"Zona de Livre Comércio em África será um desafio enorme"
Isaac Mugabi | Frejus Quenum | tms | com agências
9 de julho de 2019
Analistas consideram que prioridades distintas dos blocos regionais africanos e resistência dos países do G6, incluindo Moçambique, em relação às taxas aduaneiras, podem dificultar aplicação do Acordo de Livre-Comércio.
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A fase operacional do Acordo de Livre-Comércio Continental Africano foi lançada durante a cimeira de chefes de Estado e de Governo da União Africana, que terminou esta segunda-feira (08.07), em Niamey, no Níger. A aplicação deste acordo representará um mercado de 1,2 mil milhões de pessoas e será gerido por cinco instrumentos operacionais: definição das regras de origem dos produtos, fórum de negócios online, monitorização e eliminação de barreiras aduaneiras, sistema de pagamentos digitais e criação do Observatório de Comércio Africano.
O lançamento da fase operacional acontece numa altura em que 27 países ratificaram o acordo, assinado agora por 54 dos 55 países da União Africana, depois de a Nigéria, a maior economia do continente, ter assinado e ratificado o documento no decorrer da cimeira. A União Africana está otimista e acredita que irá levar a um aumento de 60% do comércio dentro do continente até 2022.
No entanto, o professor Prosper Honest Ngowi, da Universidade de Mzumbe, na Tanzânia, aponta "grandes desafios” para o sucesso do Acordo de Livre-Comércio em África, "por causa dos atuais blocos regionais - da África Austral (SADC), África Ocidental (CEDEAO), Central (CEMAC) e Oriental (EAC)".
"Cada um tem as suas prioridades. Por exemplo, os países da África Oriental darão prioridade à sua região e só depois à zona de livre comércio africana. Embora África seja uma só, ela não está unida", considera o especialista. "Creio que primeiro devemos fortalecer os blocos regionais e, quando estes forem fortes o suficiente, podem tornar-se uma avenida em direção a um bloco comercial continental".
Resistência aos impostos
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Togo e atual presidente do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, Robert Dussey, está satisfeito com o lançamento da fase operacional do acordo de livre-comércio africano. Em entrevista exclusiva à DW, no entanto, admite que ainda há desafios no sentido de convencer alguns países sobre o papel deste acordo em relação à redução de taxas aduaneiras.
Estes países formam o chamado G6, que integra algumas nações da África Austral, incluindo Moçambique e Madagáscar, que, segundo o ministro togolês "não estão prontos para cobrar impostos sobre produtos como o petróleo e fertilizantes".
"Esses países podem ter grandes dificuldades se aumentarem os impostos sobre seus primeiros produtos de exportação. E precisam aceitar esta dinâmica do acordo de livre-comércio", frisa.
De acordo com o ministro togolês, uma equipa técnica da União Africana discutirá com estes países outras formas de lucrar com outros bens e serviços.
Além das questões regionais e económicas que podem dificultar o sucesso da zona de livre comércio criada pela União Africana, especialistas apontam ainda outro obstáculo - as infraestruturas dos países africanos.
"Zona de Livre Comércio em África será um desafio enorme"
"Um desafio que se põe é melhorar a nossa infraestrutura, a segurança do espaço aéreo, melhorar os caminhos de ferro, as estradas. Já há projetos em execução no continente, melhorando a integração. E para isto, precisamos combater a corrupção", explica Aisha Laraba Abdullahi, antiga encarregada para Assuntos Políticos da União Africana.
Reforçar direitos
Aisha Laraba Abdullahi não deixa de reconhecer que o acordo alcançado pela União Africana – o maior desde a criação da Organização Mundial do Comércio, em 1994 – é um marco para o desenvolvimento africano, com potencial para melhorar índices sociais, como o acesso à saúde e educação – que ainda são baixos na maioria dos países.
Em termos sociais, outro desafio: o papel das mulheres e da juventude, destaca a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, sublinhando que é preciso reforçar a educação dos jovens e assegurar o direito das mulheres, após a assinatura do Acordo de Livre-Comércio.
"Devemos garantir a educação e devemos apoiá-los no comércio e enfrentar o que os impedem de obter os seus direitos. Isso deve começar de país para país até se espalhar pelo continente", afirma.
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.