Zimbabueanos em Moçambique a fugir da crise económica
Lusa
31 de dezembro de 2018
Cresce número de zimbabueanos que fogem para Moçambique devido ao colapso na economia do Zimbabué, revelam dados das autoridades migratórias de Machipanda, principal fronteira terrestre entre os dois países.
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O número de zimbabueanos que foge para Moçambique perante nova ameaça de colapso da economia do Zimbabué cresceu largamente nos últimos meses do ano, revelam dados das autoridades migratórias de Machipanda, principal fronteira terrestre entre os dois países.
Entre malas de ganga e embrulhos envolvidos em capulanas, o zimbabueano Tapiwa Mutera, 53 anos, procura recomeçar a vida em Moçambique, após enfrentar meses a fio de fome, provocada por uma aguda escassez de alimentos no seu país.
"Desta vez a crise é pior por causa da fome", disse Tapiwa Mutera, referindo que "mesmo que haja dinheiro, não há onde comprar comida", e lembrou os dias que sobreviveu a comer pepino, junto com os três filhos e a mulher que o acompanham na viagem.
Estatísticas
Estatísticas da direção provincial de Migração de Manica indicam que o número de zimbabueanos que atravessa a fronteira de Machipanda, no centro de Moçambique, à procura de melhores condições de vida cresceu em 20 % nos últimos cinco meses de 2018.
Entre 01 de julho e 15 de dezembro, 183.504 zimbabueanos atravessaram a fronteira de Machipanda para Moçambique, sendo o grosso para se abastecer de produtos básicos alimentares, como arroz, farinha de milho, além de roupa e sapatos usados. Entre eles, há os que emigram a procura de emprego e ou para se instalar em Moçambique.
O número representa um aumento de 36.701 zimbabueanos que atravessaram a principal fronteira terrestre entre Moçambique e Zimbabué em relação ao período homólogo de 2017.
"Temos uma média diária de entrada de 2.100 zimbabueanos só nos primeiros 15 dias de dezembro de 2018", disse Jorge Machava, porta-voz da direção provincial de migração de Manica, frisando que o maior número vai à procura de produtos de primeira necessidade, "dada a situação económica do próprio Zimbabué".
Os dados das autoridades migratórias de Manica indicam ainda que 69 zimbabueanos foram detidos por tentativa de entrada ilegal na fronteira nos últimos cinco meses de 2018, quase o dobro do que no mesmo período de 2017.
Nesta segunda-feira (31.12), a Polícia da República de Moçambique (PRM) anunciu que impediu, em 2018, a entrada de 49.129 cidadãos estrangeiros que pretendiam entrar no país com "objetivos obscuros", anunciou o comandante-geral da corporação. "Estes mais de 49 mil estrangeiros, tiveram a sua entrada ilegal travada pela polícia", declarou Bernardino Rafael, citado pelo jornal "Notícias".
"Falta tudo"
Após resistir ao colapso económico de 2008 -, resultado de conturbadas eleições, contestadas pela oposição, e que forçaram à criação de um Governo de unidade entre a ZANU-PF, no poder, e MDC, oposição - a zimbabueana Nayarai Mutenda, 48 anos, vê na atual crise "um golpe" na sobrevivência da família.
"Falta quase tudo no lar", disse Mutenda, acrescentando que enfrentava com os filhos uma "fome dolorosa", no interior de Marondera (Zimbabué), quando decidiu refugiar-se em Chimoio (Moçambique), onde vive o marido.
O casal ficou separado, quando o marido, um moçambicano, foi abrangido em 2005 pela "Operação murambatsvina", implementada pelo regime de Robert Mugabe, que visava repatriar estrangeiros que viviam em favelas nos subúrbios das grandes cidades, um ano após uma falhada reforma agrária no Zimbabué.
Em 2004, vários zimbabueanos, incluindo de origem branca, rumaram a Moçambique, tendo a maioria se instalado na província de Manica. "Procuro trabalhos de cultivar em machambas (quintas) e com os ganhos compro produtos alimentares e envio para casa no Zimbabué", disse Maurei Tembo, enquanto capinava numa quinta em Boavista, distrito de Macate.
Salientou que desde o derrube de Robert Mugabe do poder, há um ano, a "crise, sobretudo económica, voltou a atingir recordes, com a fome a agravar-se".
O Zimbabué voltou a viver "momentos tenebrosos" desde há um ano, com a inflação a atingir números recordes e a economia a derrapar, acentuada por uma grave escassez do dólar americano, que circula em paralelo com o 'bond' zimbabueano e uma queda de 'stocks' de produtos básicos.
Zimbabueanos lutam por uma vida melhor em Moçambique
Com o país num processo de renovação política e económica, os "zimbas" procuram em solo moçambicano, um sustento de vida, criando pequenos negócios, sem nunca saber o dia de amanhã.
Foto: DW/B. Jequete
Autocarros do Zimbabué em todos os cantos
O Zimbabué foi um dos países que, outrora, foi até considerado como o celeiro da África Austral. Era difícil ver na província de Manica um zimbabueano ou uma viatura do Zimbabué, na altura em que o país estava estável. Mas, nos últimos anos, é frequente ver machimbombos, autocarros e carros a fazerem o trajeto Zimbabué-Moçambique e vice-versa.
Foto: DW/B. Jequete
Negócio para todas as idades
Devido à crise económica que se instalou na República do Zimbabué, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos são "obrigados" a deambular pelas ruas da província moçambicana de Manica, em particular, e em todo o país a venderem algo, para ganhar algum dinheiro. Os zimbabueanos vendem todo tipo de produtos.
Foto: DW/B. Jequete
Fardos de roupa asseguram a vida dos zambabueanos
No dia a dia, os zimbabueanos estão na capital provincial de Manica, Chimoio, à procura de negócios, como os fardos de roupa ou de sapatos. Os fardos são embalados dentro de um saco, uma estratégia encontrada para não ser distinguido com facilidade na fronteira, visto que se trata de contrabando.
Foto: DW/B. Jequete
Crise gera empregos para alguns
Apesar da crise, os zimbaueanos constituem uma fonte de renda para alguns moçambicanos, que sobrevivem com o pouco que são oferecidos. Os moçambicanos servem de guias aos zimbabueanos, mostrando-lhes as lojas e bons fardos de roupa ou sapatos, e estabelecem contactos com os comerciantes. Outra atividade que os moçambicanos (guias) prestam aos zimbabueanos, é o câmbio de valores em meticais.
Foto: DW/B. Jequete
Taxistas também faturam
As lojas que vendem fardos de roupa usada em Chimoio, são concorridas pelos zimbabueanos, pois taxistas e os condutores de carrinhas acabam por abandonar a praça e acantonam-se nas imediações das lojas, visando fazer o carregamento ou transportar os chamados “zimbas” de um lado para o outro. Pode-se dizer, que o mercado moçambicano tem estado a ser invadido pelos zimbabueanos.
Foto: DW/B. Jequete
Compra de arroz é imperativo
O sofrimento em que os zimbabueanos têm estado a passar é doloroso, pois antes de adquirir o negócio, eles pelo menos têm de comprar um saco de 10 ou 25 quilos de arroz, e 5 litros de óleo, dois dos produtos mais caros no seu país. Posto isso, é muito difícil almoçar e jantar. Os “zimbas” só jantam se economizarem os alimentos.
Foto: DW/B. Jequete
Cargas e descargas garantidas
Há muitos contentores de fardos de roupa usada, que se descarregam diariamente, devido à muita procura. O negócio de venda de fardos de roupa usada, tem estado a ser rentável, pois antes dos problemas económicos no país vizinho, a venda deste produto era difícil, mas, atualmente, os somalis, ugandeses e outras nacionalidades, ocupam-se da venda destes fardos de roupa usada.
Foto: DW/B. Jequete
Moçambique - o refúgio
Alguns zimbabueanos, principalmente as senhoras, deslocam-se a Moçambique para comercializarem os seus produtos como djamo, doi, paloni, chips, pão de forma e outros produtos alimentares. As ruas da cidade de Chimoio estão inundadas de zimbabueanos. Este povo tem grande liberdade de circulação em todo o território moçambicano.
Foto: DW/B. Jequete
Consumidor final
A roupa usada adquirida em fardos na província de Manica, é vendida desta forma: A roupa é estendida no chão. Assim, os clientes apreciam e procuram com calma, artigo por artigo, roupas para os seus filhos, marido ou esposa. A roupa que era menosprezada pelos zimbabueanos nos tempos passados, é hoje, algo muito procurada por quase todos.
Foto: DW/B. Jequete
A esperança dos "Zimbas"
Aquando da destituição do Presidente Robert Mugabe, os zimbabueanos queriam dar um novo rumo ao país, quer a nível político, quer a nível económico. Convicto disso, o povo foi às urnas e elegeu Emmerson Mnangagwa, como novo Presidente do Zimbabué.
Foto: DW/B. Jequete
Abandono do mercado local
Alguns empresários e agricultores zimbabueanos abandonaram o mercado local e instalaram-se na província de Manica. Uma das empresas que se dedica à produção de sementes no distrito de Barué, é um empresário zimbabueano. O produto daquela empresa, é apreciado pelos camponeses moçambicanos.
Foto: DW/B. Jequete
Só com passaporte
Na fronteira de Machipanda, entre Moçambique e Zimbabué, existem postos de controlo, pois sem passaportes, as pessoas não podem viajar. Entretanto, alguns que não possuem este documento, optam por violar a fronteira. Quando isso acontece, os indivíduos apanhados a cometer esta ilegalidade são detidos. Mais tarde, são libertos mediante o pagamento de uma multa.
Foto: DW/B. Jequete
Qual o rumo do Zimbabué?
Os zimbabueanos estão a atravessar dificuldades extremas. Nesta foto, temos o exemplo disso. Nos autocarros que os transportam até Moçambique, trazem refrigerantes para vender e ganhar dinheiro para depois, fazerem as compras necessárias. O que sobra, vai para o custo do regresso.