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PolíticaEl Salvador

A ascensão de Nayib Bukele, o presidente de El Salvador

8 de maio de 2023

Líder de El Salvador se tornou o mais popular da América com sua guerra à criminalidade, que é criticada pelo desrespeito aos direitos humanos e vista como ameaça à democracia.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, durante entrevista
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele,Foto: Emin Sansar/AA/picture alliance

No início de abril, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, usou um de seus meios de comunicação favoritos, o Twitter, para afirmar que, por dois dias consecutivos, não houve homicídios no país.

Ele mesmo atribuiu essa situação a seu controverso regime de exceção, em vigor desde março de 2022 e que suspendeu direitos constitucionais, permitindo à polícia deter pessoas sem provas.

Em um ano, mais de 65 mil pessoas foram detidas, acusadas de pertencer a gangues ou de colaborar com elas – a polícia não precisa provar nada para prender, basta suspeitar.

Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que entre os detidos estão milhares de inocentes e denunciam violações dos direitos humanos e enfraquecimento da democracia e do Estado de Direito.

A imprensa relata que os homicídios de fato diminuíram, mas divulgou um pacto entre Bukele e líderes de gangues salvadorenhas e denunciou que o país está pagando um preço alto com a deterioração da democracia e que "o remédio pode se mostrar pior que a doença".

Pesquisas afirmam que a ampla maioria da população apoia o estado de exceção e que o índice de popularidade de Bukele chega a 80%.

Origens de Bukele

Bukele chegou ao poder em El Salvador em junho de 2019 – uma ascensão fulminante fez dele o presidente mais jovem da história do país, eleito com apenas 37 anos.

Ele costuma se vestir de uma maneira informal, com calças jeans e jaqueta de couro, mantém a barba bem aparada, usa o cabelo puxado para trás com gel e é percebido como um político da geração millenial, com forte presença nas redes sociais.

Bukele é filho de um empresário muçulmano de origem palestina que abriu o primeiro McDonalds de El Salvador e ficou rico com uma fábrica do setor têxtil.

Bukele foi dono de uma revenda de motos da marca Yamaha e diretor de uma agência de relações públicas antes de entrar para a política, em 2011, como candidato a prefeito da pequena cidade de Nuevo Cuscatlán pelo partido de esquerda Frente Farabundo Martí para Libertação Nacional (FMLN).

Ele venceu a eleição e, após um mandato como prefeito da pequena cidade, de 2012 a 2015, candidatou-se à prefeitura da capital, San Salvador, cargo que é considerado um trampolim para o comando do país.

O trampolim deu resultado: após apenas um mandato à frente da prefeitura da capital, Bukele foi eleito presidente de El Salvador em 2019, aos 37 anos, em meio à desilusão dos salvadorenhos com os dois principais partidos políticos e a incapacidade deles de resolverem o problema da criminalidade.

Pessoas detidas durante o estado de emergência são transferidas para nova prisãoFoto: Secretaria de Prensa de la Presidencia/REUTERS

As gangues

El Salvador é o menor país da América Central. De 1980 a 1992 viveu uma brutal guerra civil, que deixou mais de 75 mil mortos, a ampla maioria deles civis, e mais de 9 mil desaparecidos. De um lado estava a guerrilha de esquerda, reunida na FMLN (que mais tarde daria origem ao partido político) e do outro a ditadura militar de direita, apoiada pelos Estados Unidos.

O fim da guerra civil e o retorno à democracia não trouxeram benefícios para a maior parte da população salvadorenha. Dois partidos, a Arena, de direita, e a FMLN, de esquerda, dominaram o sistema político e se alternaram no poder. Foram anos marcados pela pobreza, pela violência e pela migração em massa, sobretudo para os Estados Unidos.

O principal fenômeno social do pós-guerra são as gangues. As origens delas não estão em El Salvador, mas nos Estados Unidos. As duas maiores e mais conhecidas, a Mara Salvatrucha 13 (MS-13) e a Barrio 18, surgiram em Los Angeles nos anos 1980. Muitos jovens salvadorenhos, recém-chegados à Califórnia depois de fugirem da guerra civil, não encontraram espaço na sociedade americana e se voltaram para o crime.

O governo dos Estados Unidos, do presidente democrata Bill Clinton, prendeu e deportou milhares desses jovens. Ao retornarem a El Salvador, os deportados ficaram em liberdade e mantiveram as atividades e rivalidades das gangues.

A gangues chegaram a reunir 70 mil membros e se especializaram em extorquir pequenos comerciantes por meio de "impostos". Por causa delas, a taxa de homicídios em El Salvador chegou a ser maior do que durante a guerra civil. Em 2015, foi de 105 mortes para 100 mil pessoas.

Pacto com as gangues

Bukele, que era prefeito de San Salvador pelo FMLN, foi expulso do partido em 2017. Durante uma reunião, ele teria jogado uma maçã numa colega partidária e a chamado de bruxa. Ele logo criou seu próprio partido, o Novas Ideias, e começou a criticar o sistema partidário dominado por Arena e FMLN como corrupto.

O slogan dele de campanha – "Tem dinheiro suficiente se ninguém roubar" – também bateu na tecla da corrupção. E Bukele pôde se apoiar na sua imagem de jovem e outsider e numa ampla rede de mídia que ele passara os últimos anos construindo, em especial nas redes sociais Facebook, Twitter e YouTube. Acabou eleito presidente no primeiro turno, com 53% dos votos, em 2019.

O portal salvadorenho de jornalismo investigativo El Faro revelou que Bukele começou a negociar secretamente com a gangue MS-13 logo depois que assumiu o governo para diminuir a taxa de homicídio. Mais tarde, o mesmo portal revelou que também houve negociações com as duas facções da Barrio 18, a Revolucionarios e a Sureños.

Detento acusado de pertencer a uma gangue em El SalvadorFoto: Presidency of El Salvador/Handout/AA/picture alliance

Em troca da queda nos homicídios, as organizações criminosas queriam melhorias nas condições para os líderes encarcerados e benefícios para membros em liberdade.

Segundo o site, o pacto do governo com o MS-13 durou até o massacre do fim de semana de 25 a 27 de março de 2022, quando 87 pessoas foram assassinadas pela gangue – a maioria delas não tinha qualquer relação com a criminalidade.

Líderes da gangue contaram a El Faro que o massacre foi uma resposta à "traição" do governo de Bukele ao pacto, expressa na detenção de um grupo de membros da MS-13 que era conduzido num veículo do governo acreditando ter uma espécie de salvo-conduto, mas acabou preso.

El Faro revelou ainda gravações de um membro do governo negociando com a gangue em nome de Bukele, em meio ao massacre de janeiro, para tentar salvar o pacto. Tudo com a anuência de Bukele, chamado nos áudios de Batman. Os áudios mostram também que o governo libertou um líder da MS-13, conhecido como Crook de Hollywood, que tinha processos judiciais pendentes e um pedido de extradição para os Estados Unidos.

Reação ao massacre

Depois do massacre, Bukele ordenou à Assembleia Legislativa que impusesse o regime de exceção. No começo, a implementação das medidas se voltou sobretudo contra a MS-13, mas aos poucos foi sendo ampliada também para as demais gangues.

Em um ano, mais de 65 mil pessoas foram presas. Segundo a Human Rights Watch (HRW), dezenas foram mortas em prisões. Há ainda casos de torturas, detenções arbitrárias, restrições de direitos constitucionais, ocultamento de informações oficiais, contratos e compras sem licitação pelo governo.

Pelo regime de exceção, mesmo crianças de 12 anos podem ser postas na cadeia. A detenção provisória foi ampliada de 72 horas para 15 dias, e sem direito à defesa. Liberdades fundamentais, como o direito à reunião, o direito à defesa jurídica e a inviolabilidade de correspondências, foram suspensas, assim como a necessidade de autorização judicial para escutas telefônicas.

Violações de direitos humanos foram denunciadas e estão documentadas: o regime de exceção colocou inocentes na prisão. Alguns detidos saíram mortos da cadeia. Outros, que conseguiram sair vivos, relataram torturas e mortes.

A diretora da ONG Cristosal afirmou que, segundo investigações próprias, apenas 30% dos detidos são de fato membros das gangues e que a ampla maioria são pessoas inocentes.

Em paralelo, a propaganda do governo apresenta Bukele como um herói e divulgou imagens de detentos seminus, sentados numa prisão antes de serem enviados para o chamado Centro de Confinamento do Terrorismo, a prisão que o regime construiu, com capacidade para 40 mil pessoas. Inaugurado por Bukele em janeiro, numa área de 23 hectares, é a maior prisão da América.

Declínio da taxa de homicídios

O regime de exceção já foi prorrogado 11 vezes desde que foi instituído, em março de 2022. Ele é amplamente criticado por organizações de direitos humanos e levou analistas a chamarem Bukele de ditador – uma alcunha que, aliás, ele mesmo se atribuiu ao referir-se a si mesmo como "o ditador mais cool do mundo" na sua biografia no Twitter.

E Bukele também aprovou outras alterações, substituindo juízes da Suprema Corte que não eram de seu agrado por outros, leais a ele. Assim, ele deverá concorrer a um segundo mandato presidencial em 2014, apesar de a Constituição de El Salvador não prever a reeleição do presidente.

O governo argumenta que o regime de exceção funcionou, o que El Faro confirma: "Nas ruas, isso é um fato – ao menos por enquanto". As gangues foram desestruturadas. Mas muitas pessoas têm medo de ver seus nomes numa reportagem por temerem que a situação seja apenas passageira. O site lembra ainda que o governo pactuou com as gangues e soltou o líder histórico da MS-13 conhecido como El Crock de Hollywood.

ONGs de direitos humanos argumentam que, no longo prazo, as medidas adotadas por Bukele dificilmente trarão resultados, pois não alteram os problemas estruturais que originaram a criminalidade e a violência. El Faro, em editorial, conclui que "o remédio pode se mostrar pior do que a enfermidade".

Modelo para a direita

Apesar das sanções por parte do governo dos Estados Unidos a membros do governo salvadorenho e das críticas das organizações de defesa dos direitos humanos, Bukele é visto como um modelo por muitos cidadãos, políticos e governantes de direita na América Latina.

O candidato derrotado à presidência da Colômbia Rodolfo Hernández foi a El Salvador para conhecer as políticas de segurança de Bukele em primeira mão. O prefeito de Lima, Rafael López Aliaga, também elogiou as iniciativas do salvadorenho contra a criminalidade. E esses são apenas dois exemplos.

Muitos analistas temem pela democracia de El Salvador – e que Bukele, aos poucos, esteja se tornando um modelo regional. Especialistas dizem que, desde o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, nenhum político populista-personalista chamou tanto a atenção na região como Bukele.