Após 12 anos de kirchnerismo, argentinos dão voto de confiança a empresário defensor da economia de livre mercado. Ele promete crescimento e desenvolvimento, mas sem romper drasticamente com as políticas vigentes.
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Quem tem medo de Mauricio Macri? O novo presidente da Argentina é um dos homens mais ricos do país, um conservador e defensor da livre iniciativa que é ligado ao setor econômico. Neste domingo (22/11), a maioria dos argentinos deu seu voto a esse empresário no segundo turno da eleição presidencial – apesar de muitos deles desconfiarem da economia de livre mercado.
Macri, um empresário da construção civil de 56 anos, prometeu crescimento e desenvolvimento. Pessoas ligadas ao novo presidente disseram que ele não vai dar uma guinada de 180° na política econômica do país, mas acertar todas as reformas com os sindicatos e manter um certo grau de protecionismo.
"Aprendemos com os erros do passado", afirmou o presidente do Banco Ciudad, Rogelio Frigerio, ao jornal El País. Frigerio foi vice-ministro da Economia em 1998, durante o segundo governo de Carlos Menem. "É um erro acreditar que o mercado está exigindo sangue. O mercado acredita que, se a Argentina decide caminhar rumo ao desenvolvimento, deve fazê-lo de maneira sustentável, e não com mortos nas ruas", afirmou Frigerio.
As palavras drásticas do banqueiro ilustram o trauma nacional argentino: em 2001, o país foi obrigado a anunciar o calote da dívida. O então ministro da economia, Domingo Cavallo, teve de admitir o fracasso das reformas neoliberais por ele mesmo implementadas e da política de paridade do peso em relação ao dólar.
Agora, depois de 12 anos de domínio kirchnerista, a Argentina aposta numa guinada política e econômica com a eleição de Macri. Todos os especialistas estão convencidos de que o novo presidente terá de cortar programas sociais e subvenções diante da atual crise econômica.
Até agora, Macri tem se esforçado para dissipar o medo dos cortes sociais. Ele fala em novos investimentos, numa utilização mais eficiente dos gastos sociais, em questionáveis subsídios energéticos – que favorecem também as camadas mais ricas da população – em corrupção e num aparato burocrático inchado.
Presidente do Boca Juniors
Macri deve saber do que está falando. Afinal, nos oito anos à frente da prefeitura de Buenos Aires (2007 a 2015), ele pôde acumular uma rica experiência política. Os pontos fortes de sua administração foram reformas de edifícios escolares em condições precárias, investimentos no setor de saúde, reabilitação de espaços públicos e criação de uma unidade policial municipal.
"A maior crítica ao seu mandato é a dívida pública excessiva", escreveu o diário argentino Pagina 12. A emissora de TV Telesur colocou de forma mais drástica: "A administração de Macri se caracteriza por projetos de construção ineficientes, falta de política habitacional e uma dívida exorbitante."
O presidente recém-eleito se tornou conhecido nacionalmente na década de 1990. Filho do magnata ítalo-argentino da indústria Franco Macri, ele assumiu diversos postos de liderança na holding de seu pai, o Grupo Macri. O conglomerado, ao qual pertencem empresas dos setores da construção civil, de imóveis, de gestão de resíduos e de transportes, vive de concessões e contratos públicos, entre outros.
Em 1995, Macri foi eleito presidente do Boca Juniors, um dos clubes mais populares da Argentina. O cargo, que ocupou até 2007, o transformou numa espécie de herói popular.
Sua entrada na política aconteceu no início da década passada. Em 2005, ele despontou como cofundador da aliança conservadora PRO (Proposta Republicana), tendo sido eleito deputado federal nas eleições legislativas do mesmo ano.
A mensagem central de sua campanha eleitoral para presidente foi: "Eu sou Mauricio Macri, e me comprometo a resolver teus problemas sem retirar nada de tuas posses". Pouco mais da metade dos eleitores argentinos resolveu dar um voto de confiança ao empresário e prefeito de Buenos Aires.
O fim da era Cristina Kirchner
Após 12 anos de kirchnerismo, a Argentina elege um novo presidente. Relembre a trajetória de Cristina Fernández de Kirchner, que deixa tanto problemas econômicos quanto avanços sociais como herança de seu governo.
Foto: Getty Images/AFP/F. Monteforte
Cristina Fernández, "relato" e dramaturgia
Em oito anos de governo, Cristina se destacou por seu estilo e a tendência ao drama – foi acusada, inclusive, de criar um "relato" próprio da realidade da Argentina. Neste ano, ela deixa a Casa Rosada, e a era Kirchner chega ao fim. Com uma maioria kirchnerista no Congresso, porém, Cristina promete seguir influenciando a vida política do país.
Foto: Getty Images/A.Pagni
A sucessora de Néstor Kirchner
Cristina começou sua carreira política em 1989, como deputada pela província de Santa Cruz. Conheceu Néstor Kirchner durante a militância peronista, em 1974, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele foi presidente da Argentina de 2003 a 2007, ano em que a mulher ganhou as eleições para sucedê-lo. A morte de Néstor, em 27 de outubro de 2010, foi um duro golpe para Cristina e seus dois filhos.
Foto: D. Garcia/AFP/Getty Images
Laços estreitos com o Mercosul
Na foto, Cristina e o presidente da Bolívia, Evo Morales, vestem trajes típicos bolivianos durante uma cerimônia na Casa Rosada, sede da presidência em Buenos Aires. Ela sempre defendeu laços estreitos com os países vizinhos. Em 2013, anunciou que aceleraria "a reconstituição do Mercosul" e, no mesmo ano, disse que a espionagem dos EUA sobre o Brasil afetava a "dignidade" de toda a América do Sul.
Foto: Reuters/M. Brindicci
A reeleição
Em 2011, Cristina foi reeleita presidente da Argentina com 54,11% dos votos. Na foto, ela posa entre os dois filhos, Máximo e Florencia, em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, após tomar posse. Atualmente candidato a deputado, Máximo está sendo investigado sob suspeita de manter contas secretas nos Estados Unidos e Irã. Ele nega as acusações.
Foto: picture-alliance/dpa/C. de Luca
Um vice em apuros
Amado Boudou, então ministro da Economia, foi nomeado vice-presidente no segundo mandato de Cristina. A escolha foi mais tarde criticada, principalmente pelas polêmicas acusações que emergiram contra ele. O escândalo político conhecido como Ciccone, por exemplo, ligou Boudou à compra de uma falida empresa monopolista a fim de operar com o Estado na impressão de notas e documentos fiscais.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Goya
A luta contra o "Clarín"
O debate sobre a concentração da mídia segue aberto na Argentina. Cristina Kirchner travou uma longa batalha contra o grupo argentino "Clarín", acusando-o de monopólio midiático. Ao mesmo tempo, foi criticada por estimular a criação de um grupo de "veículos viciados no governo", segundo apontou, em entrevista à DW, a jornalista Laura di Marco, autora de uma biografia não autorizada da presidente.
Foto: picture alliance/dpa Fotografia
Direitos humanos
Cristina deu continuidade às políticas de direitos humanos de Néstor: aprovou leis acerca do casamento gay e da transexualidade e apoiou a busca por crianças desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Na foto, ela conversa com Estela de Carlotto, presidente da organização Abuelas de Plaza de Mayo. Seu neto, Guido, recuperou a verdadeira identidade ao ser encontrado em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
Discurso em rede nacional
A presidente está acostumada a falar em rede nacional – algo aplaudido por seus seguidores e criticado pela oposição. Ao se dirigir ao público, Cristina mantém um estilo sempre muito pessoal e, para muitos, carismático. "O kirchnerismo trouxe independência à Argentina", disse ela em um de seus discursos, em julho de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/L. La Valle
Falta de transparência
Em junho de 2015, Cristina enviou ao Congresso um projeto de lei para que alguns programas sociais sejam ajustados de tempos em tempos. Entre eles está o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol), equivalente ao Bolsa Família. Esses avanços na área social, porém, acabam sendo ofuscados pela falta de transparência com os índices de pobreza, a alta inflação e o déficit fiscal.
Foto: Reuters/E. Marcarian
Argentina versus "fundos abutres"
A batalha contra os chamados "fundos abutres" segue no país. Em setembro de 2015, a ONU aprovou uma resolução, recomendada pela Argentina, que propõe a criação de um marco legal para a reestruturação da dívida soberana. O ministro da Economia, Axel Kicillof (dir.), comemorou a decisão como "um passo fundamental".
Foto: Leo La Valle/AFP/Getty Images
Cristina, papa e "Estado Islâmico"
Em setembro de 2014, o papa Francisco recebeu Cristina, sua compatriota, no Vaticano. Após um encontro privado com o pontífice, a presidente revelou ter sofrido ameaças do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) por conta de sua posição diplomática diante dos conflitos no Oriente Médio – ela é favorável à existência de dois Estados: o da Palestina e o de Israel.
Foto: picture-alliance/dpa
Incentivo à cultura
Em nível nacional, o governo Cristina Kirchner deu um impulso importante à realização de eventos culturais e artísticos, mas com um estilo claramente personalista. Na foto, a presidente argentina participa da inauguração do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, em maio de 2015. Na ocasião, ela classificou o local como o "mais importante centro cultural da América Latina".
Foto: Reuters/Argentine Presidency
Duas cirurgias
Em seu segundo mandato como presidente da Argentina, Cristina foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos sérios: um para remover um tumor na tireoide, em janeiro de 2012, e outro para drenar um hematoma cerebral, em outubro de 2013. Ela teve boa recuperação em ambos os casos, mas precisou ficar afastada do trabalho por um curto período de tempo.
Foto: picture-alliance/dpa
Negócios com a Rússia
Cristina se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em abril de 2015, e do encontro pode ter saído muito mais que os acordos energéticos e econômicos firmados. Em ano eleitoral na Argentina, o gesto chegou a ser interpretado como um esforço da presidente para afastar o país de seu tradicional alinhamento com os Estados Unidos e a União Europeia e estimular uma aproximação com os Brics.
Foto: Reuters/A. Nemenov
Caso Nisman choca o país
A morte do promotor Alberto Nisman abalou a sociedade argentina e continua sem esclarecimento perante a Justiça. Ele foi encontrado morto em casa em 18 de janeiro de 2015, dias antes de divulgar um relatório polêmico contra a presidente. Nisman acusaria Cristina de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país: o atentado a bomba à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Pisarenko
Sucessor da era Kirchner?
Daniel Scioli, da coligação Frente para a Vitória, é o candidato à presidência argentina capaz de dar continuidade ao programa político do kirchnerismo. Segundo especialistas, o governo deixa como herança para o próximo presidente graves problemas econômicos e estruturais, mas também avanços sociais e um aumento no nível de consumo da população.
Foto: Reuters/A.Marcarian
Adeus à figura que polariza
Com seu estilo autoritário e maternal, Cristina Kirchner polarizou a sociedade argentina. Esteve cercada de acusações de corrupção, e a insegurança jurídica cresceu durante seu governo. Por outro lado, deu impulso à cultura e aos direitos civis. Ao dizer adeus, Cristina deixa um legado complexo à próxima administração, e é improvável que se afaste totalmente da agenda política do país.