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História

3 de junho de 1943

No dia 3 de junho de 1943, estreou no Théatre de la Cité, em Paris, "Les Mouches", versão moderna do drama de Eurípedes, sob a direção de Jean-Paul Sartre. Nazistas proíbem peça logo depois da estreia, na França ocupada.

Escritor e filósofo francês Jean-Paul SartreFoto: dpa

"O homem está condenado a construir o seu próprio destino". Foi com essa noção de livre arbítrio – um dos pilares do existencialismo – que Jean-Paul Sartre modernizou um antigo drama grego em As moscas (1943). A obra retoma o mito de Orestes e tem como tema central a liberdade de escolha e a responsabilidade na ação humana.

Segundo a mitologia grega, o jovem Orestes salvou sua cidade natal, Argos, dos remorsos que a cobriam, desde que sua mãe Clitemnestra e Egisto, atual rei e padrasto de Orestes, mataram seu pai, o rei Agamêmnon. Após o assassinato, Egisto e Clitemnestra assumiram o governo e tiranizaram o povo.

Com a ajuda do deus Júpiter, espalharam que a cidade seria castigada pelos deuses, por causa do assassinato de Agamêmnon. Devido aos remorsos do povo, Argos vivia constantemente inquieta com a presença de moscas que atacavam os habitantes. Essas moscas, que viraram título da peça de Sartre, são símbolo dos remorsos que corroíam os habitantes da cidade, injustamente culpados pela morte do rei.

Liberdade e responsabilidade

Após um longo período de ausência, Orestes retorna a Argos e, deparando-se com um cenário de terror e culpa, decide expiar os males da cidade e vingar a morte de seu pai, assassinando Egisto e Clitemnestra. Assume a responsabilidade pelo crime, dando voz à tese de Sartre, segundo a qual o homem é absolutamente livre e responsável por seus atos. Essa interpretação da tragédia grega deu pano para infindáveis discussões sobre a cumplicidade do homem com a tirania que o fere. "O homem é livre para não ser submisso", era uma das máximas de Sartre.

A vingança de Orestes é um ato de revolta contra Júpiter, um deus cujo poder se baseava na difusão do medo. Ele age conscientemente e não espera salvação. É um homem livre. "A liberdade é a obrigação mais absurda e inexorável. Orestes seguirá seu próprio caminho, sem responsabilidade nem desculpa, sem ajuda. Sozinho. Como um herói. Custe o que custar", explicou Sartre.

A adaptação do drama de Eurípedes por Sartre foi uma alegoria à ocupação da França pela Alemanha de Hitler. Na época em que escreveu a peça, a França estava paralisada pelo medo do terror nazista, exatamente como Argos. A submissão aos ocupantes alemães significava uma promessa de salvação. Revoltar-se parecia não sentido. Os partisans eram encarados como assassinos pelos próprios franceses. Cada ataque da Resistência Francesa era vingado pelos alemães com a execução de franceses escolhidos ao acaso. Para Sartre, porém, a liberdade não tinha preço.

Liberdade absoluta

Logo após a estreia no Théatre de la Cité, em Paris, a peça foi proibida pela administração militar alemã, mas depois da guerra ressurgiu nos palcos – inclusive na Alemanha. As moscas, porém, reavivava lembranças tão terríveis da repressão nazista que chegou a assustar parte do público e da crítica. Não foi a primeira obra em que Sartre defendeu a liberdade como absoluta. Um ano antes, havia publicado sua principal obra filosófica O ser e o nada, na qual defendia o "existencialismo ateísta", ou seja, "a liberdade total do ser humano através da responsabilidade própria, sem Deus, sem piedade nem arrependimento".

Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um dos intelectuais mais influentes do século 20. Sua produção foi fortemente marcada pela Segunda Guerra Mundial e pela ocupação nazista da França. Ele foi prisioneiro de guerra dos alemães e, depois de libertado, integrou a Resistência Francesa.

Em 1945, fundou e dirigiu a revista Les Temps Modernes, que exerceu enorme influência nos meios intelectuais. Simpatizante do Partido Comunista Francês (PCF), flertou na década de 1960 com o maoísmo e a revolução cubana. Apoiou os estudantes em maio de 1968 e aderiu ao grupo Esquerda Proletária, nos 70, mas manteve intacta sua lealdade para com Israel e se opôs à chamada causa palestina.

Sartre foi um dos principais expoentes do existencialismo, tendo sofrido forte influência de três filósofos: Soren Kierkegaard (1813-1855), considerado o pai do existencialismo, Edmund Husserl (1859-1938) e Martin Heidegger (1889-1976). Sua obra literária e filosófica é vasta. Além de As moscas e O ser e o nada, escreveu, entre outros, A náusea (1938), O muro (1939), Entre quatro paredes (1944), O existencialismo é um humanismo (1946), As mãos sujas (1948), O Diabo e o Bom Deus (1951), a trilogia Os caminhos da liberdade, Crítica da razão dialética (1960), As palavras (1964) e o inacabado O idiota da família (1971).

Em 1964, recebeu — e recusou — o Prêmio Nobel de Literatura. Junto com sua companheira, a escritora Simone de Beauvoir, visitou o Brasil nos anos 60.

Catrin Möderler (gh)