1960: Show dos Beatles em Hamburgo marcava início do sucesso
Publicado 17 de agosto de 2010Última atualização 17 de agosto de 2020
John, Paul, George, Stuart e Pete desembarcaram em Hamburgo em 17 de agosto de 1960. Naquela noite, eles fariam seu primeiro show na cidade, dando início à fase de amadurecimento que culminaria no sucesso mundial.
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Na manhã de 17 de agosto de 1960, os cinco garotos de Liverpool, que somente há pouco tempo se apresentavam sob o nome The Beatles, chegaram a Hamburgo, desembarcando num ambiente no mínimo peculiar.
O bairro era St. Pauli, cheio de bordéis, casas de strip stease e bares de marinheiros. E foi num desses locais, o Indra, que John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Stuart Sutcliffe e Pete Best fizeram, já naquela noite, sua primeira apresentação na cidade alemã, para um público formado por prostitutas e seus clientes.
Os Beatles ainda eram desconhecidos e estavam muito longe do sucesso que alcançariam anos mais tarde como os "quatro fabulosos". E eram também bastante jovens. O mais velhos dos cinco, Sutcliffe, mal havia completado 20 anos. O mais novo, Harrison, tinha 17 – e escondia a idade.
Acomodação precária
Foi o empresário Alan Williams quem agenciou os primeiros shows dos Beatles em Hamburgo. A proposta era tentadora: 100 libras por semana.
"Depois de tocar, eles costumavam voltar para tomar um café com torrada. Se você quisesse torrada com marmelada, tinha de pagar um penny a mais. Ainda posso ver Paul McCartney dizendo a John Lennon: 'Você está louco, isso custa um penny a mais!' E olhe só quanto dinheiro ele possui hoje", relata Williams.
Os Beatles tocavam todas as noites, até oito horas seguidas. No Indra, eles dividiam o palco com as strippers – quando a banda fazia uma pausa, era a vez de as garotas subirem ao palco para a performance delas.
O proprietário do Indra era Bruno Koschmider, então um dos principais empresários da noite de Hamburgo. Além de vários clubes, ele era dono de um cinema, o Bambi Kino, que exibia filmes pornôs. Foi atrás do telão do Bambi Kino que Koschmider acomodou os Beatles.
O beatlemaníaco Ulf Krüger, que fez amizade com a banda na época, fala de dois cômodos sem janelas, pouco iluminados, ao lado do banheiro masculino. "A área desse alojamento era de 16 metros quadrados. Os músicos dormiam em antigas camas de campanha. Como lavabo, eles usavam a pia do banheiro masculino que ficava ao lado", relembra Krüger.
Do Indra, os Beatles foram para um clube maior, o Kaiserkeller, também de propriedade de Koschmider. O primeiro show deles no novo palco foi em 4 de outubro de 1960, e eles se apresentariam lá até o final do mês, quando abandonaram definitivamente Koschmider.
O novo clube era o Top Ten. O dono, Peter Eckhorn, oferecia mais dinheiro, um equipamento de som melhor e – principalmente – um lugar decente para dormir.
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Camisinha em chamas
A rescisão do contrato com Koschmider originou uma das histórias mais antológicas da primeira passagem dos Beatles por Hamburgo: quando McCartney e Best voltaram ao Bambi Kino para pegar suas coisas, encontraram o local na maior escuridão. Eles então penduraram uma camisinha num prego na parede do local e tocaram fogo nela. Não houve maiores danos, mas Koschmider registrou queixa na polícia por tentativa de incêndio.
McCartney e Best foram detidos, passaram algumas horas na prisão e acabaram deportados no início de dezembro. Por ser menor de idade, esse também já havia sido o caso de Harrison. Koschmider o havia delatado.
O único dos Beatles a ficar em Hamburgo foi Sutcliffe. Ele preferiu ficar com a namorada, a alemã Astrid Kirchherr, e só voltou para Liverpool em janeiro. Sutcliffe optaria em definitivo por Hamburgo em abril de 1961, quando os Beatles voltaram para uma segunda temporada de apresentações no Top Ten. Ele deixou a banda para estudar arte e morreu um ano depois, pouco antes da terceira temporada de shows dos Beatles na cidade.
Os anos de formação
Em 1962, os Beatles fariam mais três temporadas em Hamburgo, desta vez no Star-Club. A primeira foi em abril, a segunda, em novembro e a terceira, em dezembro.
Estudiosos e beatlemaníacos são unânimes em afirmar que os anos em Hamburgo marcaram o amadurecimento dos Beatles – as noites seguidas de apresentações desenvolveram as habilidades performáticas dos músicos e os transformaram numa banda coesa.
"Nosso ponto alto como live band alcançamos em Hamburgo", diria Harrison mais tarde. "Nós tínhamos que ser muito bons como banda para tocar oito horas todas as noites". Ou, nas palavras de Lennon: "Não teríamos nunca evoluído tanto se tivéssemos ficado em casa. Eu posso ter nascido em Liverpool, mas me tornei adulto em Hamburgo".
1966: o ano em que os Beatles sacudiram a Alemanha
Até a turnê-relâmpago do grupo inglês pelo país, em junho de 1966, os alemães só tinham uma vaga ideia do que "Beatlemania" queria dizer. De Munique a Hamburgo, os músicos provocaram uma onda de histeria.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Três dias de estado de exceção
A carreira dos Beatles começou em 1962, no Star-Club de Hamburgo, local de rock em que várias bandas se lançaram. Pouco depois, os quatro jovens de Liverpool já eram superstars, desencadeando ataques de histeria onde quer que se apresentassem. Em 1966, eles retornaram à Alemanha para dar uma amostra de sua magia. Durante os três dias da turnê, a imprensa não falou de outra coisa.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Salve-se quem puder
O avião levando o grupo desembarcou em 23 de junho de 1966 no aeroporto Munique-Riem. A loucura se instaurou já na pista de aterrissagem: 200 policiais tentaram conter os fãs, mas os repórteres invadiram a escada de descida. Enquanto Paul sorria, o agente Brian Epstein gesticulava: "Calma, gente..." John abriu caminho com expressão estressada, e os demais Beatles se perderam na confusão.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Hotel sitiado
Os fãs aguardavam diante do Bayerischer Hof, onde os "Fab Four" se hospedariam. Munique jamais vira tantos "adolescentes de juba comprida e jaqueta de vagabundo" juntos. Os ídolos eram chamados em coro, enquanto no hotel era preciso regularizar as acomodações: por descuido haviam sido reservados quartos duplos, para desagrado dos músicos. O público foi à loucura quando eles apareceram na janela.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Trajes típicos e perguntas bobas
Como relatou o jornal "Die Welt", "para seu deleite" os "quatro rapazes do coro" foram presenteados com "lederhosen" com botões de chifre de veado e camisas típicas bávaras. Uma coletiva de imprensa no hotel foi marcada por muitas perguntas bobas. Um repórter do "Bild" perguntou a Ringo se a calça de couro não era grande demais: "Pode ser. Então vou esperar até o bebê crescer dentro."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Fabulosos, mas nem tanto
Enquanto a juventude alemã entrava em êxtase naqueles dias de verão, os mais velhos expressavam sua desaprovação com epítetos como "bobalhões" e "macacos". E a imprensa estava atônita com o sucesso dos quatro. O "Münchener Merkur" se concentrou nos "defeitos": "O míope John Lennon, o canhoto Paul McCartney, o orelhudo George Harrison e o narigudo Ringo Starr."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Decibéis incompreendidos
Em 24 de junho os Beatles fizeram dois shows no Circus Krone de Munique, um à tarde e outro à noite. Durante as apresentações, era quase impossível escutá-los, sob a gritaria histérica do público. O "Süddeutsche Zeitung" desaprovou os decibéis: "Quando as guitarras começam com seu ritmo pesado, o barulho é tanto que, por razões médicas, seria melhor ficar bem longe."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Momentos de histeria
Pela primeira vez a Alemanha vivenciava até onde pode ir a histeria das fãs: uivos de prazer, êxtase até o limiar da dor, desmaios. O repórter do "Main-Echo" capturou alguns desses momentos: "18h56: Uma menina de 16 anos salta de seu lugar, desce correndo os degraus até o palco, cai no chão, aos berros. Os paramédico intervêm e levam a menina para fora."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Felicidade em Essen
Da capital bávara direto para Essen. Por que essa cidade relativamente pequena, na região industrial e carbonífera do Vale do Ruhr? Antes da viagem, Berlim negociara com os agentes do grupo. Mas nessa turnê-relâmpago os Beatles não queriam tocar em locais gigantescos, como a Waldbühne ou o Estádio Olímpico. Em vez disso, apresentaram-se para um público de 8 mil na arena Grugahalle de Essen.
Foto: picture-alliance/Bildarchiv/Hemann
De volta a Hamburgo
O "Hamburger Morgenpost" noticiou: "Por 25 minutos os jovens hamburgueses endoideceram no frenesi dos Beatles. As garotas se contorciam, gemendo e roucas de gritar, ao ritmo fustigante de seus ídolos. Foi a maior loucura já vista nesta casa de shows." O "Bild" foi mais conciso: "Eles gritavam. Eles choravam. Eles caíam." Os dois concertos no Ernst Merck Halle atraíram 5.700 beatlemaníacos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/H. Ducklau
Corações partidos
O que era doce se acabou. No aeroporto de Hamburgo, os fãs se despediram dos Fab Four, que partiram para Tóquio, onde começaria sua turnê pela Ásia. O jornalista do "Die Sonne" de Baden-Baden respirou aliviado: "Sobrevivemos aos Beatles sem danos ao corpo ou à mente." Não exatamente: a turnê relâmpago na Alemanha deixou um saldo de nove cadeiras quebradas. E milhares de corações de fãs partidos.