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A busca de Berlim por identidade no futebol

Jonathan Harding (pv)15 de setembro de 2015

Em todas as grandes ligas europeias, as capitais têm clubes consagrados e disputando torneios continentais. Mas, na metrópole alemã, conturbada história política e falhas administrativas minaram progresso do esporte.

Foto: Fotolia/Bruder Jakob

As metrópoles europeias são repletas de variedades, e Berlim não é exceção. No entanto, quando se trata de futebol, a capital alemã deixa a desejar: na era profissional, nunca teve uma equipe campeã nacional.

O último título foi em 1931, época em que os campeões do norte e do sul do país se enfrentavam em partida única – o Hertha Berlin derrotou o Munique 1860 por 3 a 2. Durante a divisão da Alemanha, entre as temporadas de 1950 e 1991, Berlim comemorou apenas seis títulos do principal campeonato de futebol da Alemanha Oriental. Detalhe: o clube, Vorwärts Berlin, foi fundado em Leipzig e se mudou temporariamente à capital, onde ficou 18 anos.

Na França, o multimilionário Paris Saint-Germain; na Espanha, o maior campeão europeu Real Madrid; na Itália, a tradicional Roma; na Inglaterra, Arsenal e Chelsea; e em Portugal, o supercampeão Benfica – só para citar algumas das potências nacionais que costumam figurar nas competições continentais de futebol, como a Liga dos Campeões, que começa nesta terça-feira (15/09).

Das muitas equipes que têm se esforçado para superar os obstáculos financeiros e políticos da cidade nos últimos 70 anos, Hertha Berlin e Union Berlin são os dois clubes que sofreram os menores danos.

Mas ambos não possuem a ressonância condizente com um clube da capital. As razões vão desde fronteiras históricas, envelhecimento de estádios até as exigências do futebol moderno. A combinação de todos esses fatores cria a história de uma cidade desprovida de uma grande presença no futebol.

A turbulenta história de Berlim é conhecida mundialmente, mas os impactos dessa divisão entre leste e oeste perduram, apesar de o Muro ter sido derrubado há 25 anos. As diferenças ainda se refletem geograficamente através das bases de torcedores de Hertha e Union, que estão divididos quase exatamente como na época do antigo Muro.

O histórico efeito colateral da divisão tem arrastado Berlim para patamares mais baixos do mapa financeiro da Alemanha. Nenhuma das 30 principais empresas alemãs cotadas no mercado de ações está baseada em Berlim.

Frankfurt é a capital bancária do país e onde está localizada a sede do órgão que administra o futebol profissional da Alemanha, a DFL. Enquanto isso, o estado alemão com maior Produto Interno Bruto (PIB) é a Baviera e, consequentemente, o clube de futebol mais bem sucedido do país está localizado em Munique. Vale lembrar que o Bayern, recordista de títulos alemães, não fez parte dos clubes fundadores da Bundesliga e foi se tornar potência somente na década de 1970.

A reconhecidamente pobre, mas popular Berlim virou terreno fértil para diversidade cultural e social. Futebol, deve-se dizer, nunca foi o primeiro amor dos berlinenses. Porém, isso está começando a mudar, mas não às custas de outras modalidades – de basquete a hóquei no gelo, existem 72 equipes esportivas de alto nível na capital.

Em Berlim, a população mudou e seguiu as marés da história. Já Dortmund, Stuttgart, Frankfurt e Mönchengladbach tiveram o benefício do "efeito paixão" gerado em cidades menores. Elas viram um imenso apoio aos clubes ao longo das gerações, permitindo ao futebol criar raízes nos corações de suas comunidades – algo com que o Hertha Berlin só pode sonhar.

Mesmo dentro de sua própria cidade, o Hertha tem encontrado dificuldades para emplacar. Após a Segunda Guerra, o clube ficou meio que abandonado em Berlim Ocidental e acabou sem grandes realizações esportivas até 1990.

"São quase 50 anos de desenvolvimento que o Hertha simplesmente não teve comparado a outros clubes. E, entre 1983 e 1997, ele não disputou campeonatos do alto escalão, o que dificultou a transferência de apoio entre gerações", diz Uwe Bremer, jornalista do diário local Berliner Morgenpost.

Numa Alemanha unificada, não tem sido fácil reunir apoio a partir do lado leste da cidade. O Union, por outro lado, tem alimentado um culto, que coloca o clube do lado oriental de Berlim acima de seus grandes rivais em termos de lealdade.

Para manter o clube vivo, torcedores doaram dinheiro, tempo e sangue, literalmente. Mas, apesar de todos esses esforços, ele continua sendo um clube de menor porte, ainda distante da primeira divisão. O recém-nomeado treinador Sascha Lewandowski, que teve passagem pelo Bayer Levekusen, pode mudar isso – mas não parece que os fãs do Union vão se importar muito.

Estádio Olímpico de Berlim e sua icônica pista de atletismo azul: torcedores reclamam da distância do gramadoFoto: picture-alliance/dpa/A. Burgi

No Hertha já não é assim. "Dizer que Berlim não se preocupa com o Hertha não é verdade. Na segunda divisão, tiveram média de 40 mil torcedores por partida, e agora estão em torno da marca de 50 mil", explica Bremer.

Desde 2001, quando a DFL obrigou que todo clube profissional tivesse uma categoria de base, o Hertha possui uma das cinco melhores academias de futebol do país – cinco de seus talentos estiveram na Copa do Mundo de 2014: os irmãos Boateng, um pela Alemanha, outro por Gana; o iraniano Ashkan Dejagah; o bósnio Sejad Salihovic; e John Anthony Brooks, que foi convocado pelos Estados Unidos.

"Gigante adormecido"

Depois da queda do Muro, a lenda do futebol alemão Franz Beckenbauer previu que o Hertha era "um gigante adormecido pronto para ser despertado". Vinte e cinco anos depois, o clube da capital alemã continua inerte, recentemente tendo dificuldades de se manter na primeira divisão.

Pode-se dizer que o Hertha pode minou seu próprio progresso. Membro-fundador da Bundesliga, o clube esteve no centro de um escândalo de manipulação de resultados no futebol alemão na década de 1970. Nos anos 1990, esteve sob gerência do controverso Dieter Hoeness, irmão do ex-presidente do Bayern de Munique Uli Hoeness.

Dois anos após voltar à primeira divisão, o Hertha se classificou para a Liga dos Campeões. Muito dinheiro foi gasto, muitas vezes em maus jogadores. E a equipe não vingou. Nos anos seguintes, o Hertha conseguiu alcançar somente a quarta colocação da Bundesliga em três oportunidades – 2002, 2005 e 2009. O fracasso do investimento quase custou a vida do clube.

Dois recentes rebaixamentos também afetaram o Hertha. Como o dinheiro da televisão na Alemanha é calculado sobre uma base das colocações em cinco anos, rivais mais consistentes no meio da tabela, como o Hannover, são mais bem recompensados financeiramente.

O sucessor de Hoeness, Michael Preetz, consertou alguns estragos reduzindo os preços dos ingressos e reestruturando as finanças do clube. Preetz, no entanto, ainda não conseguiu inspirar, apesar de supostamente ter mais poder no clube do que o intocável presidente Werner Gegenbauer.

Basta perguntar a qualquer um dos seis treinadores que estiveram no Hertha desde que Preetz assumiu a direção. Além disso, o Hertha não soube capitalizar a recente loucura no mercado de transferências. "Como é possível competir quando Augsburg vende um único jogador por 30 milhões de euros?" argumenta Bremer.

O marfinense Salomon Kalou, ex-jogador do Chelsea e presente em duas Copas do Mundo, é a grande estrela do HerthaFoto: picture-alliance/dpa/Lukas Schulze

E ainda há a questão da identidade local. Em muitas maneiras, o Hertha é um clube sem lar. Ambos os estádios originais, o Poststadion e sua casa atual, o Estádio Olímpico, são associados a Berlim ao invés de ao próprio clube. Além disso, os torcedores do Hertha acreditam que a distância do campo de jogo, causada pela pista de atletismo, lhes custa de três a quatro pontos numa temporada em termos de influência.

"Tem que ser muito apaixonado para torcer pelo Hertha", diz Bremer. "Lembro de ter visto um cartaz no meio da multidão que dizia: 'Primeiro Hertha, depois sexo'. Isso define tudo."

Já o jornalista esportivo e morador de Berlim Kit Holden adota um tom mais crítico. "O Hertha falhou completamente em não acompanhar as mudanças em Berlim. Ele poderia ter capitalizado o fato de uma cidade estranha estar se tornando uma metrópole, mas não conseguiram deixar de ser um clube estranho", disse.

Tanto Berlim como o futebol estão mudando muito rápido para o Hertha. E, numa cidade que faz tanto barulho, talvez não seja surpresa que o futebol tenha dificuldades de encontrar uma voz de liderança.

"Berlim não precisa do futebol como outras cidades precisam. E o futebol nunca precisou de Berlim como outras subculturas precisaram", afirma Holden.

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