Disputa entre Merkel e ministro do Interior chega a momento derradeiro. Rebelião conservadora em sua coalizão, com questão migratória como pano de fundo, pode derrubar governo e abrir crise histórica na política alemã.
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A maior crise dos quase 13 anos da era Angela Merkel mantém nesta segunda-feira (02/07) a classe política em Berlim em suspense, enquanto a chanceler federal tenta conter uma rebelião no bloco conservador de sua coalizão que pode fazer o atual governo desmoronar.
Por trás da rebelião está o veterano político bávaro Horst Seehofer, atual ministro do Interior e líder do partido União Social Cristã (CSU), que dá sustentação ao governo. Ele defende uma abordagem mais dura e mais independente de Bruxelas na questão migratória, em confronto direto com Merkel.
No domingo, Seehofer ameaçou renunciar, algo que pôs em dúvida a sobrevivência do governo. Demovido por seus correligionários, ele mantém nesta segunda uma reunião com Merkel, tida como o último ato de uma queda de braço que se estende há duas semanas. Uma decisão é esperada em até três dias, mas pode já sair nas próximas horas.
No momento, há basicamente dois cenários: um é Seehofer renunciar como líder do partido e ministro, mas a CSU continuar no governo. Merkel se salvaria; o outro é Seehofer tirar sua legenda da coalizão, pondo fim a uma coligação que vigora desde a Segunda Guerra.
O segundo cenário seria um terremoto político sem precedentes na Alemanha. Merkel não teria mais maioria no Parlamento para governar – sua União Democrata-Cristã (CDU) depende da CSU para manter o poder numa coalizão que também inclui o Partido Social-Democrata (SPD). A possibilidade de novas eleições não está descartada.
"Não me deixarei dispensar por uma chanceler que só é chanceler por minha causa", disse Seehofer nesta segunda-feira ao jornal Die Süddeutsche Zeitung.
Mas, independentemente do resultado, as últimas duas semanas confirmaram o desgaste de Merkel, desde 2015 assombrada pela questão migratória. A crise em Berlim é o mais recente sinal de divisão na União Europeia sobre como lidar com a chegada de refugiados. Ainda que tenha caído drasticamente nos último anos, o fluxo migratório continua a dar combustível a populistas de direita na Europa, que ganham terreno do establishment político.
Há duas semanas, Seehofer deu um ultimato a Merkel para que oferecesse uma fórmula para impedir a chegada à Baviera de solicitantes de refúgio já registrados em outros países europeus. Caso contrário, ameaçou rejeitá-los diretamente, algo que iria de encontro ao que se propõe a UE.
Por trás da demanda de Seehofer há uma questão de política interna: seu partido, a CSU, perdeu espaço na Baviera para o populista Alternativa para a Alemanha (AfD) e teme encolher ainda mais. Por isso a recente guinada mais à direita no discurso.
Merkel defendeu uma solução europeia para a questão colocada por Seehofer e alertou que qualquer ação unilateral poderia colocar em perigo um dos princípios da UE – o da livre-circulação.
A chanceler se viu então forçada a recorrer a vizinhos da União Europeiapara ajudar a resolver o conflito interno. Em Bruxelas, obteve o seguinte compromisso: os 28 países da UE acertaram que os refugiados resgatados no mar serão alojados em centros de recepção (ou "plataformas de embarque") na Europa. Além disso, avalia-se a possibilidade de abrir centros desse tipo no norte da África.
À margem das deliberações, Merkel acertou com a Espanha e a Grécia agilizar as devoluções de requerentes de refúgio que tenham sido registrados nesses dois países e afirmou ter assegurado o compromisso de outros 14 Estados para acelerar as devoluções.
Ao mesmo tempo, o plano de "plataformas de embarque" fora da UE é rejeitado pelo terceiro parceiro de coalizão em Berlim, o Partido Social-Democrata (SPD), assim como por diversos potenciais candidatos a abrigar os centros de recepção, entre os quais Albânia, Marrocos, Tunísia, Argélia e Egito.
Merkel disse que os acordos teriam o efeito de controle migratório desejado pela CSU, mas com uma dimensão mais europeia. "É a soma de tudo com o que nós concordamos é equivalente ao que a CSU quer", afirmou.
Segundo Seehofer, porém, as propostas no nível da UE são menos eficazes do que o que ele defende: controle de fronteiras e a rejeição de requerentes de refúgio já cadastrados em outros países europeus.
RPR/ots
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Eles desafiaram Merkel - ou pelo menos tentaram
Ao longo de sua carreira, chanceler alemã deixou para trás diversos oponentes, inclusive seu mentor político, Helmut Kohl. Mas ele não foi o único homem no caminho de Merkel.
Foto: AP
Helmut Kohl, antigo mentor
O que dizem esses olhos? Gratidão? Afeição? Ou um sentimento de: "Eu nunca vou te perdoar!" Em meio ao caso de caixa 2 da União Democrata Cristã (CDU), em 1999, a então secretária-geral Merkel instou o partido a "entrar na luta mesmo sem seu antigo cavalo de batalha". Isso selou fim político do então presidente honorário da CDU e mentor político de Merkel, Helmut Kohl, aqui em reunião de 2012.
Foto: Reuters
Seu chefe no Leste: Lothar de Maizière
Dizer que Angela Merkel passou para trás o último premiê da antiga Alemanha Oriental seria exagero. Mas Lothar de Maizière teve que assistir ao desmoronamento de seu antigo país enquanto sua jovem vice-porta-voz Angela Merkel acompanhava as conversações para o Tratado de Reunificação, apostando assim na carta certa.
Foto: cc-by-sa/Bundesarchiv
Roland Koch, mais à direita
Alguns nostálgicos sonhadores na coligação CDU/CSU associam o devaneio a um sério senhor de Hessen: o ex-governador Roland Koch era visto como uma figura de orientação conservadora na CDU. Acredita-se que ele tenha pertencido ao círculo chamado "Pacto Andino" (combinado num voo para o Chile), que se tornou uma panelinha dentro da União CDU/CSU. Merkel escapou ilesa.
Foto: picture-alliance/dpa
Friedrich Merz, futuro interrompido
Sim, o Sr. Merz. Ele tinha uma carreira brilhante pela frente: como ministro das Finanças, com certeza, talvez até mesmo como chanceler federal. Um homem de sagacidade afiada, ternos bem ajustados e boas conexões na União CDU/CSU. Merkel, porém, afastou o político da Vestfália, em 2001, da liderança da bancada parlamentar da aliança de partidos conservadores.
Foto: picture-alliance/dpa/B. von Jutrczenka
Norbert Röttgen: demitido
Na foto, o ex-presidente alemão Joachim Gauck (dir.) caminha ao lado de Angela Merkel na residência presidencial em Berlim, Palácio Bellevue. Por trás deles, vê-se o demissionário ministro do Meio Ambiente, Norbert Röttgen. Depois de perder a eleição para governador na Renânia do Norte-Vestfália como candidato da CDU e ter posto a culpa também em sua chefe, Röttgen caiu em desgraça e foi demitido.
Foto: dapd
Gerhard Schröder subestimou Merkel
Quando Schröder perdeu a eleição para Merkel em 2005, ele esperou, inicialmente, que seu Partido Social-Democrata (SPD) recusasse negociações com vista a uma grande coalizão de governo. "Que bom que vocês ainda me chamem de chanceler", bradava Schröder ainda na noite eleitoral, enquanto sua adversária já fazia as contas da aritmética do poder. Dois meses depois, Merkel era eleita chanceler.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Finck
Arranjo de Poder: Wolfgang Schäuble
Wolfgang Schäuble poderia ter sido alguém perigoso para Merkel. Mas Kohl não transferiu o poder para seu "príncipe-herdeiro". Um atentado que o deixou paraplégico e seu envolvimento no escândalo de doações da CDU em 2000 marcaram o fim de sua carreira como líder partidário e de bancada. Merkel o nomeou ministro das Finanças, mas frustrou suas aspirações ao cargo de chanceler federal.
Foto: picture alliance/AP Photo/M. Meissner
Edmund Stoiber, uma conta em aberto
Atualmente, Edmund Stoiber, ex-governador da Baviera pela União Social Cristã (CSU), pode ser visto em "talk shows" falando veementemente contra a política de refugiados de Merkel. A atual chanceler federal desistiu de sua candidatura nas eleições parlamentares de 2002 em prol de Stoiber, que parece ainda não ter se recuperado da derrota para Schröder. Ele nunca quis ser ministro sob Merkel.
Foto: picture-alliance/U. Baumgarten
Horst Seehofer, o rebelde
Na disputa pelo poder na Baviera, Horst Seehofer abriu o caminho para Markus Söder e aceitou o cargo de ministro do Interior em Berlim, ao lado de sua chefe, Angela Merkel, que ele humilhou publicamente num congresso da CSU em 2015. Quem precisa de inimigos quando se tem tal ministro? O que Seehofer quer? Menos refugiados ou menos Merkel?
Foto: Reuters/H. Hanschke
Era uma vez Martin Schulz
Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu (dir.), perdeu as eleições parlamentares de 2017 como candidato do SPD. A princípio, recusou-se a formar um governo com Merkel; depois, negou-se a formar um governo sem Merkel e, no final, saiu de mãos abanando. Como deputado em Berlim, nada mais lhe resta que assistir à chanceler governar – se Seehofer (c.) deixar.
Foto: Getty Images/C. Koall
Donald Tusk, amizade desbotada
Na foto, Merkel conversa com o presidente do Conselho Europeu, o polonês Donald Tusk (dir.). Ele foi durante muito tempo um importante aliado dos alemães, que também o ajudaram na sua ascensão tardia em Bruxelas. Recentemente, Tusk parece ter procurado distância, frustrando até mesmo tentativas de Merkel com vista a uma solução europeia para crise migratória, de acordo com correspondentes.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Macdougal
Jens Spahn veio para ficar
Jens Georg Spahn é: político da CDU, deputado federal, ministro alemão da Saúde, conservador – e, segundo escreveu a agência de notícias DPA em 2016, um "oponente da chanceler". Para surpresa de alguns analistas, Merkel decidiu trazer Spahn para seu gabinete. Se a intenção de Merkel foi "controlá-lo", funcionou melhor do que com o ministro do Interior, Horst Seehofer.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Alexander Gauland, antigo "correligionário"
O líder da bancada parlamentar da legenda populista de direita AfD, Alexander Gauland, foi um influente membro da CDU até 2013. Há poucas fotos comuns de Gauland e Merkel: não é o tipo de entorno que desperta o interesse da chanceler . Mas quando ele fala no Bundestag, ela às vezes escuta. E ela certamente ouve as vozes advertindo que o caos na União CDU/CSU beneficiou acima de tudo a AfD.