A riqueza decadente e a extrema pobreza da frágil democracia no período anterior ao nazismo são retratadas na exposição "Esplendor e miséria na República de Weimar" em Frankfurt.
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A República de Weimar (1918-1933) foi a primeira tentativa de estabelecer uma democracia na Alemanha. Ela surgiu após a Primeira Guerra Mundial e durou até a tomada de poder por Hitler em 1933. Esse período é frequentemente descrito como decadente e vanguardista: as mulheres passaram a aproveitar as liberdades conquistadas, como o direito de voto; a homossexualidade não era mais um tabu – ao menos, não na vida noturna das grandes cidades – álcool e drogas podiam ser adquiridos sem grandes problemas nos clubes de dança de Berlim.
A imagem de Berlim oscilava entre decadente e metrópole pulsante. A ampliação dos limites da cidade e a intensa imigração transformaram Berlim na década de 1920 a terceira maior cidade do mundo. Entre os imigrantes, havia grupos totalmente variados, como mutilados de guerra, milionários, trabalhadores e artistas. Todos eles traziam experiências diversas e tornaram Berlim durante o período conhecido como República de Weimar um lugar de fortes contrastes. Enquanto damas elegantes da alta burguesia desfilavam com seus casacos de pele pelo emblemático bulevar Ku'Damm, famílias inteiras passavam fome nos apartamentos minúsculos dos bairros pobres.
Mostra "Esplendor e miséria na República de Weimar"
O fim da 1ª Guerra e a transformação do país em democracia iniciou um período conturbado na Alemanha, que levou à ascensão do nazismo. Este terreno fértil para a arte é tema de uma exposição em Frankfurt.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Rumpenhorst
"Tiller Girls", de Karl Hofer
As duas bailarinas inglesas retratadas de forma abstrata pelo pintor Karl Hofer em 1927 eram lendárias em Berlim nos anos de 1920. Elas se apresentavam todas as noites no Admiralpalast, um famoso cabaré da época.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Rumpenhorst
"Dama usando pele e véu", de Otto Dix
Depois da 1ª Guerra, Berlim cresceu e se tornou uma efervescente metrópole europeia, chegando a ser a terceira maior cidade do mundo. A vida noturna e o hedonismo dos anos de 1920 serviam de inspiração aos artistas. Um deles foi o pintor e veterano de guerra Otto Dix. Nesta pintura de 1920, ele mostra sua predileção por retratar prostitutas, sobreviventes de guerra e marginalizados sociais.
Foto: VG Bild-Kunst, Bonn 2017, Judy and Michael Steinhardt Collection, New York
"Gigolô e prostituta", de Otto Dix
Otto Dix retratava com frequência sujeitos simples que incorporavam o espírito da época da República de Weimar. Ele mesmo havia retornado da frente de batalha como veterano de guerra. Os desenhos revelam a predileção de Dix em retratar o irreparável e o mórbido na sociedade. Aqui, na obra de 1923, um gigolô com o bigode de Hitler – uma moda na época – com uma "flor da noite" atrás de si.
Foto: VG Bild-Kunst, Bonn 2017
"Rapazes amantes", de Christian Schad
A República de Weimar foi um período turbulento. Superada a monarquia, o anseio pela liberdade era imenso. A homossexualidade era socialmente aceitável, ainda que passível de punição perante a lei. O pintor Christian Schad, dadaísta e observador crítico, tomou isso como tema central para seus desenhos e telas, como na obra de 1929.
Foto: VG Bild-Kunst, Bonn 2017/Foto: J. Oschik, Museen der Stadt Aschaffenburg
"O carnaval de Weimar", de Horst Naumann
O pintor Horst Naumann usa seus quadros para denunciar as vivências da guerra e a morbidez da sociedade urbana. A ascensão do nazismo, o antissemitismo latente e a decadência de Berlim foram registrados pelo pintor em uma colagem de cenas fílmicas neste quadro de 1929.
Irmgard Keun ficou famosa ao publicar no início dos anos de 1920 o conto "A moça em seda artificial". Este era o tecido mais barato para os vestidos das prostitutas, que compunham o cenário da vida noturna de Berlim. Mas também "moças de família" aproveitavam o cenário decadente da cidade em bares, cabarés e clubes de dança, como "Margot", aqui retratada em 1924 por Rudolf Schlichter.
Foto: Viola Roehr von Alvensleben München/Foto: M. Setzpfandt
"Quarta-feira de cinzas", de Jeanne Mammen
Extremamente moderna, a pintora Jeanne Mammen afirmava-se no círculo berlinense de artistas com audácia e autoconfiança. Ela começou como estilista de moda e depois trabalhou para as revistas satíricas alemãs "Simplicissimus" e "Ulk". O estilo caricato de seu traço marcou também suas pinturas. Aqui, o desenho em aquarela de 1926 é um exemplo disso.
Foto: VG Bild-Kunst, Bonn 2017/Foto: M. Schormann
"Logenlogik", de Dodo
A mostra na Schirn Kunsthalle tem cerca de 200 obras de 62 artistas. Muitas mulheres fizeram parte do movimento artístico da Nova Objetividade. Aqui, uma caricatura da artista Dodo, aliás, Dörte Clara Wolff, publicada em 1929 na revista satírica "Ulk", demonstra a vida extravagante à margem da Grande Depressão, crise que eclodiria nesse mesmo ano.
Foto: Privatsammlung Hamburg/Krümmer Fine Art
"Café (Cavaleiro da suástica)", de Georg Scholz
Durante a República de Weimar, muitos pintores revelaram-se como sismógrafos sociais, pressentindo a catástrofe política que desembocaria no nazismo. Com a Grande Depressão de 1929, a pobreza do pós-guerra agravou-se ainda mais. A arte serviu como espelho dessa sociedade. As percepções artísticas da época podem ser vistas até fevereiro de 2018 na Schirn Kunsthalle em Frankfurt.
Foto: VG Bild-Kunst, Bonn 2017, Foto: Galerie Michael Hasenclever
"Das coisas por vir", de George Scholz
Em "Das coisas por vir", de 1922, George Scholz retrata a sociedade industrial alemã e o capitalismo. As chaminés das fábricas servem como pano de fundo para as três figuras masculinas estilizadas. A imobilidade dessas figuras é complementada com o geometrismo dos prédios ao fundo e o chão. O único movimento vem das chaminés, que insinuam a presença (ainda que oculta) da classe operária.
Foto: bpk/Neue Galerie New York/Art Resource, NY
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Retratada pelo cineasta alemão Tom Tykwer na aclamada série televisiva Babylon Berlin, essa época também é o tema da exposição de arte Esplendor e miséria na República de Weimar no museu Schirn Kunsthalle em Frankfurt. A mostra, que pode ser vista até fevereiro de 2018, traz cerca de 200 obras de 62 artistas que eternizaram aquela época turbulenta em seus desenhos, rascunhos e pinturas.
A exposição concentra-se em ilustrar a inquietação social e política da época. Isso pode ser observado tanto nos conteúdos das obras como também na estética e nos temas adotados, que deixam evidente a influência de movimentos de vanguarda como o Dadaísmo e o Cubismo. Ingrid Pfeiffer, curadora da mostra, procurou explorar de que forma esse período marcou os princípios modernos. "Estamos acostumados a interpretar a história da República de Weimar a partir de seu final – mais exatamente da transição ao nacional-socialismo e à Segunda Guerra Mundial", comenta.
Progresso industrial e recessão econômica
Os artistas do período de Weimar, sejam literatos, dançarinos, atores ou músicos, procuravam retratar o tumulto e a turbulência de seu cotidiano – especialmente o da metrópole Berlim.O escritor Alfred Döblin é um desses exemplos, ao publicar em 1929 o romance Berlin Alexanderplatz. Por um lado, o romance enfoca o progresso industrial e testemunha até sinais de uma riqueza crescente entre as duas guerras mundias. Por outro lado, já se podia sentir a desigualdade social, decorrente da recessão econômica e que culminaria na Grande Depressão de 1929.
Apesar de todas suas tensões sociais e lutas políticas, a República de Weimar foi um terreno fértil para a arte. A berlinense Jeanne Mammen, pintora, desenhista e tradutora, havia retornado como refugiada da França a sua cidade natal ainda durante a Primeira Guerra Mundial.
Durante os anos da República de Weimar, a artista tinha seu atelier muito próximo à agitada avenida Kurfürstendamm: um espaço muito apropriado para observar a elite rica e privilegiada que ela gostava de retratar nos clubes noturnos e festas privadas.
Outro pintor célebre da época, o veterano de guerra Otto Dix, dedicou-se em suas obras à paisagem social da cidade em forma de caricaturas. Os marginalizados da sociedade, que se encontravam espalhados por toda a cidade, eram o tema principal transposto em suas telas e desenhos, ao lado de muitas prostitutas, personagens da vida noturna e mutilados de guerra.
Sociedade em transição para a modernidade
Artistas como Dix e seus contemporâneos também ilustravam a luta pela democracia. Suas obras refletiam a realidade do dia a dia de uma sociedade em transição, situada exatamente entre crises. O Novo Realismo ou a Nova Objetividade, movimento artístico do momento e que era um desdobramento do expressionismo alemão, fazia fortes críticas políticas e sociais. Os artistas traziam à tona a segregação econômica que estava intrinsecamente ligada à industrialização na Alemanha.
Através da documentação das contradições sociais, o esplendor e a miséria, a arte do período da República de Weimar amadureceu, observa a curadora da mostra. "Apesar dos desenvolvimentos políticos e sociais negativos que os artistas retratavam muito pontualmente, surgiu o que hoje chamamos de modernidade", explica.
Ainda segundo Ingrid Pfeiffer, a República de Weimar foi uma época progressiva, com muitas ideias pioneiras não somente na arte, na arquitetura e no design. (...) "Para mim, essas tendências, junto com a miséria explícita na época, marcaram o brilho da República de Weimar."
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Dadaísmo: a arte reage ao absurdo da guerra
Em 1916, artistas se rebelaram contra o establishment e a carnificina da Primeira Guerra Mundial. Assim surgia o movimento que celebrava o absurdo, através de performance, poesia e arte conceitual.
Foto: Gemeinfrei
Tudo começou num clube noturno
A revolução artística do dadaísmo teve início na neutra Suíça, refúgio de artistas europeus durante a Primeira Guerra Mundial. Foi lá que os dadaístas se reuniram em 5 de fevereiro de 1916, no Cabaret Voltaire, clube noturno fundado em Zurique pela cantora Emmy Hennings e o poeta Hugo Ball. Vestindo um traje cubista, Ball recita seu famoso poema absurdo "Jolifanto bambla ô falli bam ..."
Foto: Gemeinfrei
Arp, Tzara, Richter
Os artistas Hans Arp, Tristan Tzara e Hans Richter chegaram a Zurique durante a Primeira Guerra Mundial. Eles criticavam os massacres sem sentido do conflito através de suas próprias obras absurdas. Suas performances caóticas atacavam a burguesia e a Igreja.
O psicanalista e poeta alemão Richard Huelsenbeck também fugiu para Zurique e se tornou um dos membros fundadores do dadaísmo. Depois da guerra, Huelsenbeck se mudou para Berlim e, em 1920, publicou o "Dada Almanach", que incluía seu "Manifesto Dada." Nele, comparou sua famosa poesia simultaneísta a "jogar tudo numa confusão".
Foto: picture alliance/akg-images
Hannah Höch
Dadaístas se rebelaram contra interpretações tradicionais da arte. Eles eram inspirados por associações ilógicas encontradas em sonhos. As artes visuais também foram influenciadas pela introdução de novos materiais e a aceitação da imperfeição. A artista alemã Hannah Höch era especializada em colagens e montagens de fotos. Ela criou referências paradoxais, distorcendo a realidade.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Pilick
Marcel Duchamp
Ele chamava suas obras de "ready mades". Transformou um mictório enuma peça de museu, chamando-o, ironicamente, de "A fonte" e mostrou que uma roda sobre um banquinho pode ser considerada uma escultura. Duchamp também acrescentou um bigode a uma reprodução da Mona Lisa.
Foto: Getty Images/D. Kitwood
Kurt Schwitters
Ele se tornou uma estrela dadaísta solo em Hannover. Schwitters inventou seu próprio movimento artístico e o batizou de Merz. O nome surgiu através de uma montagem usando uma propaganda do banco alemão Kommerz- und Privatbank. Ele criou edifícios Merz, que eram obras de arte arquitetônicas em madeira, reboco e pintura. Também publicou revistas Merz, em que promovia sua poesia.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Hollemann
Francis Picabia
O artista francês participou de vários movimentos. Picabia começou como impressionista, passou para o cubismo, se tornou dadaísta e acabou com os surrealistas. Suas pinturas estão cheias de alusões a sonhos e desejos reprimidos, como neste trabalho, "Dresseur d'animaux", de 1923.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Bieri
Max Ernst
Em Colônia, Max Ernst se autodenominou Dadamax. Ele experimentava novas técnicas e materiais, integrando, por exemplo, objetos do cotidiano, como madeira e ferramentas, em uma obra de arte e chamando-a de "fruto de uma longa experiência". Também trabalhava suas experiências de guerra em colagens, usando imagens de pilotos e bombas, retiradas de reportagens ilustradas da frente de batalha.
Foto: picture-alliance/dpa
Man Ray
O americano é um dos representantes mais importantes do dadaísmo, mesmo que tenha passado depois para o surrealismo. Ray também criava associações inesperadas, sobretudo através de fotos. Esta transforma o corpo de uma musa enigmática num violoncelo. Os retratos que fez de seus colegas vanguardistas também o tornaram famoso.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Lux
Sophie Taeuber-Arp
Às vezes, ela preferia dança às artes visuais. A artista suíça usava máscaras quando se apresentava no Cabaret Voltaire. Suas pinturas, compostas de formas geométricas, não eram provocantes. Taeuber-Arp preferia fazer círculos, quadrados e retângulos brilharem alegremente. Ela se casou com o dadaísta Hans Arp em 1922.
Foto: VG Bild-Kunst
Hans Arp
O franco-alemão era também ativo em várias formas de arte. Foi pintor, escultor e poeta. Seus trabalhos consistiam em colagens e xilogravuras. Arp colaborava frequentemente com sua mulher. O casal tinha como objetivo criar uma arte impessoal, que não era realizada por apenas uma pessoa. Ele também colaborou com Max Ernst em Colônia.
Foto: VG Bild-Kunst, Bonn 2016
André Breton
O autor do "Manifesto surrealista" conheceu em Paris o artista romeno Tristan Tzara, que era então um dos principais promotores do movimento Dada. Os dois começaram a organizar eventos dadaístas juntos. Breton publicou textos escritos por dadaístas na revista "Littérature", ajudando a popularizar o movimento na capital francesa.
Foto: picture alliance/Heritage Images/Fine Art Images