"É preciso ler 'Minha luta', de Hitler", diz sociólogo
Sarah Judith Hoffmann (av)28 de março de 2015
Leilão fracassado de exemplares autografados traz à tona na Alemanha debate sobre proibição do panfleto-biografia do ditador nazista. DW entrevista especialista sobre a suposta fascinação de um texto pouco conhecido.
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Minha luta (Mein Kampf) de Adolf Hitler é o livro tabu por definição. Banido na Alemanha desde o fim da Segunda Guerra Mundial, no último dia de 2015 ele cai em domínio público na Europa. Assim, estaria aberto o caminho para sua reedição, comentada ou não.
No entanto, órgãos governamentais querem manter a proibição, alegando tratar-se de um panfleto de incitação racista. Apenas recentemente o Instituto de História Contemporânea (IfZ, na sigla em alemão) conseguiu impor definitivamente sua intenção de lançar uma edição histórico-crítica.
O misto de panfleto e autobiografia que o futuro ditador nazista lançou em dois volumes, em 1925 e 1926, voltou agora às manchetes. Juntamente com outros itens hitleristas, uma casa de leilões de Los Angeles anunciava para esta quinta-feira (26/03) a venda online de dois volumes da primeira edição, assinados por Hitler e presenteados a um dos primeiros seguidores de seu Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores.
A casa de leilões classificava o lance inicial de 35 mil dólares como "um pouco cauteloso", considerando-se que um comprador pagou 64.850 dólares por um conjunto semelhante em 2014. No entanto, a transação não se concretizou, pois a "pechincha" não encontrou nenhum comprador.
A Deutsche Welle entrevistou o sociólogo Horst Pöttker, ex-docente de jornalismo da Universidade de Dortmund e professor emérito da Universidade de Hamburgo. Para o projeto Zeitungszeugen 1933-1945, de reprodução de matérias jornalísticas da era nazista, ele comentou trechos de Mein Kampf, mas sua publicação, planejada para janeiro de 2012, foi sustada.
DW: Uma edição autografada do Minha luta foi leiloada em Los Angeles, com lance inicial de 35 mil dólares. O que o senhor acha de leilões desse tipo?
Horst Pöttker: Isso é um comércio de relíquias obsceno. Sou totalmente contra, mas também sei, claro, que no contexto da livre economia é impossível proibir algo assim.
O que aparentemente se pode proibir é a publicação na Alemanha do panfleto agitador de Hitler. A partir de 1º de janeiro de 2016, caem os seus direitos autorais. Ainda assim, em meados do ano passado, as secretarias estaduais de Justiça alemãs decidiram seguir interditando a divulgação do livro. O que o senhor pensa dessa decisão?
É preciso tomar cuidado com a palavra "proibir". Não é proibido ler esse livro: pode-se vê-lo em bibliotecas. Tampouco existe uma lei penal proibindo sua reedição. Mas há direitos autorais, e eles ficam no nome do autor da obra por 70 anos [após sua morte].
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, os Aliados transferiram os direitos de Mein Kampf da Editora Eher para o estado da Baviera. Dentro de uns nove meses, o livro entra em domínio público. Se os secretários de Justiça deliberaram proibir a reedição em alemão e na Alemanha, eles precisam fazer uma lei que proíba a difusão. Até agora, não vi isso acontecer.
Os secretários da Justiça dizem que o crime de incitação popular basta para impedir uma publicação. O senhor concorda que o livro contém incitação?
Não concordo, pois, na minha opinião, esse livro é um documento histórico. Não é um texto político atual. Podem-se declarar anticonstitucionais textos redigidos após a entrada em vigor da Constituição: o que foi feito antes são documentos históricos.
De resto, não considero inteiramente procedente o termo "panfleto de incitação popular", pois, em parte, ele não é tão incitador assim. Conhecer esse livro é útil para entender por que tanta gente seguiu o nazismo nos anos 1930 e também 1920.
O então presidente Theodor Heuss já dizia na década de 50 que se devia publicá-lo, para que os alemães soubessem como os nazistas pensavam e de que crimes eram capazes.
Qual é o conteúdo de Minha luta?
A argumentação que permeia o livro é a ideologia racial. Em primeira linha, trata-se da luta entre as "raças" germânica e judaica. A "raça judia" é, para Hitler, o principal inimigo, que cabe combater e exterminar, em nome da autopreservação.
Portanto, já em 1925, quando ele foi lançado, se podia saber que os nazistas planejavam exterminar a "raça judia". Até o fim da guerra, foram impressos 13 milhões de exemplares. O argumento de muitos alemães, depois de 1945, de que as pessoas não sabiam de nada, é, assim, improcedente.
O Instituto de História Contemporânea de Munique trabalha há anos numa edição comentada, que, depois de muito vaivém, possivelmente vai sair no início de 2016. Não seria esta a solução certa, impedir edições não comentadas, mas permitir as comentadas?
Não precisamos de uma edição histórico-crítica – muito menos de uma que custa tanta verba pública –, porque não temos necessidade de saber o que o autor Adolf Hitler queria dizer exatamente. "Histórico-crítico" também significa, afinal, compreender diferentes camadas do desenvolvimento do texto. Será que filologia textual é realmente importante, aqui? Na minha opinião, é importante um público amplo finalmente ficar conhecendo o conteúdo desse livro e desenvolver uma avaliação realista, criticamente fundamentada.
O senhor mesmo trabalhou há alguns anos num comentário de Mein Kampf para o projeto Zeitungszeugen, antes que ele fosse sustado pela secretaria de Finanças da Baviera. Qual era a intenção do Zeitungszeugen, ao publicar o panfleto do ditador e genocida?
Nós havíamos planejado três brochuras com excertos de Minha luta, comentados por mim. Minha meta era esclarecer a respeito desse livro e responder à pergunta: por que tantos alemães o compraram e leram. E por que seguiram o que constava dele. Eu queria examinar os argumentos aparentemente atraentes de Hitler, buscando sua pertinência, e mostrar, justamente, que eles não são pertinentes, por só serem plausíveis no contexto de uma ideologia brutalmente racista.
Eu temo que, no momento em que esse livro seja lançado, ele adquira uma certa atratividade, por todos estarem munidos da falsa noção de que se trata exclusivamente de um panfleto grosseiro, onde o mal se anuncia imediatamente, por toda parte. Não se devia tê-lo mantido tabu por tanto tempo. Eu queria combater isso com a publicação dos trechos e das explicações.
Em outros países, a difusão de Mein Kampf não é, em absoluto, problemática – veja-se o leilão de uma edição autografada nos Estados Unidos. Por que os alemães têm tantos problemas com o livro de Hitler?
Impedir que esse livro seja lido por muitos na Alemanha, fazendo justamente uso do direito autoral, é um absurdo. Isso quase lança a tese de que os alemães são mais seduzíveis do que outras nações. Eu, realmente, torço para que os nossos políticos não sejam dessa opinião, mas sim que – 70 anos após o fim desse terrível regime – confiem que os alemães possuem maturidade suficiente.
Pode-se comprar o livro por todo o mundo em traduções; com as tecnologias digitais é até bem fácil ter acesso a elas. Não percebo o que se pretende com a planejada proibição. Quem vem da [extrema] direita, consegue o livro, de qualquer jeito.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
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1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.