Zuma sai ou não sai da presidência da África do Sul?
Milton Maluleque (Joanesburgo) | Raquel Loureiro | Reuters | AP
13 de fevereiro de 2018
Secretário-geral do ANC diz não ter sido dado prazo para Jacob Zuma se pronunciar sobre a sua demissão, mas garante que o Presidente responderá esta quarta-feira. Especialista ouvido pela DW acredita que Zuma não sairá.
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A era de Jacob Zuma pode está perto do fim. O Congresso Nacional Africano (ANC) pediu oficialmente a demissão do Presidente da África do Sul esta terça-feira (13.02). Numa conferência de imprensa realizada esta manhã, o secretário-geral do partido no poder, Ace Magashule, voltou a reiterar que deve ser Cyril Ramaphosa a assumir a presidência do país. O mesmo responsável avançou ainda que Zuma se deve pronunciar esta quarta-feira (14.02), dizendo se aceita ou não a decisão dos órgãos do seu partido.
Esta terça-feira (13.02), Ace Magashule explicou que a decisão do ANC teve em conta o ambiente "de incerteza e ansiedade" que se vive no país. "O Comité Executivo Nacional analisou o relatório segundo o qual o Presidente tinha concordado demitir-se e propunha prazos de três a seis meses. E enquanto apreciava a proposta do Presidente Zuma, o Comité constatou que as incertezas face ao processo de transição mergulharama África do Sul num clima de incerteza e ansiedade, que está a afetar negativamente a esperança e confiança que existia entre os sul-africanos desde a 54ª Conferência Nacional do ANC”, justificou.
O secretário-geral do ANC acrescentou ainda que o partido pretende que esta transição seja um "processo amigável". O ANC não avançou, por isso, com nenhuma moção de censura no Parlamento. Também não foi estipulado qualquer prazo para Zuma responder, mas Ace Magashule garante que o ainda Presidente do país se irá pronunciar na quarta-feira.
À DW África , o constitucionalista André Thomashausen explica que na África do Sul "o único órgão que pode demitir um Presidente é o orgão que o elegeu”, ou seja, a "Assembleia Nacional” – através de uma votação. "Há duas maneiras que a Assembleia pode afastar um Presidente em exercício de funções. A primeira é a moção de censura que tem como consequência legal que o presidente e todos os ministros, incluindo o vice-presidente, sejam considerados demitidos, tendo que haver novas eleições", começa por explicar o especialista. No entanto, na sua visão, esta é uma alternativa "pouco confortável”, uma vez que "o ANC está sem verbas".
A outra alternativa "é o que chamam o impeachment (destituição) - um processo de acusação ao Presidente por graves crimes e que tem como consequência, não novas eleições, mas a continuação do executivo pelo vice-presidente e os minitros por ele nomeados”, prossegue André Thomashausen. No entanto, uma lacuna na lei sul-africana não permite o processo de destituição no país, o que faz com que o futuro da África do Sul seja de facto desconhecido.
Na ótica do analista, o país está "num impasse” e, segundo a sua previsão, as incertezas podem não terminar com a decisão do ANC em demitir Zuma. "O partido pode decidir que o Presidente se pode demitir, mas se o Presidente recusar e não se demitir, continuará em exercício de funções. E é o que acho que vai acontecer”, acrescenta.
Zuma sai ou não sai da presidência da África do Sul?
Saída de Zuma não basta
A oposição já deixou bem claro que, não só quer ver Zuma afastado do poder, como também quer derrubar o executivo do ANC, sendo uma das suas possíveis soluções uma "coligação entre uma ala do ANC e partidos da oposição". O que para o constitucionalista é "mais um plano com grande risco de distabilização da politíca e da África do Sul”. "Não se pode adivinhar neste momento quem seriam os deputados do ANC preparados para sustentar esse tipo de estratégia, evidentemente isso iria acabar com o ANC”, constata.
André Thomashausen não tem dúvidas de que a África do Sul enfrenta a "mais grave crise económica da história do país”. E, refere, num momento crítico como este o foco está numa "luta de personalidades”. Na sua opinião, "esta confrontação poderá custar caro à África do Sul porque enquanto isto está a acontecer a economia está sem direção, o debate do novo orçamento geral estrá atrasado, assim como a abertura do parlamento”. O mesmo especialista afirma que, na sua opinião, "é muito pouco patriota gastar-se toda esta energia só numa luta de personalidades”.
População insatisfeita
Os sul-africanos mostram também o seu descontentamento com a situação. Victor Munyai afirma que o impasse político é "muito mau para o país, especialmente para a economia”. E relembra a variação que a moeda sul-africana teve aquando da reunião do ANC que elegeu Cyril Ramaphosa. "Isso mostra que Zuma não sabe o que está a fazer e é muito mau para o país", acrescenta.
Uma opinião também partilhada por Ndumiso Giyanii, também residente em Joanesburgo. "Quanto mais tempo ele permanecer no poder mais nos vai prejudicar. E já nos está a prejudicar”, disse.
África em imagens: Retrospetiva de 2017
Queda de ditadores no Zimbabué e na Gâmbia. Caos pós-eleitoral no Quénia e na Libéria. Ataques terroristas na Somália e na Nigéria. A DW África apresenta os factos mais importantes de 2017.
Foto: Reuters/J. Oatway
Ditador gambiano forçado a deixar o poder
Yahya Jammeh governou com mãos de ferro o pequeno país da África Ocidental durante 22 anos, mas perdeu as presidenciais em 2016 para o seu principal opositor, Adama Barrow. Tropas da CEDEAO foram enviadas para a Gâmbia para convencer Jammeh a aceitar a derrota e deixar o poder. Em janeiro de 2017, partiu finalmente para o exílio na Guiné Equatorial, mas não antes de saquear os cofres do país.
Foto: picture-alliance/AP/dpa/J. Delay
Uganda encerra buscas do líder rebelde Kony
Joseph Kony, líder do brutal Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês), é procurado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. Em abril, o Uganda e os Estados Unidos anunicaram o fim da caçada a Kony depois de considerarem o LRA "irrelevante". As Nações Unidas, no entanto, dizem que o LRA ainda pratica raptos na República Democrática do Congo.
Foto: Stuart Price/AP Photo/dpa/picture alliance
Medo de mergulhar a Nigéria no caos
O país mais populoso de África sofreu com a ausência do Presidente Muhammadu Buhari, que, aos 74 anos, passou três meses em Londres para tratamentos médicos. Enquanto isso, o grupo extremista Boko Haram realizou ataques mortais no norte nigeriano, onde milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária.
Foto: Reuters/Nigeria Presidency Handout
Crise nos Camarões
Várias pessoas foram mortas e outras ficaram feridas depois do anúncio simbólico de independência da região anglófona do país, que se auto-intitula estado da "Ambazonia", em outubro. Observadores internacionais dizem que pelo menos 40 pessoas morreram durante os protestos. As pessoas na região sudeste do país sentem-se negligenciadas pela maioria francófona.
Foto: Reuters/J.Kouam
Caos pós-eleitoral no Quénia
O Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, conseguiu o seu segundo mandato, mas o líder da oposição Raila Odinga recusou-se a aceitar o resultado das eleições. O Supremo Tribunal do país anulou o escrutínio realizado em agosto devido a irregularidades na votação, convocando novas eleições para outubro. A oposição, no entanto, boicotou o segundo pleito. Houve confrontos com dezenas de mortos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Presidenciais adiadas na Libéria
A segunda volta das eleições para escolher o sucessor da Presidente Ellen Johnson Sirleaf foi adiada depois de queixas contra a Comissão Eleitoral Nacional por suposta fraude durante a primeira volta em outubro. As alegações foram então rejeitadas pela justiça. A segunda volta entre o ex-vice-presidente Joseph Boakai e o ex-jogador de futebol George Weah realizou-se com mais de um mês de atraso.
Foto: Getty Images/AFP/I. Sanogo
Fome no Sudão do Sul
Nos últimos quatro anos, as pessoas no Sudão do Sul, a nação mais nova do mundo, sofreram devido ao conflito entre os apoiantes do Presidente Salva Kiir e seu ex-vice-Presidente Riek Machar. Um terço da população foi deslocada das suas casas. Cerca de cinco milhões de pessoas - metade da população do Sudão do Sul - sofre com a fome. A terra arável foi destruída pelos conflitos, disse a ONU.
Foto: Aktion Deutschland Hilft/Max Kupfer
Somália sofreu pior ataque da sua história
Um camião cheio de explosivos foi detonado numa área movimentada da capital da Somália, Mogadíscio, em meados de outubro, matando centenas de pessoas. Até agora, ninguém reivindicou a responsabilidade pelo ataque que foi descrito como o pior da história da nação da África Oriental. O Governo culpa o grupo terrorista al-Shabab pelo bombardeio.
Foto: picture alliance/dpa/AAS. Mohamed
Mali sem paz
O Mali tem enfrentado crises há seis anos: primeiro um golpe, depois uma revolta separatista no norte, seguido de uma insurreição jihadista. A missão de paz de 11 mil soldados da ONU foi atacada repetidamente. Em janeiro, 77 soldados foram mortos no pior ataque até agora. Combatentes ligados à Al-Qaeda reivindicaram a responsabilidade pelo atentado suicida.
Foto: Getty Images/AFP
O fim da era Mugabe
Em novembro, os militares do Zimbabué puseram o Presidente Robert Mugabe sob prisão domiciliar depois de este ter demitido o vice-presidente Emmerson Mnangagwa para nomear a sua esposa, Grace Mugabe. Mugabe, de 93 anos, e há 37 anos no poder, renunciou. Mnangagwa foi nomeado Presidente da República, mas desde então decepcionou os que esperavam a inclusão de membros da oposição no seu gabinete.
Foto: picture alliance/dpa/NurPhoto/B. Khaled
Kabila não quer deixar o poder
O Presidente Joseph Kabila, da República Democrática do Congo, já cumpriu os dois termos permitidos pela Constituição do país. Embora o seu segundo mandato tenha terminado no final de 2016, ele adiou as novas eleições. O pleito está programado para o final de 2018. A polícia reprimiu protestos e deteve manifestantes, dizem grupos da oposição.
Foto: picture alliance/dpa/AP Photo/J. Bompengo
Escândalo de corrupção na África do Sul
As alegações de corrupção envolvendo o Presidente sul-africano Jacob Zuma e a família Gupta foram manchete durante todo o ano. Empresas internacionais foram acusadas de pagar remunerações para ganhar contratos governamentais. A economia do país está a sofrer com taxas de desemprego que rondam os 30%. Quem irá substituir Zuma? Um embate esperado em 2018.