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A Alemanha esqueceu a Primeira Guerra Mundial?

Susanne Spröer (sc)8 de abril de 2014

Alunos britânicos visitam os campos de batalha em Flandres; o Dia do Armistício é feriado nacional na França. Na Alemanha, porém, a Primeira Guerra Mundial parecia praticamente esquecida. Até 2014, ano de seu centenário.

Foto: picture-alliance/ZB

"I am connected because..." No website do Museu Imperial da Guerra de Londres, Dan e Elana, Emily e Hugh e cidadãos britânicos de todas as idades contam sobre sua ligação com a Primeira Guerra Mundial. Ora o avô que teve de arrastar os corpos do campo de batalha e enterrá-los logo em seu primeiro dia no front. Ora o bisavô, médico militar, baleado pelas costas. Ou a mãe que perdeu o noivo nas batalhas.

Num vídeo com o objetivo de arrecadar fundos para uma grande exposição sobre o tema a partir de julho, filhos, netos e bisnetos descrevem os horrores da Primeira Guerra Mundial, aqui profundamente enraizados nas memórias familiares. Para os alemães, ao contrário, é muito difícil estabelecer essa relação, já que no país outra pergunta está em primeiro plano: "O vovô era nazista?"

Agressor, vítima, participante?

Na Alemanha, filhos e netos querem saber qual o grau de envolvimento de seus pais e avós com o nacional-socialismo. Se estes foram vilões, vítimas ou parte da massa inconsciente. Desconhecer as próprias raízes pode desestruturar fortemente um indivíduo, como mostra a história de Jennifer Teege.

Locais como Ypern, na Bélgica, ficaram marcados pela Primeira GuerraFoto: Getty Images

A vida da filha de uma alemã e um nigeriano foi revirada por completo quando ela soube, por acaso, que seu avô era Amon Göth, o sádico comandante de um campo de concentração na Polônia, que ficou conhecido através do filme A lista de Schindler.

Mas que relação tem a história de Jennifer Teege com a Primeira Guerra? Ela mostra por que o conflito de 1914 a 1918 caiu para segundo plano na memória coletiva. Ele ficou à sombra de horrores subsequentes ainda maiores, como o nazismo, a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto e a Guerra Fria. Todos iniciados na Alemanha.

História da Alemanha cheia de rupturas

Ao contrário de Inglaterra e França, cujos sistemas políticos (democráticos) permaneceram basicamente estáveis no século 20, a história alemã é cheia de rupturas. Desde 1914 houve cinco sistemas totalmente diversos: o Império Alemão, a República de Weimar e a ditadura nazista; depois a divisão em Alemanha Ocidental (RFA) e Oriental (RDA): dois Estados irmãos em confronto, pois integravam blocos inimigos. A Alemanha reunificada existe há apenas 25 anos. É uma jovem democracia, em comparação com França e Inglaterra.

Reichstag de Berlim, símbolo das reviravoltas históricas desde 1914Foto: picture-alliance/Mary Evans/Robert Hunt Collectio

Nenhum outro país da Europa Ocidental passou por mudanças tão drásticas. Porém o mesmo não pode se dizer de muitos países vizinhos ao leste da Alemanha, como a Polônia, Rússia e os países dos Bálcãs. Numa entrevista à DW, o cientista político Herfried Münkler explicou que por isso existe na Europa "uma disparidade Leste-Oeste, no que toca à cultura da memória".

Além disso, ao contrário dos belgas ou franceses, os alemães não testemunharam a Primeira Guerra dentro do próprio país. Na época do Império Alemão, grande parte da população só tomava conhecimento do conflito através de sucintos obituários e dos cartões postais censurados que os soldados enviavam.

O terror dos bombardeios e das evacuações de 1939 a 1945 suplantou a lembrança das trincheiras e campos de batalha da Primeira Guerra Mundial.

Causa versus culpa

Mesmo assim, também existem em vários lugares na Alemanha memoriais e associações de veteranos que recordam os mortos da Primeira Guerra. Há mais de meio século, pesquisadores alemães ocupam-se intensamente em elaborar a memória desse acontecimento.

Foi o historiador alemão Fritz Fischer quem lançou, na década de 60, a tese de que os alemães foram os responsáveis pela eclosão da Primeira Guerra Mundial. Assim, ele desencadeou um longo debate internacional, conhecido como a Controvérsia de Fischer.

Conflito mundial em foco na imprensa alemãFoto: DW/P. Henriksen

Abrindo o ano do centenário do conflito, foram lançadas inúmeras novas publicações. A questão da culpa ganhou agora um caráter secundário, pois é praticamente impossível responder a pergunta, devido à grande variedade de fontes e perspectivas. Em vez disso, o foco central é a investigação das causas.

Em The sleepwalkers: How Europe went to war in 1914 (Os sonâmbulos: Como a Europa foi à guerra em 1914), o historiador australiano Christopher Clark analisa o conflito como "o resultado evitável de uma densa sequência de eventos e decisões".

Em outro livro, Der Grosse Krieg: Die Welt 1914-1918 (A Grande Guerra – O mundo em 1914-1918), Herfried Münkler descreve detalhadamente o panorama dos anos de 1914 a 1918. O autor aponta o que os políticos de hoje podem aprender com a história, como, por exemplo, impedir que conflitos regionais se alastrem pelo continente inteiro.

Jovens querem saber mais

Com a aproximação do jubileu, o interesse público aumentou. Uma pesquisa recente revelou que os jovens da Alemanha querem saber sobre a Primeira Guerra Mundial mais do que aquilo que aprendem na escola. Diversos eventos procuram iluminar as múltiplas facetas da guerra.

A exposição Die Avantgarden im Kampf (As vanguardas em combate), do museu Bundeskunsthalle em Bonn, apresenta informações através de jornais, revistas e páginas online. No entanto, as iniciativas mais emocionantes ultrapassam as perspectivas nacionais.

Site Europeana 1914-1918 coleta memórias da época do conflitoFoto: Facts & Files

O website Europeana 1914-1918, por exemplo, é uma plataforma em 11 idiomas que coleta documentos e recordações particulares de toda a Europa. Também se destaca o projeto European Film Gateway, que desde 2012 disponibiliza na internet filmes históricos relacionados com a Primeira Guerra, provenientes de vários arquivos europeus.

Uma coisa, porém, chama a atenção: no tocante às grandes cerimônias nacionais em memória da guerra iniciada há 100 anos, a Alemanha oficial tem agido com reserva. No país, a Primeira Guerra não serve à formação de mitos nacionais e muito menos para ser comemorada.

São as inúmeras publicações e projetos que ajudam a compor um panorama internacional da Primeira Guerra Mundial, a partir do quebra-cabeça das diferentes perspectivas nacionais.

Assim como os astronautas só conseguem ver a Terra como um todo quando se afastam o suficiente, os historiadores também precisam de suficiente distância para reconhecer com clareza as reciprocidades e correlações em jogo.

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