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CiênciaJapão

Água radioativa de Fukushima é realmente inofensiva?

24 de agosto de 2023

Central de Fukushima começa a eliminar água residual acumulada na usina, 12 anos após acidente nuclear. Governo japonês e empresa Tepco afirmam que despejo no mar não representa perigos. Ambientalistas discordam.

Protesto contra despejo de água contaminada de Fukushima diante da embaixada do Japão na Coreia do Sul
Protesto contra despejo de água contaminada de Fukushima diante da embaixada do Japão na Coreia do SulFoto: Jung Yeon-je/AFP

Os engenheiros da central nuclear de Fukushima darão início nesta quinta-feira (24/08) ao despejo no mar da água residual acumulada na usina, 12 anos após um dos piores acidentes nucleares da história.

É difícil ter uma discussão objetiva sobre a eliminação da água radioativa da usina de Fukushima. Até porque numerosos escândalos e uma política de informação pouco transparente reduziram severamente a confiança na antiga operadora, Tepco, e no governo japonês, com suas complexas conexões com a indústria nuclear. Também reduzido, entretanto, costuma ser o conhecimento sobre o que será realmente despejado no mar.

Desde o devastador tsunami de 2011, esgotaram-se as capacidades de armazenar água não filtrada na ruína atômica. Pois os reatores destruídos continuam precisando ser refrigerados, o que exige cerca de 170 toneladas diárias de água. Além disso, chuva e água subterrânea penetram nas instalações: no momento já há 1,343 bilhão de metros cúbicos em 1.046 tanques.

Após a filtragem, um túnel de um quilômetro de extensão leva a água classificada como inofensiva até o Oceano Pacífico, enquanto os restos altamente radioativos permanecem em terra. Estima-se que esse escoamento vá se prolongar por 30 anos.

Trítio, o radioisótopo teimoso

O Departamento de Controle Atômico do Japão e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) decidiram que o país preenche os padrões de segurança internacionais e sancionaram os planos de escoamento. A AIEA alega que os efeitos sobre os seres humanos e o meio ambiente são "negligenciáveis", e que há décadas usinas nucleares de todo o mundo despositam rotineiramente no mar sua água de refrigeração.

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Entretanto ambientalistas, pescadores e também os países vizinhos acusam as autoridades japonesas de minimizarem a taxa radioativa do líquido. Eles temem contaminação do oceano em ampla escala, riscos ambientais, quedas de faturamento dramáticas e enormes danos de imagem.

Antes do despejo, água contaminada e subterrânea passa pelo sistema de filtragem Advanced Liquid Processing System (ALPS), capaz de separar 62 radioisótopos, mas não o trítio. Por isso a Tepco dilui o líquido até a concentração desse isótopo baixar a cerca de 1.500 becquerels por litro, ou 1/40 da norma de segurança nacional. Se após a filtragem as taxas seguem altas demais, a firma repete o processo.

Que perigo apresenta o trítio?

O trítio é um isótopo do hidrogênio. Apesar de radioativo, não é nem de longe tão perigoso quanto o césio 137 ou o estrôncio 90: enquanto emissor beta de baixa energia, basta uma película plástica ou a pele humana para isolar a maior parte da radiação.

Em 2013, o radioecologista Georg Steinhauser, da Universidade Técnica de Viena, pôde retirar amostras em torno da ruína atômica de Fukushima. Ele considera o despejo no mar a destinação mais segura para os dejetos: "Quem tem medo do trítio não está suficientemente esclarecido. Ele não representa perigo para os humanos ou o meio ambiente se for diluído bem lentamente para dentro do mar, sobra só uma fração do que já está lá devido aos testes de armas atômicas."

Também Burkhard Heuel-Fabianek, diretor do departamento de proteção radioativa do Centro de Pesquisa de Jülich, considera o despejo no Pacífico "radiologicamente inofensivo", mesmo se o trítio penetra no organismo, o risco é minimo, afirma, pois ele quase não é absorvido.

Reator danificado de Fukushima continua exigindo refrigeração, 12 anos depois da catástrofeFoto: Kyodo via REUTERS

"Como o trítio é praticamente parte da água, o corpo o expele relativamente depressa, ele não tem grande impacto biológico, como outras substâncias." Bem diferente de quando substâncias cancerígenas penetram no organismo humano: "O estrôncio 90 é incorporado na estrutura cristalina dos ossos, e aí não se consegue mais extraí-lo."

O radioecologista Steinhauser defende um velho provérbio inglês: "The solution to pollution is dilution – a solução da poluição é a diluição: se se dilui alguma coisa até se tornar inofensiva, então ela é inofensiva." Ele tampouco vê perigos ambientais no procedimento.

"O trítio não se reacumula progressivamente, não é como o mercúrio nos atuns. Ele é hidrogênio radioativo em forma de molécula d'água. Essa água radioativa não se acumula em nenhuma alga, nenhum plâncton, mas sim continua se diluindo mais e mais."

Responsáveis tentam minimizar o problema?

A ONG ambientalista Greenpeace afirma que Tóquio e a Tepco estariam tentando minimizar as taxas de radiação, acentuando o menos perigoso trítio a fim de distrair de outros radioisótopos que permanecem na água mesmo após o tratamento.

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"O governo japonês fez muito bem o trabalho de concentrar a atenção da mídia e do público nacional no trítio, afirmando que ele não representa perigo ambiental", critica Shaun Burnie, especialista em assuntos nucleares da Greenpeace. "A água contaminada contém numerosos radioisótopos, que sabidamente afetam o meio ambiente e a saúde humana, inclusive estrôncio 90."

Segundo Burnie, documentos internos vazados da Tepco provariam que, mesmo após a limpeza, não foi possível reduzir a "níveis não comprováveis" elementos radioativos como iodo, rutênio, ródio, antimônio, telúrio, cobalto e estrôncio. Além disso, o sistema ALPS não seria apto a filtrar o igualmente radioativo carbono 14.

Em vez da solução mais barata e rápida adotada pela operadora, ambientalistas propõem duas alternativas: instalarem-se tanques adicionais, ou fazer evaporar a água contaminada.

Steinhauser considera a primeira sugestão boa, sobretudo considerando-se o elevado risco de terremotos na região: "Se esses tanques começarem a vazar e o conteúdo percolar para a água subterrânea, aí esse trítio vai ficar relativamente pouco diluído no solo."

Por sua vez, aquecer a água contendo trítio e liberar na atmosfera o vapor resultante é um processo conhecido: a taxa máxima permissível fica em trono de cinco becquerel por litro de ar. Porém certos cientistas consideram a opção problemática, por ser mais difícil controlar o hidrogênio assim liberado, pois ventos podem carregar a nuvem radioativa para locais distantes.

O radioecologista Steinhauser está entre os céticos: "Mesmo se tratando de concentrações pequenas e sendo inofensivo, fazer [o trítio] desaparecer no oceano é mais inofensivo ainda. Canalizar a água de refrigeração para o mar, eu considero a solução mais segura para o meio ambiente e a humanidade. É o que recomendam muitos, também a AIEA."

 

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