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Diretora da Precisa nega irregularidades e se contradiz

14 de julho de 2021

Emanuela Medrades mudou versão sobre envio de fatura da Covaxin, alinhando novas falas ao governo. Ela ainda admitiu que a gestão Bolsonaro não questionou a Precisa sobre seus laços com a companhia acusada de dar calote.

Emanuela Medrades
Nesta quarta, um dia após ter alegado "exaustão", Medrades adotou um tom combativo com os senadores, semelhante ao usado por Pazuello em maioFoto: Marcos Oliveira/Agencia Senado

A diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, contradisse nesta quarta-feira (14/07), durante sessão da CPI da Pandemia, a versão do governo de que a vacina Covaxin havia sido oferecida por US$ 10 a dose ao Ministério da Saúde em uma reunião em 20 de dezembro, meses antes da assinatura do contrato, que acabou sendo fechado com o valor de US$ 15 por dose. 

Por outro lado, Medrades, em outro momento do depoimento, alinhou suas falas ao governo Jair Bolsonaro em um momento-chave da sessão, que abordou o imbróglio das invoices (fatura internacional de importação) da vacina, contrariando a denúncia dos irmãos Miranda e o depoimento do consultor técnico da pasta William Amorim Santana.

A Precisa é a empresa que atuou como atravessadora na venda da vacina indiana Covaxin para o Ministério da Saúde em março. Suspeitas de superfaturamento, favorecimento e outras irregularidades em relação ao contrato estão no centro de um escândalo que envolve o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, o ex-secretário-executivo da pasta coronel Élcio Franco, entre outros personagens.

"Existia a expectativa de que o valor da vacina chegasse a US$ 10. Não sei por que colocaram que custava US$ 10, porque não foi ofertado este valor. Existia expectativa. É mentira [a ata da reunião]", disse Medrades, que afirmou ainda que o preço de US$ 15 foi determinado pelo laboratório indiano Bharat Biotech e não pela Precisa, que intermediou o negócio.

O preço da Covaxin é um dos principais pontos investigados pela CPI, já que o imunizante foi comprado por um preço bem acima do de outras vacinas adquiridas pelo ministério e nem havia concluído os estudos de fase 3 à época das negociações, tampouco sido aprovado pela Anvisa. Medrades classificou a versão do ministério como "equivocada".

Imbróglio das invoices

Apesar de ter desmentido a ata da reunião elaborada pelo Ministério da Saúde, tentando proteger a Precisa, Medrades alinhou algumas de suas falas à versão do governo no caso das invoices, contando uma versão alinhada a versões do Planalto sobre o caso.

Medrades disse que a primeira versão da invoice da Covaxin foi enviada ao Ministério da Saúde no dia 22 de março e não no dia 18 de março, conforme afirmaram o consultor técnico do Ministério da Saúde William Santana e o servidor Luis Ricardo Miranda. Diante da contradição, os senadores discutiram a possibilidade de acareação entre a diretora e Santana.

"Provei e provo mais uma vez que essa invoice só foi enviada no dia 22 [de março]. Desafio William Amorim e Luis Ricardo Miranda a provarem que receberam dia 18, porque eles não vão conseguir. Estou disposta inclusive a fazer uma acareação", disse a diretora da Precisa.

No entanto, uma fala da própria Medrades de 23 de março contraria essa versão. Em imagens gravadas durante uma audiência virtual com senadores, Medrades fala do envio da invoice "na última quinta-feira", data que corresponde ao dia 18 de março.

Ao ser questionada sobre essa contradição, Medrades disse que "não estava sendo detalhista" na fala e reafirmou que encaminhou a primeira invoice no dia 22 de março.

A nova versão de Medrades também está mais alinhada à fala do secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, que afirmou que os documentos apresentados pelos irmãos Miranda seriam falsos e que a primeira fatura só teria sido enviada pela Precisa em 22 de março.

A primeira invoice havia sido emitida pela Madison Biotech, uma empresa com sede em Cingapura e que não aparecia no contrato do ministério com a Precisa. O documento, segundo Miranda e Santana, também apresentava outras irregularidades, como números contraditórios e vagos, erros de inglês e um pedido de pagamento antecipado para a Madison Biotech, que estava sediada em um paraíso fiscal. Os erros seriam indícios de um esquema de corrupção no negócio.

A data das invoices é considerada crucial, já que a natureza desse documento foi citada pelos irmãos Miranda para embasar a denúncia que eles alegam ter apresentado ao presidente Jair Bolsonaro em 20 de março sobre problemas no contrato para a compra da Covaxin. Os irmãos Miranda afirmam que Bolsonaro prometeu investigar o caso, mas nada foi feito. A denúncia acabou servindo de base para um inquérito por suspeita de prevaricação contra Bolsonaro.

Em depoimento à CPI da Pandemia, os irmãos Miranda também afirmaram que houve "pressão atípica" de altos membros do Ministério da Saúde para acelerar a liberação da compra da vacina.

Outras suspeitas

A diretora também foi questionada pelos senadores sobre um repasse de R$ 1 milhão, feito em duas etapas, em 17 e 23 de fevereiro, pela Precisa para a Câmara de Comércio Índia-Brasil, às vésperas da assinatura do contrato para a venda da Covaxin. As transferências foram realizadas pouco antes de o negócio com o ministério ter sido fechado, em 25 de fevereiro. Medrades afirmou não saber nada sobre essas transações.

Em outra etapa da sessão, Medrades confirmou que o Ministério da Saúde não questionou a Precisa sobre as relações da empresa com a Global, companhia que faz parte do mesmo grupo societário da Precisa. A Global é acusada de ter dado um calote no ministério em 2017, num negócio em que recebeu antecipadamente R$ 20 milhões por medicamentos nunca entregues.

Medrades também se negou a informar à CPI qual seria a margem de lucro destinada à Precisa por intermediar o negócio. A transação envolvia 20 milhões de doses, com custo final de R$ 1,6 bilhão.

Originalmente, o depoimento de Emanuela Medrades estava marcado para terça-feira. Mas, diante dos senadores, ela se recusou sistematicamente a responder a perguntas, até mesmo questionamentos simples, e a sessão acabou sendo usada pelos parlamentares para tentar esclarecer quais são os limites do direito ao silêncio no colegiado.

À noite, após o ministro do Supremo Luiz Fux afirmar que os senadores são livres para avaliar se um depoente abusa do direito de permanecer em silêncio, a sessão foi retomada, mas apenas por poucos minutos. Desta vez, Medrades alegou que estava "exausta". O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), acabou determinando que a sessão fosse retomada nesta quarta-feira.

O nome de Medrades aparece em várias trocas de e-mails entre a Precisa e o Ministério da Saúde. A CPI já aprovou a quebra dos sigilos telefônico e telemático (mensagens) da diretora.

Nesta quarta, um dia após ter alegado "exaustão" e evitado responder a todas as perguntas, Medrades adotou um tom combativo e por vezes incisivo com os senadores, semelhante ao usado pelo general Eduardo Pazuello em maio.

A CPI previa ouvir ainda nesta quarta-feira o sócio-diretor da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, logo depois do depoimento de Emanuela Medrades. Mas o presidente Omar Aziz apontou que não haveria tempo disponível para ouvir os dois no mesmo dia. Dessa forma, o depoimento de Maximiano ficou para agosto.

Escândalo pressiona Bolsonaro

Mesmo antes de entrar no radar da CPI, a vacina indiana já provocava questionamentos por causa do seu preço (US$ 15, a mais cara de todas as vacinas compradas pelo Brasil), a velocidade com que o governo fechou o negócio (em contraste com tratativas realizadas com outros laboratórios, como a Pfizer), a falta de aval da Anvisa (Bolsonaro afirmou em 2020 que não compraria vacinas não autorizadas pela agência) e pelo fato de a compra não ter sido feita diretamente com a fabricante, mas com uma empresa intermediária, a Precisa.

Também foram reveladas irregularidades na documentação para a compra de vacinas e pedidos suspeitos de pagamento adiantado, no valor de US$ 45 milhões, que seria direcionado para a empresa Madison Biotech, suspeita de ser uma companhia de fachada com sede em Cingapura.

O deputado Luis Miranda e seu irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda, disseram à CPI que houve uma pressão atípica dentro do Ministério da Saúde para agilizar o processo de liberação para compra do imunizante indiano Covaxin.

Os irmãos afirmaram que alertaram Bolsonaro em 20 de março sobre problemas no contrato, e que o presidente teria prometido acionar a Polícia Federal. Entretanto, nenhum inquérito foi aberto após a conversa.

O deputado Miranda também afirmou em seu depoimento que Bolsonaro teria dito na ocasião que a Covaxin era um "rolo" do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros.

O contrato da Precisa com o governo foi suspenso em junho, após a denúncia dos irmãos Miranda. Nesta quarta, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o país não precisa mais da Covaxin e que já conta com doses suficientes de vacina.

Além de estarem no alvo da CPI, as negociações para aquisição da Covaxin são investigadas pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União.

No sábado, Bolsonaro admitiu o encontro com o deputado Miranda e deu uma resposta vaga sobre sua atitude em relação ao caso: "Eu não posso simplesmente, ao chegar qualquer coisa pra mim, tomar providência".

Bolsonaro ainda reagiu de maneira agressiva e vulgar na semana passada a um pedido de esclarecimentos enviado pela cúpula da CPI da Pandemia sobre as acusações dos irmãos Miranda. "Sabe qual a minha resposta? Caguei. Caguei para a CPI. Não vou responder nada!", disse Bolsonaro durante sua live semanal.

jps/ek (ots)

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