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EducaçãoBrasil

A batalha de um aluno exemplar para passar no Enem

Expedito César Da Costa Mendes
18 de março de 2021

"Existe uma realidade para a qual eu, aluno de escola pública, não fui preparado", escreve Expedito Mendes, que há quatro anos tenta ingressar no curso de medicina de uma universidade pública.

Mão segura marca-texto e grifa as palavras Enem 2021 em caderno
Alunos de escolas públicas não se sentem preparados para o EnemFoto: Luis Lima/Fotoarena/imago images

Nota dez nas provas, muito elogiado e vencedor de provas interescolares. Essa é a minha honrosa passagem pela escola pública. Porém, tal honraria foi insuficiente para que eu fizesse uma boa prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no meu último ano de ensino médio. Na realidade, foi um fiasco que não me ocorreria nem na pior das minhas hipóteses durante a escola.

Ainda que eu não tivesse o privilégio de estudar em uma escola de alto nível, considero-me privilegiado pelo acesso à internet, por meus pais compreenderem meu desejo de cursar medicina e pela possibilidade de estudar sem a necessidade de um imediato vínculo empregatício. Assim, pela lógica e por aquela ideia ilusória que formei, eu teria alguma chance de concorrer a uma vaga no sonhado curso.

Contudo, ao ler e não entender quase nenhuma questão de exatas do Enem e tampouco saber que ocorreu uma ditadura militar no Brasil, minha visão mudou. Existe uma realidade para a qual eu, aluno de escola pública, não tinha sido preparado e nem mesmo sabia da existência. Descobri que meus anos de preparação não foram para o mundo lá fora, mas para meramente completar a caminhada num sistema superficial e mecânico.

Eu, que era sempre chamado de nerd, fiquei confortável demais ao ouvir de um professor, ao me defender do apelido dito de forma pejorativa, que "os nerds de hoje são os ricos do amanhã". Assim, permaneci na minha zona de conforto, sem mesmo saber que estava nela. A resposta do professor podia até ser verdade, mas era a verdade de alguém que vivia uma realidade com mais recursos e informações do que a minha.

Pedras no caminho 

O baque de ser confrontado com a real concorrência foi grande, mas meu orgulho foi maior e tentei me manter inabalável. Com isso, travei uma batalha contra o Enem. Somam-se quatro anos nessa guerra. Nesse período, tive que contar com a internet extremamente ruim do meu estado, o Amapá, me obrigando a ir para a biblioteca da capital (já que na minha cidade não existe uma) para tentar assistir a algumas videoaulas no pouco tempo que sobrava após quase quatro horas dentro do ônibus lotado e sem qualquer conforto que explique o preço absurdo da passagem. Atrelado a isso, enfrentei a frustração de me ver ficando para trás em comparação com os meus concorrentes, o que me colocou em uma nova batalha com uma oponente ainda mais desafiadora: a ansiedade. Ela pode ser uma grande vilã para os vestibulandos.

E agora, para piorar, a pandemia trouxe um novo campo de batalha, em que os pensamentos se revezam entre a concentração para terminar uma redação e a calamidade que o mundo enfrenta. Manter-se são nesse período é uma tarefa com a qual nem mesmo Tom Cruise teria facilidade, podendo ser facilmente apelidada como "Missão Impossível".

A pandemia, com o poder do distanciamento, dificultou o acesso aos professores. Isso reduziu as minhas chances de recuperar o prejuízo intelectual que tive durante a escola. Ao resolver questões, as dúvidas se tornaram tão íntimas que quase posso convidá-las para passar o Natal comigo. Participar do projeto de monitoria chamado Salvaguarda foi fundamental para que eu continuasse "no páreo".

O apagão

Apesar de já ter uma vida sujeita a diversos entraves por ser um estudante amapaense, outra calamidade ocorreu em 2020: o apagão no estado. Foram 21 dias me revezando entre resolver questões e correr atrás de um local que vendesse água potável e gelo, duas coisas mais valiosas do que dinheiro, pois as pessoas desejavam conservar seus alimentos por mais alguns dias nesse meio de incertezas. Diante disso, era nítido que estudar deixou de ser a regra, mas a exceção frente à necessidade de sobreviver àquele cenário.

Claramente, aquela batalha com a ansiedade não teve qualquer armistício. Somado ao evidente cansaço que já se instaurava àquela altura, o apagão, a pandemia e o sentimento de retrocesso frente a meus concorrentes, ela aflorou mais forte do que nunca.

Ficou cada vez mais óbvio que a batalha dos vestibulandos pode ser a mesma, mas as armas que cada um tem à disposição são diferentes. A sociedade ainda vive uma clara divisão entre aqueles que podem facilmente sonhar e fazer acontecer e aqueles que não têm esse privilégio. A realidade vai muito além do adolescente de 15 anos que passou em várias universidades de medicina ou da pessoa que estuda 12 horas por dia. Ela perpassa, também, o estudante que precisa trabalhar para ajudar em casa e o jovem que vende bombons para pagar o cursinho, já que o ensino público deficitário não deu a ele o suporte necessário para mudar a sua realidade.

Expedito César Da Costa Mendes tem 20 anos e pretende ingressar na Unifap, UFPA, UFSC ou UnB. Ele ainda está esperando o resultado da última edição do Enem e não pretende desistir: fará a prova todos os anos, até passar.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius de Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

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