1906: Nasce a filósofa Hannah Arendt
Publicado 13 de outubro de 2004Última atualização 14 de outubro de 2018As obras de Hannah Arendt sobre o totalitarismo a tornaram uma das mais importantes pensadoras do século 20. Seu pensamento, textos e pesquisa científica foram motivados pela "necessidade de entender" – e isso significava para a escritora e filósofa compreender a realidade e com isso conseguir "estar em casa" no mundo, antes de obter efeitos concretos. No entanto, na avaliação de Arendt, o século 20 colocou esse desejo de entender frente a um desafio imprevisível, desencadeado pelo horror inconcebível dos sistemas totalitários.
Esses sistemas acabavam de explodir nitidamente todos os padrões de julgamento moral e negociações políticas válidos até então, tendo com isso provocado uma "crise da era moderna". A única forma de fazer justiça a essa situação seria, para Arendt, redefinir os fundamentos do agir e do julgar político. Freqüentemente as reflexões sobre política serviam também para a definição da própria posição em relação às suas experiências pessoais envolvendo o exílio, a guerra e as perseguições aos judeus.
Conscientização tardia sobre judaísmo
Nascida em 14 de outubro de 1906 em Linden, nos arredores de Hannover, a aluna exemplar cresceu em Königsberg (hoje Kaliningrado), em uma família de judeus influenciados pela social-democracia. Deles Arendt guardava as seguintes lembranças, citadas em uma conversa com Günter Gaus no ano de 1964:
"Eu não soube dentro da minha casa que sou judia. Minha mãe não era religiosa e meu pai havia morrido muito cedo. Parece muito estranho. Meu avô foi presidente da Comunidade Liberal e vereador de Königsberg. Venho de uma família tradicional. Apesar disso, a palavra 'judeu' não foi usada em nossa casa durante a minha infância. Tomei conhecimento dela pela primeira vez através de observações anti-semitas – nem vale a pena contar – feitas por crianças nas ruas. A partir daí fui, por assim dizer, instruída a respeito".
Em 1924, Hannah Arendt começou a estudar Filosofia, Teologia e Grego Clássico – estudos concluídos sob a forte influência dos professores Martin Heidegger e Karl Jaspers, que foi mais tarde o orientador de seu doutorado. A partir do interesse pelo Romantismo alemão, Arendt escreveu uma biografia crítica da judia Rahel Varnhagen, concluída em 1938 porém elaborada em grande parte em 1933, quando, nas suas próprias palavras, já tinha consciência do declínio do judaísmo alemão.
Atuação nos Estados Unidos
1933 foi também o ano em que Hannah mudou-se para Paris, para de lá emigrar em 1941 para os Estados Unidos, após ficar detida por algumas semanas no campo de concentração de Gurs, na região dos Pirineus, no sul da França. Nos EUA, Arendt apoiou temporariamente organizações humanitárias judaicas e trabalhou como jornalista apátrida, assinando colunas políticas para diversas revistas de Nova York, entre elas a publicação judaico-alemã Aufbau. Em vão, lutou pela formação de um exército judeu e defendeu uma reformulação do sionismo.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Hannah Arendt ocupou nos EUA cargos em editoras, trabalhou como escritora e mais tarde como professora convidada em várias universidades. Seu interesse pelas questões básicas da política cresceu cada vez mais. O primeiro reconhecimento de seu trabalho nos círculos especializados deu-se no início dos anos 50, em torno de suas pesquisas sobre "os elementos e as origens do domínio totalitário". Este é caracterizado por Arendt através das formas de organização do terror absoluto, que por sua vez exclui a liberdade individual e acaba por tornar supérflua a condição humana.
Em oposição ao domínio totalitário, Arendt redigiu sua obra filosófica mais significativa: Vita activa oder Vom tätigen Leben (traduzido para o português sob o título A condição humana). A obra é centrada na reconstituição do conceito de política, entendida aqui como chance e espaço para o desdobramento da liberdade entre as pessoas, que regulam a vida em comum através de atividades comunitárias e do reconhecimento da pluralidade do ser humano.
Sua polêmica reportagem sobre o julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, em 1961, foi motivo de uma série de controvérsias, entre outros motivos em função da afirmação: "A banalidade do mal, frente à qual a palavra falha e na qual o pensar fracassa". Arendt pretendia, no entanto, apenas ressaltar a dificuldade de um julgamento crítico frente à falta de critérios que, no entanto, eram indispensáveis.
Poder e violência, seus objetos de estudo
Como professora universitária em Chicago, desde 1967, e mais tarde também em Nova York, Arendt ocupou-se, até falecer em 1975, de suas pesquisas sobre "poder e violência". Além disso, dedicou-se à tarefa que lhe parecia urgente: esclarecer os critérios de valor do julgamento político independente daquele "mundo" de que ela falou ceticamente em seu discurso de 1959, ao receber o Prêmio Literário Lessing, oferecido pela cidade de Hamburgo, na Alemanha:
"Mas o mundo e os seres humanos que nele habitam não são a mesma coisa. O mundo está entre os homens, e esse 'entre' – mais do que, como se pensa com freqüência, os homens ou até mesmo o homem – é hoje o objeto da maior preocupação e do abalo mais evidente em praticamente todos os países do globo. Mesmo onde o mundo ainda está razoavelmente em ordem, ou é considerado como tal, o espaço público perdeu a luminescência, que originariamente fazia parte de sua mais própria essência."