A busca desesperada por pessoas no Rio Grande do Sul
Publicado 5 de maio de 2024Última atualização 6 de maio de 2024De Brasília, Claudia Lisboa ajuda o genro a localizar a tia-avó dele, Maria Amenaide Freitas Maldini, moradora de Guaíba, no Rio Grande do Sul, estado assolado pelas enchentes. Neste domingo (05/05), completaram-se 24 horas sem que a família tivesse notícias da idosa de 84 anos, que toma remédio controlado e é surda.
"Ela estava com a cuidadora no momento do resgate, mas deixaram o cachorro dela, Obama, para trás. A cuidadora foi para um local e ela, para outro. Estamos achando que ela retornou [para casa] para buscar o cachorro", narra Lisboa à DW.
Regina Oliveira passou os últimos dois dias à procura do pai, Pedro Paulo Terres da Silva, de 93 anos, desaparecido em Canoas. De Novo Hamburgo, a cerca de 30 quilômetros de distância, os familiares de Silva buscam informações e mobilizam quem podem, já que as pontes que interligam as duas cidades estão interditadas por causa das inundações.
A casa de Silva nunca havia alagado antes, mas o nível do rio Sinos em Canoas atingiu recorde e inundou bairros inteiros. Momentos antes do fechamento desta reportagem, o nome dele apareceu na lista como pessoa resgatada e acomodada em um abrigo. O alívio dos familiares durou pouco. Nesta segunda-feira, a família voltou a entrar em contato com a DW para relatar que Pedro não foi localizado. Ele está desaparecido junto ao cuidador, cujo telefone só dá caixa postal.
Na cidade, a Defesa Civil usa todos os canais possíveis para pedir a moradores que evacuem e levem os animais de estimação na fuga. Impotente diante da catástrofe, a prefeitura pede ajuda de voluntários que tenham barco para retirar quem está ilhado.
Os amigos do jornalista Eduardo Grassi tentam chegar a Canoas levando um barco motorizado no carro. Saíram na manhã de domingo de Chapecó, em Santa Catarina, a mais de 450 quilômetros de distância, e seguiam em viagem sem saber se conseguiriam chegar.
À espera do resgate
Há inumeros pedidos de resgate vindos de diversas cidades inundadas.
Da capital Porto Alegre, Renata Rodrigues busca socorro para o casal de idosos Jane de Fátima Mattos da Silva e Charles Wilson Tavares da Silva. Eles estão em Farrapos, bairro humilde às margens do rio Jacuí, e narram que a água chegou ao segundo andar da casa.
"São familiares do meu colega de trabalho. Estamos numa força tarefa não só por eles, mas por vários na região. Tiramos umas 150 pessoas dali", afirma Rodrigues à DW.
O bairro onde mora, Bom Fim, não foi afetado pela enchente, mas a casa virou abrigo para amigos que perderam tudo. "Neste exato momento estou me ajeitando para ir ao abrigo que estou ajudando a organizar pra ver o que faremos hoje", diz Rodrigues.
Em Eldorado do Sul, um casal e duas crianças usam o que restou de bateria no celular para enviar pedidos de socorro. Bruna Karpinski é amiga deles, e espera que eles sejam resgatados logo, diz à DW.
Além das operações oficiais nos locais afetados, inúmeros voluntários se mobilizam. Um grupo de amigos geógrafos criou um mapa online que organiza os pedidos de resgate. São mais de uma centena de pontos que trazem o endereço e quantas pessoas estão à espera de ajuda. Os dados são enviados para outros voluntários que têm barco ou jet ski, além de ficarem disponíveis para as autoridades.
Em grupos de mensagem locais, circulam listas com nomes de pessoas que aguardam passagem em vias interditadas. Outras buscam nomes de conhecidos em listagem de corpos retirados das águas e dos escombros.
Tragédia instalada
A Defesa Civil Nacional calcula que existam pelo menos 2,5 mil solicitações de resgate. Segundo o boletim mais recente do órgão, 341 municípios no estado foram afetados pelas chuvas extremas. São mais de 115 mil pessoas desalojadas, temporariamente abrigadas junto a amigos ou parentes, e outras mais de 18 mil estão em abrigos provisórios organizados pelo poder público.
Até o momento, 78 mortes foram confirmadas e 105 pessoas estão desaparecidas. Ao todo, estima-se que mais de 844 mil moradores no Rio Grande do Sul tenham sido impactados.
A concessionária local informou que, até a manhã de domingo, havia 421 mil domicílios sem energia. A maior parte foi desligada da rede por segurança devido a áreas alagadas.
O monitoramento das barragens feito pelos governos federal e gaúcho indicam que seis estruturas estão em situação de emergência, sob risco de rompimento. O boletim divulgado neste domingo afirma que há ações de contenção em andamento. Os casos mais graves, com risco de ruptura iminente, são o da Usina Hidrelétrica 14 de Julho, em Cotiporã e Bento Gonçalves, e de Salto Forqueta, em São José do Herval/Putinga.
Prognóstico para os próximos dias
O Serviço Geológico do Brasil (SGB) afirma que há muita água ainda nos rios Jacuí e Taquari a caminho de Porto Alegre. O nível do Guaíba, portanto, deve continuar subindo – estava em 5,31 metros na tarde do domingo. A experiência registrada em 1941, até então a última pior enchente, mostrou que o nível do rio demorou duas semanas para voltar ao normal.
Ainda há chuvas acontecendo na bacia hidrográfica do rio Guaíba. Algumas pancadas fortes foram registradas na última madrugada em pontos do rio, informou o SGB.
Marcelo Seluchi, coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), disse à DW que as chuvas nos próximos dias devem se concentrar no Uruguai. "A partir de quinta e sexta deve voltar a chover na região, às vezes oscilando mais para o Norte, às vezes, para o Sul", prevê Seluchi com base nos modelos.
Nas próximas 72 horas, a previsão é de pouca precipitação. A situação hidrológica, de movimentação das águas, seguirá crítica na Grande Porto Alegre.