Para a grande maioria da classe política alemã, a invasão russa da Ucrânia foi um choque. Acreditava-se que as relações econômicas com a Rússia evitariam conflitos desse tipo, não vistos na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mas aconteceu, e trouxe junto graves interrupções nas cadeias de produção e distribuição. Agora temos que repensar toda a estrutura de comércio e cooperação internacional construída durante as últimas décadas.
E há sinais vislumbrando no horizonte de um segundo choque no Ocidente, dessa vez em relação à China. Acreditava-se, como no caso da Rússia, que as interligações econômicas abafariam as diferenças (geo)políticas.
Para a Europa, esse choque de realidade traz um novo espírito de unidade e energiza a cooperação. A União Europeia, como a Otan, também se rejuvenesceu. Teve que repensar as dependências energéticas e seu sistema de defesa.
Mas o ano de 2022 ainda conta com eleições na França e as eleições de meio de mandato (midterms) nos Estados Unidos, que podem dar vitórias a Marine Le Pen e aos republicanos americanos, e assim enfraquecer a posição conjunta atual do Ocidente.
E para o Brasil? Quais são as "certezas" que o ano pode "matar"?
Primeiramente, a de que o setor financeiro brasileiro entraria numa época de juros baixos, seguindo o mundo afora. Mas, ao contrário, a Selic está em 11,75% e subindo, entrando em patamares vistos nos governos Dilma e Temer. Claramente, a inflação deriva de um problema na oferta, e não na demanda. Assim, diminuir a demanda ainda mais, através de juros altos, não parece a resposta certa.
E não se esperava isso de um governo cuja política econômica é guiada por um "neoliberal" como Paulo Guedes. Com a Selic alta e as sequelas da guerra na Ucrânia, bem como os efeitos da pandemia, está de volta um real mais forte, surpreendendo a maioria dos especialistas.
O que esperar das eleições?
Outra surpresa é a força do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. Em parte, deve-se isso ao fracasso da "terceira via", que até agora não conseguiu oferecer uma alternativa viável. Antes, vislumbrei uma divisão em "terços": um terço da população apoiando Bolsonaro, um terço fiel a Lula e o outro terço buscando uma terceira via. Seria esse terceiro terço que decidiria as eleições de outubro.
Parece que tanto a desastrosa resposta do governo à pandemia quanto os atuais problemas econômicos não atingem tanto Bolsonaro como muitos esperavam. Se ele conseguir convencer os eleitores de que são problemas externos e, portanto, não gerados por ele, suas chances de reeleição aumentam significativamente.
Por outro lado, me surpreende a lentidão de a candidatura de Lula se concretizar. Por que tanta hesitação em falar claramente que é candidato, quando todos já sabem que ele é? Até agora, não se vê uma agenda clara de um eventual governo Lula parte 3.
E por que falar abertamente a favor do aborto e da demissão dos militares do governo? A questão do aborto é desnecessária, já que é o Congresso que decide o tema, e não o governo. Em relação aos militares, é óbvio que Lula não quer ter 8 mil fardados em seu governo. Mas por que "ofender" os militares publicamente?
Será que Lula, a velha raposa, o animal político, perdeu seu faro? No fim do ano passado, uma vitória de Lula parecia certa. Agora a corrida parece surpreendentemente aberta.
Nesta semana, o poderoso Bayern de Munique, que forma a espinha dorsal da seleção alemã, foi eliminado da Liga dos Campeões pelo time do Villarreal. Não dá nem para ter certezas no futebol. Teremos surpresa na Copa do Catar, em dezembro? Fecharia este ano tão surpreendente com chave de ouro.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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