1938: Otto Hahn descobre a fissão nuclear do urânio
Judith Hartl (gh)
Em 22 de dezembro de 1938, os físicos alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann conseguiram cindir um núcleo de urânio. Após o lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki, Hahn passou a lutar contra a corrida nuclear.
Anúncio
Japão, agosto de 1945. Mais de 300 mil pessoas morreram em consequência das bombas atômicas lançadas por aviões de guerra dos Estados Unidos sobre Hiroshima e Nagasaki. Segundo o físico alemão Carl Friedrich von Weizsäcker, "Hahn assustou-se profundamente ao ver sua descoberta sendo usada para produzir uma arma tão assassina – embora ele soubesse que, em princípio, isso era possível".
Depois do lançamento das bombas atômicas, Carl Friedrich von Weizsäcker temeu pela vida do amigo. Hahn dissera várias vezes que se suicidaria, caso a tecnologia da bomba atômica caísse nas mãos de Hitler.
Poucos anos antes, em 1938, físicos nucleares realizavam experimentos com urânio no Instituto de Química Kaiser Wilhelm, em Berlim. Bombardeavam átomos de urânio com nêutrons para produzir átomos ainda mais pesados, os chamados transurânios, inexistentes na natureza. Certo dia, a 22 de dezembro de 1938, Otto Hahn e seu colega Fritz Strassmann depararam-se com algo surpreendente: ao analisar o urânio por eles bombardeado, encontraram partículas de bário.
Segundo Carl-Richard von Weizsäcker, aconteceu o seguinte: "O bário é bem menor do que o núcleo de urânio e, se do urânio surgiu o bário, então é porque o núcleo explodiu. Foi exatamente assim que Hahn me explicou ao telefone sua inesperada descoberta".
A explosão do urânio representou a descoberta da fissão nuclear por Hahn. Mas quem decifrou definitivamente esse fenômeno químico foi Lise Meitner, uma pesquisadora que, durante 30 anos, trabalhara com muito sucesso com Hahn no instituto berlinense.
"Trabalhar com Otto Hahn era especialmente estimulante. O fato de ele ser o melhor radioquímico da época, e eu uma física para quem a mais simples equação química era mística, constituiu uma boa base e complementação para uma cooperação científica", disse Meitner, falecida em 1968.
Em 1938, a judia Lise Meitner teve de fugir da perseguição nazista para o exílio na Suécia. De lá enviou por carta a explicação histórica para os "curiosos resultados das análises" de Hahn. Segundo Weizsäcker, logo se tornou evidente que a fissão do urânio, induzida por nêutrons, possibilitava uma reação em cadeia capaz de liberar enorme quantidade de energia, e que seria possível construir o que hoje se chama de reator nuclear e a bomba atômica.
Anúncio
Instrumento de destruição
Pouco depois da descoberta de Hahn, Meitner e Strassman, a Segunda Guerra Mundial (1939–1945) eclodiu. Os estudos sobre energia nuclear desvirtuaram para a construção de armas nucleares. Nos Estados Unidos, o Projeto Manhattan, cujo setor científico foi liderado pelo físico Robert Oppenheimer, usou a reação nuclear em cadeia para detonar a primeira bomba atômica perto do laboratório de Los Alamos, em 1945.
Hahn continuou suas pesquisas nucleares na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, até ser capturado pelas Forças Aliadas e levado para a Inglaterra. Em 1944, recebeu o Prêmio Nobel de Química pela descoberta da fissão nuclear.
Sua colega e amiga Lise Meitner não obteve nenhum reconhecimento pelo seu trabalho. Em seu discurso de agradecimento, Hahn fez uma advertência contra a propagação de armas atômicas. Com sua descoberta, ele havia pisado em um terreno minado da política internacional. A segunda e a terceira bombas cairiam sobre Hiroshima e Nagasaki, selando a vitória americana na guerra.
Após o conflito, Oppenheimer tornou-se pacifista e lutou contra o uso das armas nucleares, sendo perseguido pelo governo americano. Já Hahn, em 1957, assinou juntamente com outros 16 renomados físicos nucleares (entre eles Max Born, Werner Heisenberg e Carl-Friedrich von Weizsäcker) a chamada Declaração de Göttingen. A maioria dos políticos, porém, ignorou esse manifesto antinuclear.
Franz-Josef Strauss, então ministro da Defesa da Alemanha, rotulou Hahn de "velho imbecil, que não consegue conter as lágrimas, nem dormir, quando pensa em Hiroshima". Mas o cientista manteve-se fiel a seus princípios. Lutou até a morte contra a corrida atômica, desencadeada pela descoberta da fissão nuclear. Morreu em 1968, aos 89 anos, em Göttingen.
Controvérsias no Prêmio Nobel
O Nobel tem, em várias categorias, dividido a opinião pública e gerado debates desde seu lançamento, em 1901. Conheça alguns dos casos mais controversos da história da premiação, de Friedman a Obama.
Foto: AP
O pai da guerra química
Um dos laureados mais contestados de todos os tempos foi o cientista alemão Fritz Haber. Ele ganhou o Nobel de Química em 1918 por descobrir como sintetizar a amônia, algo crucial para produzir fertilizantes que revolucionaram a produção de alimentos. Mas Haber também ficou conhecido como o "pai da guerra química", por ter desenvolvido o gás cloro, utilizado nas trincheiras da Primeira Guerra.
Foto: picture-alliance/akg-images
A bomba atômica
Outro cientista alemão, Otto Hahn (centro da foto), ganhou o Nobel de Química pela descoberta da fissão nuclear. Apesar de nunca ter trabalhado na aplicação militar de sua criação, ela levou diretamente ao desenvolvimento da bomba atômica. O Comitê Nobel queria dar o prêmio a Hahn em 1940, mas ele acabou sendo laureado em 1945, meses após as bombas nucleares terem atingido Hiroshima e Nagasaki.
Foto: picture-alliance/G. Rauchwetter
A descoberta que o mundo baniu
O cientista suíço Paul Müller levou o Nobel de Medicina em 1948 por descobrir que o composto químico DDT era capaz de matar insetos vetores de doenças perigosas, como a malária. O uso do pesticida durante e após a 2ª Guerra Mundial salvou milhões de vidas. Mais tarde, porém, descobriu-se que o pesticida era prejudicial à saúde. Atualmente, o uso agrícola do DDT é proibido mundialmente.
Foto: picture-alliance/dpa/UN
Um prêmio inconveniente
O Nobel da Paz talvez seja o mais controverso entre as categorias da premiação. Em 1935, o jornalista e pacifista alemão Carl von Ossietzky recebeu o prêmio por expor planos secretos para o rearmamento da Alemanha. Dois membros do comitê do Nobel renunciaram após a decisão. Ossietzky foi preso por traição, e Hitler acusou o prêmio de intromissão.
Foto: Bundesarchiv 183-R70579
O Nobel da (quase) paz
A decisão de dar o Nobel da Paz a Henry Kissinger, então Secretário de Estado dos EUA, e a Le Duc Tho, líder do Vietnã do Norte, em 1973, foi duramente criticada. Dois membros do comitê renunciaram em protesto. O Nobel estava reconhecendo os esforços para um cessar-fogo no Vietnã. Tho rejeitou o prêmio, Kissinger enviou um representante para recebê-lo. A guerra se estendeu por mais dois anos.
Foto: picture-alliance/dpa
O libertário e o ditador
Defensor do livre-mercado, o economista americano Milton Friedman é um dos vencedores mais controversos do Nobel de Economia. O prêmio, dado a ele em 1976, gerou protestos internacionais, por conta de um suposto vínculo com o ditador Augusto Pinochet. Friedman havia visitado o Chile um ano antes, e manifestantes alegaram que suas teorias econômicas inspiraram o regime opressor.
Foto: PD
O Nobel da paz ilusória
O Nobel da Paz de 1994, compartilhado pelo então líder palestino Yasser Arafat, o premiê israelense Yitzhak Rabin e o ministro do Exterior de Israel Shimon Peres, buscava alavancar o processo de paz no Oriente Médio. Mas as negociações falharam, e Rabin foi morto por um nacionalista israelense um ano depois. Um membro do comitê do Nobel renunciou após a decisão e chamou Arafat de "terrorista".
Foto: Jamal Aruri/AFP/Getty Images
Um livro de memórias turvas
Defensora dos direitos indígenas, a guatemalteca Rigoberta Menchú ganhou o Nobel da Paz em 1992 por “seu trabalho a favor da justiça social e da reconciliação étnico-cultural”. Mais tarde, sua autobiografia, publicada em 1982 e grande alavanca de sua popularidade, foi acusada de ter passagens fictícias. Por esse motivo, muitos argumentaram que Menchú não seria merecedora do prêmio.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Fernandez
Prestígio antecipado
Barack Obama ganhou o Nobel da Paz em 2009, e até ele próprio ficou supreso. Em seu primeiro ano como presidente dos Estados Unidos, Obama foi homenageado "por seus esforços extraordinários em fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos". Muitos alegaram que a homenagem foi prematura e que veio antes de ele ter, de fato, a chance de causar um verdadeiro impacto.
Foto: picture-alliance/dpa
Prêmio póstumo
Em 2011, Jules Hoffmann, Bruce Beutler e Ralph Steinman levaram o Nobel de Medicina pela descoberta de uma nova célula do sistema imunológico. Mas Steinman morreu de câncer alguns dias antes da premiação e, de acordo com as regras, prêmios não podem ser concedidos postumamente. O conselho decidiu manter os homenageados, alegando não ter conhecimento da morte de Steinman no momento da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/Rockefeller University
A maior omissão
Não só os vencedores são responsáveis por tornar o Nobel um prêmio controverso. Mahatma Gandhi, líder da luta pacífica pela independência da Índia, foi indicado cinco vezes ao Nobel da Paz, mas nunca ganhou. Em 2006, Geir Lundestad, membro do Comitê Nobel, disse: “A maior omissão nos nossos 106 anos de história é, sem dúvida, o fato de Gandhi nunca ter recebido o Nobel da Paz.”