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"Ações de Putin sugerem que humanidade não aprendeu lições"

Louisa Schaefer
23 de maio de 2022

À DW, historiador Christopher Clark fala sobre ensinamentos que podem ser tirados de guerras e sobre o comportamento do presidente russo, cuja responsabilidade pelo conflito atual na Ucrânia ele considera inquestionável.

Vladimir Putin discursa em Moscou
"O jogo ainda não acabou, e Putin não fala por toda a Rússia", afirma historiadorFoto: Alexander Zemlianichenko/AP Photo/picture alliance/dpa

Em entrevista à DW, o historiador australiano Christopher Clark, que é considerado um dos maiores especialistas em história alemã nos séculos 19 e 20, compara a atual guerra da Rússia contra a Ucrânia ao cenário que precedeu a Primeira Guerra Mundial.

Professor da Universidade de Cambridge e autor do livro Os sonâmbulos: como eclodiu a Primeira Guerra Mundial, ele considera que a situação em 1914 era muito mais complexa que a atual.

"Em 1914 não houve um ator único que simplesmente decidiu invadir outro país", aponta. "Agora temos uma situação muito mais simples. A Rússia está bastante isolada, e Putin tomou ele mesmo essa decisão."

Ao ser questionado sobre o que a humanidade aprendeu desde a Primeira Guerra, Clark descreve a União Europeia (UE) como uma espécie de lição histórica aprendida. "É a lição das duas guerras mundiais transformada em uma ordem política."

"Mas Putin, infelizmente, por razões que eu acho que provavelmente estão ancoradas em sua biografia, é alguém que está buscando padrões atávicos de comportamento e autoapresentação de uma maneira que sugere que não aprendemos", pondera.

DW: Seu livro Os sonâmbulos: como eclodiu a Primeira Guerra Mundial fez com que se repensasse o conflito, se foi apenas a Alemanha que o iniciou ou se se tratou mais de várias nações europeias caminhando sonâmbulas rumo a uma grande batalha. Qual foi a sua conclusão final?

Christopher Clark: Acho que a conclusão do livro sobre 1914 foi que as causas por trás disso foram complexas. Acredito que o livro realmente fez um apelo à complexidade, a entender quão complexas essas coisas são. Esse foi o primeiro ponto principal.

E o segundo argumento foi que precisamos pensar não apenas em por que guerras acontecem e de quem é a culpa pela eclosão de uma guerra. Também precisamos pensar sobre como elas acontecem para que se possa agir melhor da próxima vez.

Por exemplo, se você pensar sobre a atual guerra na Ucrânia, se simplesmente decidirmos que Putin é um homem muito mau e que ele causou uma guerra e ponto final, não aprenderemos nada com essa guerra.

Podemos aprender muito mais se pensarmos sobre a história completa do que levou a essa situação. Isso, de forma alguma, amenizaria a responsabilidade dele [Putin] pelo que aconteceu, que eu considero inquestionável. Mas pelo menos nos permitira aprender como administrar melhor essas situações no futuro.

Primeira Guerra Mundial teve início complexo, e vários países acbaram arrastados para o conflitoFoto: The Print Collector/Heritage Images/picture alliance

Como podemos aprender com isso? Quais são os paralelos entre o período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial e a situação atual?

Em alguns aspectos, é uma lição. É interessante, pois quando o conflito [Rússia-Ucrânia] começou, ao menos antes que a guerra propriamente dita de fato eclodisse, me lembrei da situação que antecedeu a guerra de 1914, porque imaginei que pudesse ser o plano de Putin enviar 200 mil homens para a fronteira com a Ucrânia e depois retirá-los novamente, tendo pressionado o Ocidente ou a própria Ucrânia a fazer concessões.

E então, se revelou que ele estava planejando uma guerra o tempo todo. Então isso não é como 1914, porque em 1914 não houve um ator único que simplesmente decidiu invadir outro país.

Começou em um lugar que ninguém esperava, no Bálcãs, em Sarajevo, com um assassinato. Então havia uma pergunta complexa: como os austríacos iriam reagir? Como os sérvios reagiriam à reação da Áustria? Como os alemães reagiriam à reação dos austríacos aos sérvios? Como os russos apoiariam ou não a Sérvia – mesmo os russos não estando eles mesmos sob ataque? É imensamente complexo, e cada potência arrastada para essa guerra foi em virtude de uma lógica diferente.

Mas agora temos uma situação muito mais simples. A Rússia está bastante isolada, e Putin tomou ele mesmo essa decisão.

Claramente, muitas das pessoas de alto escalão no sistema dele não estavam cientes dessa decisão até que ela realmente foi tomada. É, em grande medida, a guerra de Putin. E atualmente, de acordo com relatórios de inteligência, ele está de fato desempenhando pessoalmente um papel na gestão dessa guerra. Ele toma decisões até mesmo no nível operacional.

Então, é um cenário bem diferente do de 1914. É menos complexo.

Prelúdio da Primeira Guerra: atentado de Sarajevo vitimou o arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do Império Austro-Húngaro, e sua esposa, em junho de 1914Foto: AP/picture alliance

Você descreveu a Primeira Guerra Mundial como um "evento moderno". O que você quis dizer com isso?

Eu estava pensando em particular no fato de que quando aprendi sobre isso na escola, parecia um acontecimento de um mundo passado.

Mas então, quando comecei a escrever o livro, percebi que ele começava com uma carreata, com um grupo de carros motorizados passando por uma cidade. Envolvia homens-bomba – uma figura moderna. Portanto, era algo moderno de muitas maneiras. Não era uma espécie de crise antiquada.

E me pareceu que os argumentos que as pessoas apresentaram para se envolver nessa guerra foram argumentos que ainda hoje ouvimos. Por exemplo, essa tendência de fazer-se de vítima, de ver as provocações do outro lado, mas de ser completamente cego à contribuição que você mesmo fez para uma crise, de ver suas próprias medidas como defensivas, e as medidas do adversário, como ofensivas. Esses hábitos claramente não morreram.

O que as pessoas aprenderam – ou não – nos últimos 100 anos?

Aprendemos claramente a fazer certas coisas muito melhor. Mas se nos tornamos mais inteligentes como uma espécie política, como uma espécie de homo politicus, essa é outra questão.

Acho que essa é uma área onde aprendemos muito lentamente, e há sempre uma tendência a cair em velhos padrões de comportamento.

Eu acho que a União Europeia (UE) é uma espécie de lição histórica aprendida. É a lição das duas guerras mundiais transformada em uma ordem política. Portanto, há exemplos de lições que encontraram uma expressão institucional e que, assim, adquiriram uma espécie de durabilidade que de outra forma poderiam não ter.

Mas parece-me que, em outros aspectos, se você pensar em Putin, não apenas em sua decisão de invadir a Ucrânia, mas em toda sua persona como líder, cavalgando sem camisa e em todo esse tipo de coisas machistas, isso tudo é muito atávico.

Para o historiador Christopher Clark, maneira como Putin se projeta como líder é atávicaFoto: Alexey Druzhinyn/RIA NOVOSTI/epa/dpa/picture-alliance

Por outro lado, se você olhar para quantos dos líderes dos Estados europeus são mulheres, se você olhar para quanto da estratégia sobre como administrar essa agressão [à Ucrânia] está sendo escrito por mulheres, não é o caso de não termos mudado.

Eu acho que o Ocidente é um lugar muito diferente do que era, assim como a Rússia. E há muitos russos que não querem ser parte dessa terrível política de risco e aventureirismo em que Putin embarcou.

Mas Putin, infelizmente, por razões que eu acho que provavelmente estão ancoradas em sua biografia, é alguém que está buscando padrões atávicos de comportamento e autoapresentação de uma maneira que sugere que não aprendemos.

Você acha que estamos à beira de uma Terceira Guerra Mundial?

Bem, minha primeira resposta é: espero muito que não. Assim como todo mundo.

Em segundo lugar, acho que Putin sabe que isso seria uma espécie de autodestruição. Ele teria que ser suicida para recorrer a essa opção.

Muito depende de se ele é tão irracional e se seu sistema faria isso se ele tomasse a decisão. Há muitas evidências de que o próprio sistema seria suficientemente robusto para resistir a esse tipo de risco. Portanto, a resposta é que nós não sabemos, é claro.

Mas se simplesmente o deixarmos fazer o que ele quiser, então acabamos permitindo e efetivamente legitimando sua violação criminal do direito internacional. E se, por outro lado, reagirmos exageradamente e respondermos exageradamente, corremos o risco de agravar ainda mais o problema.

Mas nós não criamos essa crise. Portanto, o Ocidente precisa dosar cuidadosamente suas respostas. E penso que, de modo geral, está fazendo isso. O fato de os debates estarem principalmente voltados ao Ocidente, por responder muito lentamente, especialmente os alemães, "por que eles não estão entregando mais, mais rápido?", "por que não se está fazendo mais pela Ucrânia?", isso sugere que estamos certos, pois há outros que dizem que estamos fazendo demais, que estamos provocando.

Então você está confiante de que pessoas ao redor de Putin poderiam impedi-lo de apertar o botão nuclear?

Bem, eu acho que há muitas evidências de que Putin está tendo dificuldades com muitas pessoas nos círculos mais amplos do regime. Putin tem se isolado mais e mais.

Portanto, minha esperança é que, se houver uma grande decisão para aumentar o risco através da implantação, por exemplo, de armas nucleares táticas, haja pessoas que digam "não, nós não faremos isso". E isso já aconteceu no passado.

A Rússia não fala a uma só voz. A Rússia é uma nação complexa. É uma nação sofisticada. É parte da Europa. Um número muito grande de russos deixou o país e agora está em outros lugares. Entre eles muitos membros da intelligentsia e da mídia. O jogo ainda não acabou, e Putin não fala por toda a Rússia.

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