Pouco abordados até aqui, graves problemas econômicos do Brasil podem se tornar decisivos no segundo turno e são uma chance para Haddad. Mas ele teria que se despedir da receita adotada pelo PT, afirma Alexander Busch.
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Continua em aberto qual dos dois candidatos presidenciais vencerá o segundo turno, dentro de três semanas – apesar da atual guinada direitista no Brasil e da grande dianteira nas urnas obtida pelo militar da reserva Jair Bolsonaro em relação a Fernando Haddad, o representante do PT.
Em minha opinião, é no campo da economia que a eleição vai se decidir, nas próximas semanas. Até agora, questões econômicas foram pouco ou nada abordadas na campanha eleitoral. Bolsonaro se define como reformador neoliberal esclarecido, apresentando o banqueiro de investimentos Paulo Guedes como seu guru da economia e futuro ministro.
Guedes funcionou, até o momento, sobretudo como a desculpa perfeita para que empresários e investidores se colocassem ao lado de Bolsonaro, apesar dos ataques deste contra mulheres, gays, afrobrasileiros e sua glorificação da tortura e da repressão.
Nas próximas três semanas, Bolsonaro terá que mostrar o que realmente pretende na economia. Em seus 28 anos como deputado, ele votou principalmente pelos interesses corporativos de militares, funcionários públicos e empresas estatais, ou seja: por um mercado interno protegido e contra a abertura dos mercados.
Nas eleições para o Congresso e os governos estaduais, realizadas simultaneamente, os candidatos de direita tiveram um desempenho surpreendente. Entre eles estavam numerosos militares e policiais, mas também os oportunistas de sempre, que só nos últimos dias pegaram carona com Bolsonaro, aproveitando-se de sua popularidade crescente.
Nenhuma dessas novas personagens políticas na trilha bolsonarista é neoliberal. Assim como ele tem feito em sua carreira política até o momento, esses candidatos defendem sobretudo uma visão econômica em grande parte pouco distinguível da petista.
Afinal, também o PT deu seguimento a uma política econômica e financeira que, em vários aspectos, mostrou ser igual à da ditadura militar, com seu dirigismo, substituição de importações, endividamento elevado, fomento de campeões nacionais e tentativa frustrada de controle estatal sobre os juros e a inflação. O mesmo não valeu, porém, para a política social, onde os conceitos dos militares e do PT divergiam fundamentalmente.
Haddad pretende empregar exatamente essas velhas receitas e prosseguir de onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parou, em 2010. Ele promete até mesmo reverter as poucas reformas econômicas dos últimos dois anos. Apresentando-se como substituto de Lula, rechaça tanto os graves casos de corrupção que afetam o partido de Lula quanto a catastrófica política econômica da sucessora deste, Dilma Rousseff. No momento o PT tem tornado as coisas muito fáceis para Bolsonaro.
E, no entanto, Haddad teria uma chance contra o ex-militar. Ele teria que formular um mea culpa verossímil sobre o papel do PT nos escândalos de corrupção e na política econômica fracassada. Ele teria que apresentar uma equipe convincente para sua política monetária, financeira e econômica – ou, seja, dar uma guinada de 180 graus, como fez Lula em 2002, com a Carta ao povo brasileiro que lhe assegurou a vitória eleitoral. Mas, neste momento, não parece que Haddad tenha nem a coragem nem a convicção para tal mudança de curso.
Talvez ele se deixe inspirar pelo slogan de campanha de Bill Clinton, em 1992: "It's the economy, stupid" ["É a economia, seu idiota!", significando que a situação da economia de um país é decisiva para o futuro de um presidente ou candidato]. Com essa alusão à própria competência econômica, em poucos meses o candidato democrata conseguiu derrubar o presidente Georg H. W. Bush – extremamente popular após a primeira invasão do Iraque – e vencer a eleição.
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.