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HistóriaAlemanha

1954: Caso de espionagem na Alemanha dividida

Marcel FürstenauPublicado 20 de julho de 2015Última atualização 20 de julho de 2021

Em 20 de julho de 1954, o presidente do Departamento de Defesa da Constituição da Alemanha Ocidental desaparecera. Dois dias depois, ele declarava ter passado para a então Alemanha Oriental.

Otto John Präsident des Bundesamts für Verfassungsschutz Archiv
Foto: picture-alliance/dpa

As suspeitas iniciais foram de sequestro. Dois dias depois, ele declarou, de Berlim Oriental, que havia passado para a República Democrática Alemã, de regime comunista. Mais tarde, John retornaria à Alemanha Ocidental.

Este foi o primeiro grande caso de espionagem na Alemanha dividida: em 20 de julho de 1954, celebravam-se os dez anos do atentado frustrado contra Hitler. Na parte ocidental do país, era prestado o culto à memória dos homens e mulheres que morreram apoiando o conde Claus Stauffenberg, acusado da tentativa de assassinato.

Entre os convidados de honra, encontrava-se Otto John, há quatro anos presidente do Departamento Federal de Defesa da Constituição. John e seu irmão Hans faziam parte, em 1944, do grupo de resistência de Stauffenberg. Enquanto Otto conseguiu escapar para o Reino Unido, Hans foi executado pelos nazistas.

Dez anos mais tarde, Otto John fugiu uma segunda vez, desta vez para a República Democrática Alemã. O choque foi tremendo: em meio à Guerra Fria, o vigilante máximo da ordem liberal democrática alemã passara para o campo do inimigo.

Dois dias mais tarde, Otto John revelava num depoimento através da rádio da Alemanha Oriental: "A Alemanha está ameaçada de uma cisão permanente, devido aos conflitos entre o Leste e o Ocidente. É necessária uma ação demonstrativa, para convocar todos os alemães a se empenharem pela reunificação".

Em princípio, as circunstâncias da mudança de lado pareciam obscuras. As primeiras investigações mostraram que John aquartelou-se no setor oriental de Berlim com o médico e amigo Wolfgang Wohlgemuth. O governo da República Democrática Alemã (RDA) temia pela segurança de seus espiões, da mesma forma que os serviços secretos aliados.

O então ministro do Interior, Gerhard Schröder, desmentiu os boatos alimentados pela imprensa: não houvera nenhuma onda de prisões na zona soviética e o ex-chefe da Defesa da Constituição não tinha documentos oficiais em seu poder.

Insatisfação política

Dois dias após esta afirmação de Schröder, Otto John voltou a falar, desta vez num tom mais enérgico, em prol da reunificação do país: "O atrelamento unilateral à política americana pelo chefe de governo Adenauer, a consequente remilitarização e a reanimação do nacional-socialismo levarão forçosamente a uma nova guerra".

Em abril de 1955, John concedeu uma entrevista coletiva em Weimar, sob a égide do Comitê Internacional da Resistência Antifascista. Ele afirmou que, antes de sua fuga, conversara com altos representantes de Washington sobre o suposto perigo que vinha do Leste. Ninguém pudera fornecer argumentos convincentes.

Oito meses mais tarde, correu a notícia sensacionalista de que o ex-chefe do órgão de segurança nacional acabara de deixar a Alemanha comunista. Segundo a rádio estatal da RDA, John já vinha, há algum tempo, anunciando a intenção de combater o que chamava de neofascismo no Ocidente.

O caso John, já tão cheio de contradições, ganhou uma dimensão surrealista. O dissidente afirmou ter sido sequestrado e pressionado: uma versão que, frente a suas declarações anteriores, só podia soar inverossímil. Em 1956, a Corte Federal de Justiça condenou Otto John a quatro anos de prisão. Entre os que pronunciaram a sentença, estavam juízes ativos durante o regime nazista: o réu os acusou de estarem motivados pelo desejo de vingança.

Em 1958, John foi liberado antes de cumprir toda a pena. Sua luta pela reabilitação pelos tribunais fracassou cinco vezes. Do ponto de vista jurídico, Otto John morreu como traidor da pátria, em 1997.