Índia e Paquistão buscam lucros políticos após conflito
Shamil Shams | Murali Krishnan Nova Déli | Haroon Janjua Islamabad
14 de maio de 2025
Tanto na Índia como no Paquistão, governos e militares reivindicam vitória após cessar-fogo e tentam usar a crise para reforçar seu apoio interno.
No Paquistão, manifestações de apoio aos militares tiveram um fervor nacionalista exaltadoFoto: SHAHID SAEED MIRZA/AFP
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Até poucos dias atrás, o Exército do Paquistão era criticado em todos os setores da sociedade paquistanesa, sendo acusado de se intrometer na política do país. Muitos paquistaneses acusavam os generais de manipularem as eleições de 2024 para manter o ex-primeiro-ministro Imran Khan longe do poder. As críticas miravam sobretudo o chefe do Exército por seu papel na prisão de Khan. O Exército sempre negou as acusações.
"Estamos enfrentando tantos problemas por causa do Exército", disse um motorista de táxi em Karachi à DW há um mês. "Eles estão mantendo Khan atrás das grades porque ele desafiou o domínio dos militares."
Mas tudo mudou após o ataque mortal contra turistas hindus na cidade de Pahalgam, na Caxemiraadministrada pela Índia, em 22 de abril, no qual 26 pessoas, a maioria homens hindus, foram mortas.
O ataque foi reivindicado por um grupo que se autodenomina Resistência da Caxemira, também conhecido como a Frente de Resistência (TRF, na sigla em inglês) e que a Índia afirma estar ligado ao Lashkar-e-Taiba (LeT), uma organização terrorista segundo a ONU.
Dezenas de pessoas morreram nesses ataques, e o número de mortos aumentou quando o Paquistão retaliou com seus próprios ataques, dois dias depois.
Militares paquistaneses em alta
O analista político Naazir Mahmood diz que regimes impopulares costumam se beneficiar desse tipo de conflito militar. "Após o ataque da Índia, até mesmo os críticos dos militares paquistaneses, geralmente liberais e seculares, exigiram que Islamabad desse uma lição a Nova Delhi", comenta.
Um cessar-fogo foi declarado no sábado passado, e tanto a Índia quanto o Paquistão reivindicaram vitória no conflito, com cidadãos apoiando seus governos.
No Paquistão, usuários de redes sociais têm elogiado as Forças Armadas com um fervor nacionalista exacerbado. Em algumas cidades, pessoas foram às ruas para "celebrar o sucesso" das Forças Armadas paquistanesas sobre as forças indianas.
Mariam Hassan, uma médica de 36 anos de Laore, disse à DW que tinha orgulho da atuação do Exército paquistanês. "Protegemos nosso país e não saímos fracos [do conflito]. Abatemos caças indianos e atacamos a Índia em vários lugares", declarou, referindo-se às alegações de Islamabad.
O analista Mahmood diz que as Forças Armadas recuperaram força dentro do país. "Embora os militares já controlassem todas as esferas da governança, seu controle sobre a política ficará mais forte", avalia.
O jornalista paquistanês Farooq Sulehria diz não haver maneiras de medir o quanto os últimos combates impulsionaram a popularidade dos militares, mas que postagens em redes sociais e comentários na imprensa deixam claro que há uma tendência ascendente.
"O que se deve entender é que o apoio aos militares surge de um sentimento anti-Índia. Os militares agora apresentarão essa breve guerra como um triunfo deles. Ela será usada para construir uma imagem", diz Sulehria.
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A narrativa do "defensor dos hindus"
Na Índia, nacionalistas também retratam o episódio como um triunfo do primeiro-ministro Narendra Modi e de seu partido, o nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP). O ataque em Pahalgam gerou enorme pressão sobre o governo de Modi para retaliar e punir os responsáveis e seus apoiadores.
"Para a Índia e o primeiro-ministro Modi, o ataque de 22 de abril precisava de uma resposta, ainda mais depois de a oposição e os usuários de redes sociais exibirem clipes de Modi repreendendo o ex-primeiro-ministro Manmohan Singh [pela falta de resposta] após o ataque terrorista de 26/11 em Mumbai, em 2008", diz o oficial aposentado da Marinha indiana Uday Bhaskar.
"Modi teve que provar que pode liderar a Índia para entrar [no Paquistão] e atacar. Essa narrativa reforça a imagem de uma 'Índia liderada por Modi' como assertiva, vigorosa e de tolerância zero com o terrorismo jihadista. Isso leva à narrativa de 'defensor dos hindus', que traz benefícios eleitorais", sublinhou Bhaskar. A próxima eleição legislativa em Bihar será um teste dessa tese.
Porém, o cessar-fogo mediado pelos EUA irritou os nacionalistas hindus na Índia, de acordo com a analista Shanthie Mariet D'Souza, presidente do Instituto Mantraya de Estudos Estratégicos. "Não acho que o cessar-fogo seja aceitável para todos os grupos nacionalistas indianos, pois ele ficou muito aquém das expectativas deles de infligir perdas ao Paquistão", avalia.
Mais repressão
Especialistas afirmam que, apesar dos sentimentos ufanistas em ambos os países, serão os cidadãos das duas nações que arcarão com os efeitos do conflito. "A interferência dos militares paquistaneses na política aumentará ainda mais, e o espaço para os políticos diminuirá ainda mais", resume Mahmood.
O conflito também terá um custo econômico para os paquistaneses. "O governo deve apresentar o orçamento anual em junho e já anunciou que planeja aumentar substancialmente o orçamento de defesa. Já os fundos de desenvolvimento serão reduzidos. Vejo os militares governando o país com mão de ferro nos próximos anos."
Para Sulehria, o cenário atual não é um bom presságio para os direitos civis no Paquistão. A repressão a movimentos populares nas províncias do Baluchistão e Khyber Pakhtunkhwa deverá aumentar. "As autoridades recorrerão a medidas mais repressivas em todo o país", diz.
O mês de maio em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Francesco Sforza/REUTERS
Israel intensifica ataques enquanto mantem bloqueio a Gaza
Defesa Civil palestina relatou mais de 100 mortes em apenas um dia em ataques israelenses à Faixa de Gaza, onde a crise humanitária e a escassez de recursos atingem níveis cada vez mais alarmantes. ONU alerta que estoques de alimentos, água potável, combustíveis e medicamentos atingiram níveis extremamente baixos. (15/05)
Foto: Hatem Khaled/REUTERS
Alemanha prende três por planejarem atos de sabotagem
O Ministério Público da Alemanha anunciou a prisão de três cidadãos ucranianos, dois deles na Alemanha e um na Suíça, por suspeita de atuarem como agentes da Rússia para realizar atos de sabotagem com explosivos no transporte de cargas alemão. (14/05)
Foto: Uli Deck/dpa/picture alliance
Morre "Pepe" Mujica, o presidente mais humilde do mundo
O ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica morreu aos 89 anos. Ele estava em estágio terminal de um câncer de esôfago e recebia cuidados paliativos. Sua morte foi informada pelo atual líder do país sul-americano, Yamandu Orsi. Líderes do mundo inteiro se despediram do ex-guerrilheiro uruguaio. (13/05)
Foto: Gerardo Vieyra/NurPhoto/IMAGO
Hamas anuncia libertação de refém israelense-americano
O braço armado do Hamas informou que libertou o soldado israelense-americano Edan Alexander, de 21 anos, que havia sido mantido como refém em Gaza desde 7 de outubro de 2023. A libertação ocorreu "após contatos com a administração dos EUA, no âmbito dos esforços dos mediadores para chegar a um cessar-fogo", disse a organização terrorista palestina em comunicado (12/05).
Foto: Ohad Zwigenberg/AP/dpa/picture alliance
Primeira bênção dominical do papa Leão 14
Em sua primeira bênção dominical na Praça de São Pedro, o papa Leão 14 pediu uma paz genuína e justa na Ucrânia e um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. "Depois desse cenário dramático de uma terceira guerra mundial em pedaços, como tantas vezes afirmou o papa Francisco, eu me dirijo também aos grandes do mundo, repetindo o apelo sempre atual: nunca mais a guerra", afirmou o pontífice. (11/05)
Foto: Vatican Media/ZUMA Press/IMAGO
Macron, Merz, Starmer e Tusk visitam Kiev
Os líderes do Reino Unido, Keir Starmer, da França, Emmanuel Macron, da Alemanha, Friedrich Merz, e da Polônia, Donald Tusk, se encontraram com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em Kiev, uma demonstração conjunta de apoio à Ucrânia. A visita ocorre um dia após o presidente russo, Vladimir Putin, receber aliados no evento que marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra em Moscou. (10/05)
Foto: LUDOVIC MARIN/POOL/AFP/Getty Images
Leão 14 celebra sua 1ª missa como novo papa
O papa Leão 14 celebrou sua primeira missa após ter sido escolhido como o novo líder da Igreja Católica. O missionário agostiniano retornou à Capela Sistina, onde ocorreu o conclave, para celebrar a missa na presença dos cardeais. Na homilia, disse que foi eleito para que a Igreja possa ser um "farol" para iluminar as regiões do mundo onde haja falta de fé. (09/05)
Foto: VATICAN MEDIA/Handout/AFP
Cardeal americano Robert Prevost é eleito novo papa
O conclave elegeu o cardeal americano Robert Prevost, de 69 anos, como o 267º papa da Igreja Católica. Missionário agostiniano, ele é o primeiro pontífice nascido nos EUA da história. Em seu primeiro discurso aos fiéis, homenageou o papa Francisco, pediu construção de pontos e paz a todos os povos. (08/05)
Foto: Guglielmo Mangiapane/REUTERS
Começa o conclave que irá eleger o novo papa
Cardeais de todo o mundo estão reunidos no Vaticano para eleger o próximo líder da Igreja Católica.133 cardeais de 71 países estão aptos a votar no maior e mais geograficamente diverso conclave em 2 mil anos de história. Ao fim do primeiro dia, fumaça preta na chaminé da Capela Sistina indicou que não houve consenso em torno de um novo nome. (07/05)
Foto: Gregorio Borgia/AP/picture alliance
Merz toma posse após tropeço histórico no Bundestag
O Bundestag (Parlamento) elegeu oficialmente, em segunda votação, o conservador Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), como o novo chanceler federal do país Ele é o terceiro membro da CDU a chefiar o governo alemão desde a reunificação do país, em 1990. O conservador conseguiu o feito inédito de não conseguir se eleger na primeira rodada de votação (06/05).
Foto: Lisi Niesner/REUTERS
Israel se prepara para ampliar ofensiva militar em Gaza
O gabinete de segurança de Israel aprovou um plano para expandir as operações militares em Gaza, incluindo a "conquista" do território palestino e a pressão para que residentes se desloquem para o sul. No domingo, militares israelenses já haviam iniciado uma convocação em massa de reservistas para ampliar a ofensiva contra o Hamas na Faixa de Gaza. (05/05)
Foto: Omar Ashtawy/ZUMAPRESS.com/picture alliance
Míssil disparado do Iêmen cai perto do aeroporto de Tel Aviv
O Aeroporto Internacional de Ben Gurion, na região de Tel Aviv, foi alvo de um ataque de míssil. Os rebeldes Houthis, do Iêmen, grupo aliado do Hamas, reivindicaram a autoria do ataque, que causou interrupção no tráfego aéreo. O exército israelense reconheceu que não conseguiu interceptar o míssil. (04/05)
Foto: Ohad Zwingenberg/AP/dpa/picture alliance
Austrália: esquerda reelege premiê em meio a onda anti-Trump
O primeiro-ministro da Austrália, o trabalhista Anthony Albanese, proclamou a vitória de seu partido nas eleições gerais. Ele se tornou, assim, o primeiro chefe de governo a conquistar um segundo mandato consecutivo de três anos em 21 anos. "Os australianos escolheram enfrentar os desafios globais do jeito australiano, cuidando uns dos outros e construindo o futuro", disse Albanese. (03/05)
Foto: Rick Rycroft/AP Photo/picture alliance
Inteligência alemã classifica AfD como extremista de direita
A inteligência interna da Alemanha classificou sigla de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) como uma "organização comprovadamente extremista de direita" que ameaça a democracia e viola a dignidade humana ao tentar excluir grupos populacionais, como os imigrantes. A medida permite às agências de segurança monitorarem de forma mais incisiva o partido. (02/05)
Foto: dts Nachrichtenagentur/IMAGO
Trabalhadores ao redor do mundo protestam no 1º de Maio
Redução de jornada, garantia de direitos e melhoria do ambiente de trabalho foram algumas das reivindicações de manifestações em todo o mundo no Dia do Trabalhador, como nesta em Daca, capital de Bangladesh. A data remonta ao início de uma greve em Detroit ocorrida em 1886, que resultou na prisão e morte de trabalhadores. (01/05)