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Ânforas: de recipiente descartável a tesouro arqueológico

Kristina Reymann-Schneider | Augusto Valente
14 de agosto de 2023

Do Neolítico à Idade Média, recipientes de terracota eram indispensáveis no transporte de comestíveis. Baratas, descartáveis, porém altamente duráveis, ânforas são testemunho de rotas comerciais e hábitos alimentares.

Ânforas em museu do Chipre
Forma das ânforas era pensada para o transporte em naviosFoto: Martin Moxter/imageBROKER/picture alliance

O termo há muito caiu em desuso no dia a dia, mas o Dicionário Houais explica: ânfora é um "vaso cerâmico, bojudo, de gargalo estreito e base pontiaguda, com um par de asas simétricas para facilitar o transporte, usado pelos antigos gregos e romanos".

Empregadas desde o Neolítico (10.000 a.C.-4500 a.C.) até a Idade Média, as ânforas eram as embalagens one-way (fabricadas para serem usadas uma única vez) da Antiguidade. Com capacidades de cinco a 80 litros, nelas transportavam-se todo tipo de gêneros alimentícios: de azeite, vinho, mosto, mel, cereais e azeitonas, a vegetais em conserva e garo – um condimento de peixe tão apreciado na cozinha romana quanto hoje o molho de soja na asiática.

Por isso, esses modestos recipientes descartáveis fornecem informações arqueológicas valiosas sobre milênios passados.

Uma ânfora só não fica em pé

Uma característica essencial são as alças duplas às quais os recipientes deviam seu nome: amphoreus significa em grego "que pode ser carregado de ambos os lados". Além disso, com seu fundo pontiagudo, as ânforas só ficam em pé se enterradas no chão ou montadas num tripé.

Mais do que elegante, essa forma tinha finalidade funcional: como eram produzidas para o comércio, assim se facilitava seu transporte em navios, onde eram armazenadas lado a lado ou umas sobre as outras. Grandes veleiros levavam a bordo até 10 mil ânforas.

Embalagens descartáveis dos antigos

É curioso imaginar, daqui a 400 anos, arqueólogos analisando latas de cerveja amassadas ou garrafas de plástico e expondo-as em museus. Mas as ânforas não são tão diferentes assim dos recipientes modernos: elas eram as embalagens one-way da Antiguidade. Excetuados os modelos mais elaborados, artísticos, elas vinham em tamanhos-padrão – uma espécie de norma ISO –, custavam pouco para fabricar e só serviam ao transporte dos comestíveis.

Mosaico do século 6º da Turquia: recipientes continham azeite, vinho, mosto, mel, cereais e azeitonas, entre outrosFoto: Paul Williams/Funkystock/imageBROKER/picture alliance

Inscrições nos vasos (epígrafes) indicavam seu peso, procedência, conteúdo e o exportador que os enviara. Quando os navios mercantes chegavam ao porto, as ânforas eram esvaziadas. Tendo assim cumprido sua função, ou eram imediatamente despedaçadas e jogadas fora, ou recicladas – por exemplo, como latrinas, ataúdes ou material de construção barato.

De caco inútil a testemunho arqueológico valioso

Depois de cumprir seu papel, as ânforas eram praticamente sem valor. Aquelas em que se transportara óleo – e na zona do Mar Mediterrâneo consumiam-se quantidades gigantescas de azeite de oliva – não serviam para mais nada e deviam ser eliminadas.

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Proporcionalmente grande era a quantidade de recipientes de terracota despedaçados, seus cacos descartados no mar ou num aterro. Um desses "lixões" alcançou 40 metros de altura e ainda existe, como Monte Testaccio, em Roma. Embora hoje coberto de vegetação, calcula-se que sob sua superfície encontrem-se ainda cerca de 50 milhões de restos de antigas ânforas. Pois a argila cozida em forno não se decompõe nem depois de 3 mil anos.

Para os arqueólogos, tais aterros são um tesouro: seu conteúdo revela dados vitais sobre as rotas de comércio e os hábitos alimentares da época. Os dados inscritos, sobre origem e outros, são a prova de que mercadorias eram transportadas por todo o Império Romano, e exportadas até para a Índia e a Etiópia.

Alças dos dois lados são essenciais: "amphoreus" significa em grego "que se pode carregar de ambos os lados"Foto: Martin Siepmann/imageBROKER/picture alliance

O alemão que colocou ordem nos cacos

Confirmando a imagem dos alemães de amantes da ordem, foi justamente um deles a ordenar o caos dos cacos. Em 1872, após analisar incontáveiss restos de ânforas romanas do Monte Testaccio, o perito em epigrafia Heinrich Dressel (1845-1920) definiu mais de 40 tipos distintos, em parte utilizados até hoje na classificação.

Com base nos conteúdos e nas epígrafes dos objetos, ele determinou, por exemplo, que a ânfora oblonga "Dressel 1" levava vinho italiano, enquanto a "Dressel 20", abaulada, vinha da Espanha e continha azeite.

Deixe as ânforas em paz!

Como na Antiguidade as ânforas eram artigo de consumo em massa, e terracota é um material extremamente durável, elas continuam sendo encontradas, sobretudo no fundo do mar e em naves afundadas.

Ânfora não é suvenir! Levar uma para casa pode até dar cadeiaFoto: Florian Launette/maxppp/picture alliance

Mas quem encontra uma ao mergulhar na Itália, Grécia, Espanha ou Turquia deve deixá-la onde está e comunicar o achado às autoridades locais. Levar consigo até mesmo um pedaço constitui delito, pois tráfico de bens culturais para fora dos respectivos países é ilegal e punível com multas elevadas e prisão.

Para dar uma ideia: um homem cujos filhos encontraram fragmentos de ânforas ao mergulhar em Rodes, em 2019, durante as férias de verão, está ameaçado com até dez anos de cárcere, por ter levado de suvenir alguns dos cacos de terracota.

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