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75 anos depois, legado da Guerra ainda pesa sobre Dresden

13 de fevereiro de 2020

Em 13 e 14 de fevereiro de 1945, cidade alemã foi destruída por intenso bombardeio dos Aliados. Neonazistas perpetuam mito do meio milhão de vítimas, mas cidadãos mostram que sabem se opor à manipulação da tragédia.

Dresden em ruínas após bombardeios aliados nos dias 13 e 14 de fevereiro de 1945
Dresden em ruínas após bombardeios aliados nos dias 13 e 14 de fevereiro de 1945Foto: AFP/Getty Images

Deve-se a Viktor Klemperer algumas das descrições mais vívidas dos ataques aéreos a Dresden nos dias 13 e 14 de fevereiro de 1945. O escritor e linguista registrou o inferno dos bombardeios em seu famoso diário.

"Logo se pôde ouvir os zumbidos cada vez mais profundos e mais fortes dos esquadrões se aproximando. As luzes se apagaram, um estrondo nas proximidades... Pausa para respirar, a gente se ajoelhava entre as cadeiras, de alguns grupos vinham gemidos e choro – e nova aproximação, nova angústia pelo medo da morte, novo ataque. Não sei quantas vezes isso se repetiu."

Klemperer era um judeu convertido ao cristianismo. A tragédia que matou 25 mil pessoas acabou evitando sua deportação para um campo de extermínio. Os originais de seu diário, de relevância histórica sobre o período nazista, estão hoje na biblioteca da Universidade de Dresden, no estado alemão da Saxônia.

O destino dessa cidade, bela ainda hoje, apesar das várias cicatrizes de guerra, é um exemplo de como mitos são deliberadamente construídos e de como é difícil combatê-los, por mais falsos e mentirosos que sejam.

Sim, os ataques aéreos dos Aliados, nos dias 13 e 14 de fevereiro de 1945, tão perto do fim da Segunda Guerra Mundial, são militarmente questionáveis. Mas não, o bombardeio de alvos específicos, que também gerou enorme sofrimento a inocentes, não muda em nada a culpa do Reich alemão de Adolf Hitler pela guerra.

A sobrevivência de Klemperer foi mera sorte. Seu diário registra também seus pensamentos sobre a morte. "Diante de mim havia um amplo espaço livre, no meio do qual estava um enorme fuzil. Estrondos, clarão do dia, impactos. Eu não pensava em nada, nem mesmo tinha medo, havia apenas uma enorme tensão em mim. Acho que eu aguardava o fim."

Victor Klemperer relatou os bombardeios em seu diárioFoto: Bundesarchiv, Bild 183-26707-0001

Em outro ponto, ele escreveu: "Não conseguia distinguir mais nada, eu apenas via chamas por toda parte, ouvia o barulho do fogo e dos ataques, sentia a terrível tensão interna."

Número de mortos foi determinado

Testemunhos tão profundamente humanos de um sobrevivente não impressionam extremistas de direita e antissemitas. Especialmente por virem de alguém que os nazistas forçaram a usar a estrela amarela que marcava os judeus.

Para os nazistas de hoje, trata-se de renegar a história e inflar o número de vítimas. Para isso incorporam as mentiras de seus ídolos criminosos e alardeiam que houve meio milhão de mortos, numa tentativa de fazer um contraponto aos crimes nazistas.

Os fatos não importam para eles. Assim, ignoram conclusões de cientistas, como Thomas Widera, do Instituto Hannah Arendt para Pesquisa do Totalitarismo de Dresden. Ele integrou a comissão de historiadores que, em 2010, determinou o número de mortos pelos bombardeios, após cinco anos de pesquisas: no mínimo 18 mil; no máximo 25 mil.

Pesquisas meticulosas em arquivos e análises de materiais mostraram que outros números não passam de imaginação. Widera dá como exemplo a suposição de que haveria centenas de milhares de refugiados não registrados entre os mortos.

O argumento de que o fogo teria atingido um calor de 2.000 ºC e incinerado dezenas de milhares de pessoas sem deixar rastros é incorreto. Essa hipótese foi excluída através de análises de temperatura. "Elas refutam a alegação de que um amplo número de mortos teria sido transformado em cinzas", afirmou Widera.

Segundo o historiador, a maior parte dos mortos foi enterrada nos meses que se seguiram ao ataque e após o fim da guerra. Entretanto, durante muito tempo não estava claro quantas pessoas de fato perderam a vida no inferno das chamas. A remoção sistemática dos destroços em Dresden começou apenas no final dos anos 1940. Restos humanos foram encontrados, mas não em grandes quantidades.

Na antiga Alemanha Oriental – onde ficava Dresden – se falava em 35 mil mortos. Esse número se baseava no registro de cadáveres e em projeções, explica Widera. Mesmo errado, era bem mais próximo do número real do que o meio milhão alardeado pelos neonazistas.

Resistência aos neonazistas

Depois da Reunificação, neonazistas escolheram Dresden como seu principal local de manifestação. No auge dos protestos, mais de 6 mil marcharam pelas ruas da cidade, entrado em confronto com manifestantes esquerdistas. Entre 2009 e 2011, Dresden era a Meca da extrema-direita na Europa.

Iniciativas da sociedade civil surgiram para fazer frente a essa situação. Uma delas é o grupo AG 13. Februar (Grupo de Trabalho 13 de fevereiro). Uma grande variedade de organizações sociais integra esse grupo que, ano após ano, planeja atos em memória da guerra e da destruição da cidade.

Joachim Klose é o moderador de vários encontros que reúnem partidos políticos, comunidade religiosas, instituições culturais e muitas outras. Segundo ele, o grupo de trabalho conseguiu "pacificar" o 13 de fevereiro.

A aliança de esquerda Dresden Nazifrei (Dresden livre de nazistas) também ajudou a diminuir o ímpeto dos neonazistas. Durante muito tempo, os moradores assistiram impassíveis a marchas neonazistas travestidas de "marchas em homenagem às vítimas". Mas esses tempos já se foram.

Desde 2010, o AG 13. Februar organiza uma corrente humana no centro histórico da cidade no dia do aniversário do bombardeio. No primeiro evento, 17 mil pessoas se deram as mãos, ao badalar de sinos, para lembrar as vítimas e ao mesmo tempo dar um exemplo de resistência ao extremismo de direita.

Corrente humana lembra os mortos na destruição de Dresden na Segunda GuerraFoto: picture alliance/dpa/S. Kahnert

Klose gostaria que mais pessoas "mostrassem a cara", mas muitos preferem ficar em casa por medo de que haja violência. O AG 13. Februar convocou uma manifestação também para o dia 15 de fevereiro, quando extremistas de direita planejam marchar novamente pela cidade.

O AG 13. Februar se tornou uma autoridade moral em Dresden, observa Klose, uma espécie de fórum para debater como a cidade lida com o seu passado e constrói o seu futuro.

Widera também sente o quanto a data ainda é complicada. "É claro que existe uma alta emotividade", diz o historiador. Essa se manifesta também no cotidiano e na política, por exemplo na grande votação do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e do movimento xenófobo Pegida, fundado em Dresden, em 2014.

Para Widera, datas como o 13 de fevereiro em Dresden deveriam ser livres de viés político e colocar os mortos em primeiro plano. "Qualquer outra coisa é inapropriada", afirma.

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Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.
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