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Criminalidade

Ações policiais geram clima de terror em escolas do Rio

22 de junho de 2018

Adolescente é morto a caminho da escola em confronto entre policiais e criminosos no Complexo da Maré. Apesar de instrução normativa proibir operações em áreas próximas a escolas, orientação vem sendo descumprida.

Operação policial em favela do Rio
Confrontos entre facções e incursões da polícia deixam população de favelas sob fogo cruzadoFoto: picture-alliance/ZUMA Wire/H. Ohana

Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, estava a caminho da escola na Vila do Pinheiro, uma das 16 comunidades do Complexo de Favelas da Maré, quando foi baleado. Ele tinha acordado atrasado e se assustou com o início de uma operação policial com carros blindados e o helicóptero da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, chamado pelos moradores de "caveirão voador". Ao correr de volta para casa, foi atingido por um tiro no abdômen e morreu no hospital, horas mais tarde. A origem do disparo ainda é desconhecida.

Embora o Rio de Janeiro não viva uma guerra declarada, seus moradores já se habituaram a ver esse tipo de cena no noticiário. O adolescente é a mais recente vítima entre os 28 jovens de até 14 anos que foram mortos por "balas perdidas" na cidade nos últimos dois anos.

Ao lado do caixão do filho, a diarista Bruna Silva exibia o uniforme da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro manchado de sangue. "Vai ser com esse pedacinho de pano que eu vou pedir justiça", disse, em frente às câmeras.

A Defensoria Pública do Estado do Rio classificou a operação como "mais um morticínio promovido pelo Estado" e anunciou que entrou com uma liminar na Justiça para pedir a proibição de disparos de helicópteros nas favelas ou lugares densamente povoados.

"Essa situação da utilização de um helicóptero para efetuar disparos de arma de fogo a esmo, em locais urbanos densamente povoados, enquanto se movimenta em alta velocidade é absurdamente temerária, não se tem notícia de algo parecido em qualquer lugar do mundo. A probabilidade de atingir pessoas inocentes é imensa, além do terror psicológico que causa aos moradores e interrupção das atividades na comunidade e prejuízos materiais", afirmou o defensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública e que assina a petição.

Desde 16 de fevereiro, a Segurança Pública do Estado está sob intervenção federal comandada pelo general Braga Netto. A operação foi conduzida no fim da manhã de quarta-feira (20/06), a despeito do pedido do secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, para que ela fosse realizada em horário que não coincidisse com a entrada e saída dos alunos nas escolas

Em agosto do ano passado, a Secretaria de Segurança Pública do Rio publicou uma instrução normativa para que agentes das polícias Civil e Militar evitassem operações em áreas próximas a escolas, creches, postos de saúde e hospitais. Mas, conforme admitiu Benjamin, a orientação vem sendo descumprida nas incursões policiais mais recentes.

A menos de dois quilômetros do local onde Marcos Vinicius foi atingido, próximo a duas escolas da comunidade, a ONG Redes da Maré contabilizou mais de cem marcas de tiros no chão.

Fogo cruzado

Diversas favelas do Rio de Janeiro são dominadas por grupos ligados ao tráfico de drogas, que utilizam armamentos de calibre pesado. Recorrentemente, há confrontos entre facções rivais pelos territórios. A polícia, por sua vez, realiza incursões ostensivas como as da última quarta-feira para combater o crime organizado. Em ambas as situações, a população local fica sob fogo cruzado.

Os voos rasantes do helicóptero usado na operação e a sequência de disparos geraram um clima de terror na comunidade, especialmente nas salas de aula. "Eles ficaram deitados no chão, juntinhos, chorando", relatou uma professora ao jornal O Globo.

No último dia 11, menos de dez dias antes da última incursão policial, houve outra operação com uso de helicóptero na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. A educadora Joelma de Souza levava a filha de 11 anos até o ponto da condução escolar quando começaram os disparos, vindos, segundo ela, do helicóptero.

"Minha filha ficou desesperada. Eu só falei para ela correr e, por sorte, tinha deixado o portão de casa entreaberto. Ela chegou em casa sem conseguir se mexer, estava tão nervosa que tremia toda", relata.

Complexo da Maré é palco de frequentes ações policiais de combate ao crime organizado Foto: Getty Images/AFP/V. Almeida

Segundo o médico Carlos Vasconcelos, que trabalha em uma Clínica da Família na Maré, há um aumento de registros de crises hipertensivas durante os confrontos armados. Dependendo da intensidade das trocas de tiros, os serviços de saúde precisam ser interrompidos na região.

"A gente não é sequer amparado pela Convenção de Genebra, que oferece proteção aos civis não envolvidos em conflitos. A sensação é de uma política de instalação do terror", protesta.

Os impactos da exposição recorrente a situações de violência na infância podem afetar o aprendizado e se manifestar até a vida adulta, afirma a psicóloga Fernanda Serpeloni, pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência (Claves).

"Se o trauma foi na escola, a criança vai querer evitar esse lugar onde se sentiu ameaçada física e psicologicamente. Outros sintomas são os pesadelos e a dificuldade de concentração, que gera mais irritação e compromete o desenvolvimento social", diz.

Confronto armado em vez de inteligência

Especialistas criticam a decisão do Estado de optar pelo confronto armado em áreas repletas de civis. A socióloga Silvia Ramos defende o investimento em ações de investigação para reduzir a entrada de armas e munições nas favelas do Rio.

"A Polícia Civil deveria atuar em inteligência, planejamento e investigação. É absurdo atirar de cima num lugar altamente adensado, com população civil", critica Ramos, que é coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes.

Ela aponta, ainda, que o episódio da Maré derruba a expectativa de que a intervenção federal no Estado garantisse uma atuação mais técnica das forças policiais.

"A operação já se mostrava à deriva, sem rumo. Nesta semana, exibiu uma lógica de violência gratuita. A troco de que se fez essa operação extremamente violenta?", critica.

Combate ao crime ou vingança?

Ramos questiona se há hipótese de a operação ter sido motivada por vingança. De acordo com a Polícia Civil, a incursão do dia 20 tinha o objetivo de cumprir 23 mandados de prisão e investigar suspeitos do assassinato do inspetor Ellery Lemos, chefe de investigações da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD). Segundo investigações, eles estariam na Maré.

O inspetor morreu com um tiro na cabeça no último dia 12 durante operação policial na favela de Acari, também na Zona Norte. O delegado da Polícia Civil Marcus Amim, comentarista do SBT Rio, prometeu "caça" aos responsáveis no programa de televisão.

"Todos os envolvidos de Acari hoje são inimigos da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Nós vamos caçar vocês onde quer que estejam. Não adianta colocar no Facebook que criança foi baleada. Nós vamos a qualquer horário", sentenciou.

Além de Marcos Vinicius, seis homens considerados suspeitos foram executados na operação.

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