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Íngrid Betancourt: "Às vezes, é impossível perdoar"

Astrid Prange (ca)25 de setembro de 2016

Após 52 anos de guerra civil, Colômbia sinaliza fim do conflito. Em entrevista à DW, ex-refém da guerrilha fala sobre os anos no cativeiro e o significado para o país do aguardado acordo de paz entre governo e Farc.

Íngrid Betancourt passou seis anos como prisioneira das Farc
Íngrid Betancourt passou seis anos como prisioneira das FarcFoto: AP

Íngrid Betancourt foi sequestrada pela guerrilha colombiana e mantida em cativeiro por seis anos na selva. Desde que foi resgatada, em julho de 2008, ela luta pelo fim da guerra civil em seu país. Poucos dias antes da assinatura do tratado de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), nesta segunda-feira (26/09), a repórter da DW Astrid Prange se encontrou com Betancourt em Paris, seu segundo lar.

A aparência dela era calma, amável e determinada. Mas, mesmo nesse momento repleto de esperança, o drama do sequestro e a política continuam determinando sua vida. Na entrevista à DW, ela falou sobre os anos no cativeiro, a capacidade de perdoar e o acordo de paz na Colômbia, ao qual muitos se opõem, disse.

"Na Colômbia, uma parte da sociedade está profundamente ligada à luta como meio de vida. Há o negócio belicoso que enriquece muita gente, há a política da guerra que dá poder a muitos líderes, e há a corrupção que depende dos combates", afirmou Betancourt.

Deutsche Welle: Qual foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça ao escutar sobre as negociações de paz entre o governo colombiano e os rebeldes das Farc, em 2012?

Íngrid Betancourt: Nós não nos surpreendemos realmente com a notícia. Mas mesmo que estivéssemos esperando, quando isso aconteceu, eu me vi muito emocionada. Eu me lembro de ter ido à Basílica de Sacré Cœur para agradecer, foi incrível, porque encontrei tantos outros colombianos fazendo o mesmo. Passamos algumas horas somente celebrando, nos abraçando e chorando.

Íngrid Betancourt em entrevista à repórter da DW Astrid PrangeFoto: DW/R. Casals

O que a ajudou a superar o sofrimento do cativeiro?

A voz da minha mãe pelas ondas de rádio foi a minha maior espécie de conselho de segurança. Ela me ajudou a ficar pensando que eu era um ser humano, que era amada e que era importante. Na selva, a fé também se torna algo bem real; isso me ajudou a entender o que estava acontecendo comigo e mudou minhas questões. No começo, eu indagava: por que eu? Mas então isso mudou para: como posso fazer o melhor disso? Como posso me tornar uma pessoa melhor? Como posso entender o que devo aprender aqui? Isso não teria sido possível sem a fé. Se você não acredita que Deus está ali e que há uma razão, se você não entende isso, então você está fadado a cair na amargura e na vingança.

Durante todos esses anos na selva, você teve medo de talvez nunca ser libertada?

Eu me lembro dos guardas dizendo que eu não seria libertada antes de ser avó. Isso me torturou no sentido de que eu passei a calcular a idade da minha filha, do meu filho e o que isso significava em termos de tempo. Emocionalmente, isso foi realmente muito doloroso. Mas eu sempre pensei que voltaria para casa um dia. Algumas vezes, essa casa era até mesmo a morte, porque isso era uma forma de escapar do controle da guerrilha, uma forma de libertação. Mas quando fui resgatada, como tudo aconteceu tão de repente e não tínhamos como prever o que estava para acontecer, a emoção foi enorme.

Você acha que o acordo de paz entre o governo colombiano e os rebeldes das Farc leva suficientemente em consideração o sofrimento das vítimas?

O que é suficiente? Nada é suficiente. No meu caso, o que poderia ser justiça para mim? Nada! Como substituir as pessoas de quem senti falta? Meu pai se foi enquanto eu estava em cativeiro. Como substituir os anos sem meus filhos? Então, não acredito que esta seja a pergunta certa.

Qual seria então a pergunta certa?

Para mim, a pergunta certa a se fazer e a se responder é: por que estamos fazendo isso? Acho que fazemos isso para que, no futuro, nenhum colombiano sofra o que sofremos. Temos a resposta certa, porque estamos salvando vidas. Estamos poupando traumas, protegendo famílias e dando aos colombianos a oportunidade de ser um país em paz.

Na minha geração, nunca vivenciamos o que isso significa. Como colombiana, a única maneira de me relacionar com meu país é através do sofrimento. Espero que meus filhos e meus netos se relacionem com um país lindo, de uma forma positiva e amorosa.

O povo colombiano será questionado em referendo se concorda com o acordo de paz. Por quê? Há muitos que se opõem ao acordo?

Por um lado, parece estranho que um país que sofreu tanto com a violência e a guerra discuta se quer ou não a paz. Mas, na Colômbia, uma parte da sociedade está profundamente ligada à luta como meio de vida. Há o negócio belicoso que enriquece muita gente, há a política da guerra que dá poder a muitos líderes, e há a corrupção que depende dos combates. As pessoas que votam "não" não podem dizer que querem a continuidade da guerra. Então, elas usam outros argumentos, e é isso o que está acontecendo.

O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, era considerado um linha-dura. Ele queria derrotar as Farc por meios militares. Agora, ele vai assinar um acordo de paz com os rebeldes. O que o fez mudar de ideia?

De fato, Juan Manuel Santos era um linha-dura, mas ele é um líder com uma reflexão sobre a história da Colômbia. E ele entendeu que, com a morte dos primeiros líderes das Farc – Manuel Marulanda, Raul Reyes, Alfonso Cano –, esses foram substituídos por pessoas mais jovens, que não tinham as mesmas habilidades militares, que estavam abertas a uma solução política. Ele aproveitou a oportunidade com uma contraparte que estava disposta a negociar a paz.

Você chegou a conhecê-lo?

Sim, muito!

Você o convenceu a mudar de idéia?

Não! Acho que ele estava realmente convencido de que esse era o caminho a seguir. E eu só posso aplaudir, porque há tantas forças locais que querem que a guerra continue, sem fim! Acho que ele é destemido e corajoso. Se for bem-sucedido em seu plano, será o colombiano que lembraremos na história.

Betancourt foi libertada das mãos das Farc em julho de 2008Foto: AP

Parece que a maior parte das vítimas, como você, está clamando por reconciliação. Você pode falar pela maioria delas?

Perdão é algo muito pessoal e íntimo. Perdão não é algo que se pode falar pelos outros, porque ele engloba não somente seu desejo e vontade, sua reflexão e intelectualidade, mas também suas emoções. E quem está no controle das próprias emoções? Eu ainda luto com as minhas! Então, mesmo que eu tenha me comprometido a perdoar, eu compreendo perfeitamente que outras vítimas sejam incapazes disso. Dependendo do sofrimento e da forma como se lida com isso, às vezes, é impossível perdoar.

Você acha que existe uma chance real de reintegrar os rebeldes das Farc à sociedade? Eles poderão garantir o próprio sustento em tempos de paz? Ou serão contratados pelos cartéis de droga?

Este é o grande desafio que enfrentamos como sociedade. Os colombianos são convidados a receber essas pessoas das Farc, que irão entregar suas armas e ser desmobilizadas. Eles [os ex-guerrilheiros] devem ser capazes de exercer uma atividade que seja digna, com a qual possam viver legalmente, fora da miséria e da pobreza.

Exemplos anteriores semelhantes a essa situação são o caso dos paramilitares. E esse foi uma espécie de fiasco, porque alguns líderes foram extraditados, e o resultado dessas extradições não foi muito claro, pois acabaram passando menos tempo na prisão do que passariam na Colômbia. Mais do que isso: muitas organizações paramilitares mudaram, simplesmente, de rótulo e se tornaram organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e também a outras atividades ilegais. A presença delas é perturbante para a segurança dos cidadãos ainda hoje na Colômbia.

Você sempre esteve envolvida com a política. Você pensa em concorrer à presidência na próxima eleição?

(sorrindo) De forma alguma! Eu nunca pensei em me candidatar para a presidência nem para um mandato no Parlamento.

Não há plano algum de voltar à política colombiana, mesmo se o presidente Santos lhe pedisse?

Não. Isso não quer dizer que eu não vá voltar. Mas as coisas podem mudar. Não tenho uma bola de cristal, então, não posso dizer nunca. Mas há outros fatores determinantes que fazem com que uma resposta a essa pergunta seja muito complicada.

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