofrer com o ZANU-PF". Este apoiante do partido de Nelson Chamisa lembra que as pessoas estão descontentes e que "90% [dos cidadãos] estão hoje desempregados [no Zimbabué]". Para Jameson Timba, "não há justificação, em circunstância alguma, para o exército abrir fogo sobre os a população indefesa".
Na passada quarta-feira (01.08), e depois das forças militares terem declarado "tolerância zero" aos protestos na capital Harare, seis apoiantes da oposição perderam a vida. O Exército foi chamado a intervir e usou gás lacrimogéneo, jatos de água e disparos com balas reais para reprimir os manifestantes. Na altura, o agora Presidente do país, Emmerson Mnangagwa, responsabilizou o MDC pela desordem e por "por todas as mortes, ferimentos e destruição de propriedade durante esses atos de violência política".
A União Europeia, os Estados Unidos, a Commonwealth, a União Africana e outras missões de observadores denunciaram o "uso excessivo da força" para acalmar os protestos em Harare, e pediram "contenção" ao Exército e à polícia do Zimbabué.
As eleições desta segunda-feira (03.08), no Zimbabué, foram as primeiras após a saída de Robert Mugabe, que foi forçado pelos militares a renunciar ao cargo em novembro do ano passado. No seio da população, havia a esperança que a votação abriria portas a uma nova era no país, depois de quase 40 anos de repressão sob o comando de Mugabe, que governou o país de 1980 a 2017.
De herói a vilão: a vida de Robert Mugabe
Depois de 37 anos no poder, chega ao fim a governação do humilde camponês que se tornou, aos olhos de muitos, um ditador. Robert Mugabe renunciou à Presidência do Zimbabué.
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Origens humildes
Nascido, em Harare, no seio de uma família humilde – o seu pai era carpinteiro e a sua mãe professora – Robert Gabriel Mugabe foi educado numa escola jesuíta até se tornar professor primário. Entre os anos de 1942 e 1960, exerceu na antiga Rodésia, Zâmbia e no Gana. Estudou Inglês, História, Educação e tirou uma licenciatura em Economia, na Universidade de Londres.
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Uma década detido
Aos 36 anos, Mugabe dá inicio à sua luta política focada na independência da Rodésia do Sul do Reino Unido. Funda a União Nacional Africana do Zimbabué – Frente Patriótica (ZANU-PF) em 1963 e, um ano depois, é preso. Em 1974, altura em foi libertado, Mugabe vai para Moçambique, onde liderou uma guerrilha contra o Governo de minoria branca de Ian Smith. Em 1979, Mugabe voltou ao seu país.
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Mugabe torna-se primeiro-ministro
Em 1980, Robert Mugabe é eleito primeiro-ministro da ex-Rodésia do Sul. Em abril deste ano, é declarada a independência do país que passa a chamar-se “Zimbabué”. Na altura, Mugabe afirmou: "O facto de os brancos nos terem oprimido no passado quando detinham o poder jamais poderá justificar que, hoje, os negros os oprimam só porque agora detêm o poder".
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Povo esperançoso
A subida de Mugabe ao poder trouxe a esperança. O líder do ZANU-PF prometeu melhorias na vida dos cidadãos. Começou por introduzir o ensino primário gratuito, assim como o acesso a assistência médica básica para os mais desfavorecidos, ainda que estas medidas apenas tenham chegado a uma parte da população. Mugabe foi mesmo comparado a Nelson Mandela.
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Chegam os massacres
Dois anos mais tarde, em 1982, Mugabe rompe a coligação do seu partido (ZANU-PF) com a União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU) de Joshua Nkomo. Nesta disputa pelo poder, Nkomo teve o apoio das etnias Ndebele. É nesta altura que tem lugar um dos piores massacres que o país tem memória. As forças armadas leais a Mugabe cometeram atrocidades, matando cerca de 20.000 civis.
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Mugabe a Presidente
Em 1987, Mugabe torna-se Presidente do Zimbabué. Já aqui se falava na deterioração do seu estado de saúde. No entanto, o sexagenário deixava claro que a reforma não estava para breve: “O partido irá encontrar um sucessor. Eu vim do povo. O povo na sua sabedoria irá selecionar alguém, assim que eu diga que me vou aposentar. Mas ainda não é altura. Nesta idade ainda posso seguir em frente”, disse.
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Um homem, várias perspetivas
Em 1994, enquanto milhares de cidadãos do Zimbabué continuavam dependentes de ajuda humanitária, não tendo acesso aos cuidados básicos, o presidente era distinguido pela Coroa britânica, em Londres. No Zimbabué, os primeiros protestos deixavam perceber que no país não havia motivo de orgulho no Presidente. No final dos mesmos anos 90, as manifestações contra o poder começaram a intensificar-se.
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A trágica reforma agrária
Em resposta ao descontentamento social, Mugabe lança a reforma agrária no início de 2000, uma medida que levou à nacionalização forçada das propriedades agrícolas que pertenciam à população branca para serem redistribuidas pelos negros. No entanto, os mais beneficiados foram a família de Mugabe e a elite partidária do ZANU-PF que ficaram com várias explorações. A produção agrícola caiu muito.
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"Deixem-me ser Hitler vezes dez"
Até aqui, Mugabe já tinha ganho as eleições de 1984, 1990 e 1996. A cada nova eleição sucediam-se as acusações de fraude, o que fez com que, em 2002, os Estados Unidos e a União Europeia aplicassem sanções ao país. Aos que o apelidavam de ditador, disse: "Sou o Hitler da nossa época. O Hitler que tem por objetivo a justiça para o povo. Se isso é ser um Hitler, deixem-me ser Hitler vezes dez".
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"Fatídico" 2008
Em 2008, Mugabe perdeu mesmo a maioria no Parlamento, tendo o Movimento para a Mudança Democrática (MDM) de Morgan Tsvangiari conseguido um maior número de lugares. As eleições ficaram marcadas pelo elevado número de mortes em consequência de confrontos. O ano de 2008 ficou ainda marcado pela inflação, que atingiu valores recorde, e pela epidemia de cólera que matou milhares de zimbabueanos.
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Aniversários excêntricos
Do percurso do vilão não se esquecem também as famosas festas de aniversário. Enquanto grande parte do seu povo vivia na miséria, Mugabe exibia a sua excentricidade. No seu 93º aniversário, comemorado este ano, estima-se que Mugabe tenha gasto cerca de 1,9 milhões de euros numa festa que contou com cem mil convidados. Na mesma altura, cinco milhões de zimbabueanos dependem de ajuda internacional.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
Grace, a não sucessora
Em 2015, começa a falar-se da possibilidade da primeira-dama, Grace - segunda mulher de Mugabe, 40 anos mais nova, e que já mantinha um caso com o Presidente enquanto era sua secretária - poder ser a sua sucessora. O que intensificou os conflitos dentro do ZANU-PF. Emmerson Mnangagwa, o vice de Mugabe, foi humilhado e demitido de funções e fugiu do país após um braço-de-ferro com Grace Mugabe.
Foto: Reuters/Philimon Bulawayo
15 de novembro de 2017 - o início do fim
Na festa dos seus 93 anos, em fevereiro, Mugabe nem sonhava o que 2017 tinha reservado para si. Em outubro, foi eleito embaixador da boa vontade da Organização Mundial da Saúde, mas uma chuva de críticas internacionais fez com que a nomeação fosse retirada. Cerca de um mês depois, militares próximos de Mnangagwa protagonizavam um aparente golpe de Estado que culminou com a detenção do Presidente.
Foto: Reuters/Zimpapers/J. Nyadzayo
Adeus Mugabe
A 19 de novembro esperava-se que Mugabe anunciasse a sua demissão depois de ter sido deposto da liderança do seu partido. Mas, num discurso à nação, rejeitou que a intervenção militar no país tenha sido "um desafio" à sua "autoridade como chefe de Estado". Dois dias mais tarde, foi anunciada a sua renúncia, ao mesmo tempo que o Parlamento debatia uma moção de censura contra o agora ex-governante.