Sociais-democratas defendem a candidatura do atual ministro do Exterior, Frank-Walter Steinmeier. Mas aliança CDU/CSU demonstra resistência, e a busca pelo sucessor de Gauck pode gerar mal-estar na coalizão de Merkel.
Anúncio
O Partido Social-Democrata (SPD) e a aliança formada pela União Democrata Cristã (CDU) e a bávara União Social Cristã (CSU) tinham a intenção de chegar a um acordo sobre um candidato à presidência da Alemanha até o final de outubro. Mas a busca pelo sucessor de Joachim Gauck, que decidiu não concorrer a um segundo mandato, não tem sido tarefa fácil.
Muitos nomes vieram à tona, sendo mais tarde invalidados. O exemplo mais recente é Andreas Vosskuhle, atual presidente do Tribunal Constitucional Federal alemão, que se afastou da disputa alegando problemas familiares.
Agora, um novo nome foi cotado, sem causar grande surpresa: Frank-Walter Steinmeier, ministro do Exterior alemão. A sugestão é do líder dos sociais-democratas e vice-chanceler federal, Sigmar Gabriel, em declarações publicadas na edição desta segunda-feira (24/10) do tabloide alemão Bild.
Ao jornal, Gabriel disse que a Alemanha precisa de um candidato "que possa representar o país, que conheça os desafios enfrentados atualmente e que tenha respostas". Steinmeier, segundo ele, se encaixa neste perfil.
O sucessor de Gauck deve ser eleito em fevereiro pela Assembleia Nacional (Bundesversammlung), que se reúne exclusivamente para este fim. Metade dela é formada pelos deputados federais e a outra, por delegados escolhidos pelas assembleias legislativas dos 16 estados da Alemanha.
O número de representantes é baseado nas maiorias políticas dentro dos governos estaduais e federal. A CDU/CSU e o SPD, no caso, são maioria. Mas se o Partido Verde e A Esquerda chegam a um acordo sobre um candidato do SPD, por exemplo, eles passam a ter vantagem sobre a aliança CDU/CSU.
Steinmeier sofre resistência
Conhecida como União, a aliança entre o partido da chanceler federal Angela Merkel e sua aliada bávara CSU, até então, tem rejeitado a proposta do SPD. Para o secretário-geral da CSU, Andreas Scheuer, Steinmeier precisa se concentrar em seu trabalho como ministro do Exterior.
Na manhã desta segunda-feira, o líder da CDU no estado da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, disse a jornalistas que considera pouco inteligente a atitude de Sigmar Gabriel de apresentar um novo candidato à presidência "praticamente a cada domingo". Uma estratégia melhor, segundo ele, seria manter negociações dentro da coalizão de governo.
A legenda A Esquerda, por sua vez, deixou claro que não apoiaria a candidatura de Steinmeier. Ele seria "um candidato difícil para A Esquerda", disse Dietmar Bartsch, líder da bancada parlamentar do partido. O político acrescentou que, enquanto não estiver claro quais candidatos irão disputar a eleição na Assembleia Nacional, não é possível antecipar a intenção de voto da Esquerda.
O presidente da legenda, Bernd Riexinger, também foi firme na opinião sobre a candidatura do atual ministro: "Frank-Walter Steinmeier é um dos arquitetos da Agenda 2010, que aumentou a pobreza entre as classes médias e aprofundou a disparidade entre ricos e pobres. Para nós, ele é inelegível".
Simone Peter, presidente do Partido Verde, disse que sua legenda irá considerar qualquer candidato apresentado. Ela, no entanto, manifestou desejo em ver uma mulher ocupando a presidência.
E o que diz Steinmeier? Em participação num talk-show político na noite de domingo, o ministro disse apenas que, atualmente, tem outras prioridades. "Estou completamente concentrado nas crises e conflitos ao redor do mundo e em como a Alemanha pode ajudar na busca por soluções", afirmou.
Na Alemanha, apesar de o presidente, como chefe de Estado, possuir algumas atribuições executivas, seu papel é quase apenas simbólico. A Lei Fundamental (Grundgesetz) lhe garante a competência de assinar acordos e tratados internacionais, mas a política externa cabe ao governo, chefiado pelo chanceler federal. O mandato presidencial é de cinco anos, sendo permitida uma única reeleição.
O presidente alemão se despede do cargo
Neste 18 de março de 2017, Joachim Gauck encerra o mandato como 11º presidente da República Federal da Alemanha. Em retrospecto, ele pode olhar para mais de quatro anos de grande agitação política.
Foto: picture alliance/dpa/M. Kappeler
"Arquivos de Gauck"
Por dez anos, o presidente alemão Joachim Gauck administrou os arquivos do serviço de inteligência (Stasi) da República Democrática Alemã (RDA). Como ativista dos direitos civis, ele foi eleito em 1990 para o Parlamento da ex-Alemanha Oriental, que propôs seu nome para o cargo em decisão apoiada pelo governo alemão ocidental. Até hoje, o órgão leva o nome não oficial "Arquivos de Gauck".
Foto: picture-alliance/dpa
Candidato do povo
Depois de haver deixado "sua" instituição em 2000, Gauck atuou como autor e ativista político. Após o pedido-surpresa de demissão do ex-presidente Horst Köhler, em 2010, o Partido Social Democrata (SPD) e os verdes cogitaram seu nome para o cargo. A mídia o aclamava como candidato do povo. No entanto Christian Wulff, da União Democrata Cristã (CDU), foi eleito em terceira votação.
Foto: picture-alliance/dpa
Presidente Gauck
Depois de quase dois anos, Wulff foi forçado a renunciar. Também desta vez partidos de oposição defendiam a candidatura de Gauck, agora com apoio de Berlim. Em pesquisa realizada antes da Assembleia Federal responsável pela escolha do presidente, 69% dos entrevistados apoiaram o nome de Gauck. O resultado em 18 de março foi ainda mais decidido: ele obteve 991 de 1.228 votos, em primeira votação.
Foto: picture-alliance/dpa
"Primeira-companheira"
Segundo a Constituição alemã, o presidente do país não está sujeito aos Três Poderes. Mesmo assim, Gauck é o primeiro chefe de Estado sem partido. E também o primeiro a não ser acompanhado pela esposa em ocasiões cerimoniais, mas por sua companheira Daniela Schadt, com quem vive desde 2000. Da ex-esposa Gerhild Gauck, com quem teve quatro filhos, ele está separado há 25 anos.
Foto: Picture-alliance/dpa/W. Kumm
Liberdade pensada e vivida
Tema central de Gauck é a liberdade, a que gosta de se referir como "potencialização" do indivíduo. Críticos o acusam de, assim, defender o egoísmo com uma retórica anticomunista ingênua. Outros veem em seu discurso um apelo à responsabilidade: liberdade não significaria automaticamente felicidade ou satisfação, mas uma responsabilidade própria existencial, para além do poder do Estado.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Representante com franqueza
Como representante oficial da Alemanha no exterior, Gauck viajou por muitos países e se encontrou com diversos dirigentes. Mas nem sempre permaneceu diplomático: no início de 2014, na Turquia, acusou o governo do então premiê Recep Tayyip Erdogan de censura, ingerência no sistema judicial e estilo autoritário de governança. Erdogan protestou, mas ele se manteve calmo: "Cumpri o meu dever."
Foto: Reuters
Orador habilidoso
Em março de 2016 Gauck falou a estudantes da Universidade Tongji, em Xangai, da desconfiança que surge entre o Estado e seus cidadãos quando um governo não é legitimado por eleições livres. Oficialmente, a liderança chinesa não se irritou: Gauck se referira à ex-Alemanha Oriental. Ainda assim os paralelos implícitos foram compreendidos, graças a uma tradução que circulou na internet chinesa.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Visão e perspicácia
Dois meses após sua visita à Turquia em 2014, quando também foi a um campo de refugiados na fronteira com a Síria, Gauck apontou o número crescente de migrantes, alertando sobre a necessidade de ação: processo de asilo mais rápido, cooperação com parceiros europeus, mais pragmatismo nos limites do politicamente viável. Isso aconteceu 14 meses antes de Angela Merkel proferir: "Nós vamos conseguir."
Foto: picture alliance/AA
Recusa a segundo mandato
Em 2016 Joachim Gauck decidiu não se candidatar novamente, após entregar seu cargo. Apoio não teria lhe faltado: ambos os partidos do governo haviam sinalizado sua preferência. Gauck justificou-se com o temor de não poder terminar o segundo mandato, quando estaria com 82 anos. Seu sucessor será Frank-Walter Steinmeier, que assume no dia 19 de março de 2017.