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A busca por identidade de quem era criança quando Muro caiu

4 de novembro de 2019

Eles já eram nascidos quando o regime comunista caiu, mas eram jovens demais para participar dos eventos de 1989. Agora, os filhos da virada política tentam entender como suas famílias viviam na antiga Alemanha Oriental.

Crianças com bandeiras alemãs
Em foco: a autora em seu primeiro dia de escola, 1990Foto: Privat

Bonn, 1990, meu primeiro dia de escola. Faz um ano que o Muro de Berlim caiu, em poucas semanas a Alemanha será reunificada. Preto-vermelho-ouro, sacola de doces cor-de-rosa, dor de barriga terrível. Minhas lembranças desse dia tão especial são tão idealizadas quanto as da minha infância antes do fim do regime comunista, meu tempo no Leste Europeu. Nascida na Bulgária, aprendi a caminhar na República Democrática Alemã (RDA).

Uma coisa ficou: os ruídos daqueles dias, os estrondos da revolução, as conversas à mesa da cozinha, as fofocas com os vizinhos, as cartas aos avós na Bulgária, as vozes no televisor, sentimentos ambivalentes, incerteza – no geral, suspiros otimistas.

Depois, silêncio, mudez. Como se a geração de nossos pais e avós tivesse decidido, do dia para a noite, enfiar o passado num baú e colocá-lo no canto mais escuro do sótão. Por algum tempo esse baú ficou lá, intocado pelo mundo exterior.

Mas algo acontece, as lembranças dos pais e avós são arrancadas do sono pelas perguntas das – hoje adultas – crianças da pós-Wende, a virada política. Eles acreditavam no socialismo? O que faziam, como viviam, o que queriam ser, com que sonhavam, o que os fazia felizes, de que sentiam falta?

Essas perguntas pouco têm a ver com a chamada ostalgie – a nostalgia do Leste comunista. É mais esse desejo dos filhos de entenderem o país em que viveram seus pais e avós, entender de onde se vem.

Contudo, muitas vezes uma indagação cautelosa já desencadeia uma postura de rejeição cheia de carga emocional. De onde vem isso? E até onde podemos ir nós, filhos pós-virada, em nossa curiosidade e ânsia de compreender o mundo dos nossos pais? Nossos pais têm o direito de esquecer ou um dever de falar?

Muro de Berlim: loucura para uns, normalidade para outrosFoto: DW/H. Rawlinson

Falem conosco

Essa pergunta, Johannes Nichelmann também se coloca em seu livro Die Nachwendekinder: Die DDR, unsere Eltern und das grosse Schweigen (As crianças pós-virada: A RDA, nossos pais e o grande silêncio). "Notei que muitos da minha geração, vindos do Leste, se perguntam o que foi mesmo esse Leste que os definiu. Era sempre uma coisa difusa, um espaço vazio, que não poucos filhos da pós-virada sentiam", comenta, em entrevista à DW.

A "terceira geração Leste", os filhos da virada política, marcados pela narrativa da mídia pós-1990 e pelas novas aulas de história, querem agora preencher os espaços em branco de sua biografia. Nichelmann lembra o dia em que ele e o irmão encontraram o uniforme do pai no porão. Nenhum dos dois sabia que ele fora soldado de fronteira na Alemanha Oriental.

Johannes Nichelmann, autor de "As crianças pós-virada: A RDA, nossos pais e o grande silêncio"Foto: Niklas Vogt

"O gatilho para o meu livro foi o meu pai, que, até pouco tempo atrás, nunca havia pronunciado uma palavra sequer sobre sua vida na RDA. Ele realmente não contava nada. Pelo contrário: ficava super bravo se eu fazia alguma pergunta. Aí eu entendi que havia algo de muito errado: tem algo que não pode ser abordado. E é claro que isso desencadeou um tremendo filme na minha cabeça."

"As percepções sobre a RDA oscilam de um extremo ao outro: ou foram 40 anos de arame farpado e prisão da polícia secreta, ou 40 anos de passeios veranis, tudo é preto e branco. Que não me entendam mal: é claro que acho certo e importante que as vítimas da ditadura do SED [Partido Socialista Unitário da Alemanha] tenham um papel central na narrativa", explica Nichelmann.

Contudo, entre esses extremos não sobra espaço para histórias familiares, falta a conversa esclarecedora entre as gerações.

Especial 30 anos da Reunificação da Alemanha

26:20

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O direito de calar

Mas será que se pode obrigar os pais a isso? Prendê-los à mesa da cozinha? Colocar a lâmpada na cara deles e intimá-los a um interrogatório? Claro que não. Pois justamente aí se instaura o sentimento de ter que se justificar. E, por fim, o silêncio.

"Meu pai entrou jovem no partido, logo se deixou convencer a ir para a fronteira. Ele sabe que a coisa toda é vista de modo muito, muito crítico, mas não tem a menor vontade de se justificar por algo que naquele momento não era errado, era percebido como correto. Ele cresceu com isso, essa era a narrativa da sua juventude. Ele dizia que, nessas situações, ou ele podia dizer que já na época achava tudo idiota e ruim e horrível – ou seja, mentir –, ou podia tentar se explicar. Mas para isso lhe faltam as palavras", relata o autor.

Trata-se de não colocar os pais no pelourinho, não trazer o conflito Leste-Oeste para as próprias quatro paredes, mas sim escutar mais, aceitar, admitir, tentar entender mais. Ambos os lados têm que cooperar, só assim se conseguirá transpor o abismo entre as gerações.

Para muitos jovens dos dois lados do Muro, dia da queda foi um sonho tornado realidade

"É preciso um acordo entre as duas partes. Se as pessoas não querem falar a respeito, então não precisam, mas ao mesmo tempo acho que temos o direito de colocar essas questões, quer sejam respondidas, quer não. Como é que nossa geração vai poder entender a vida dos pais e avós, e também a RDA, se não falarmos sobre isso nas famílias, e só houver a respeito um debate midiático ou politicamente acalorado?"

As conversas dentro da família são tão importantes quanto os debates na política e na mídia, mas muitas vezes levam na direção errada, prossegue Nichelmann.

Os protestos que levaram à queda do Muro de Berlim

03:18

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"O tema radicalismo de direita costuma ser visto como um problema alemão-oriental. Sim, é um grande problema no Leste da Alemanha, mas também no Oeste, lá ele acontece da mesma forma. Nós empurramos o problema para longe de nós, 'é o problema dos outros lá'. Só podemos encará-lo se admitirmos que é um problema pan-alemão, e não algo que acontece em algum lugar lá no meio da floresta."

Falar do outro não gera um sentimento comunitário; falar com o outro é a consequência lógica da queda do Muro. Porém, mesmo 30 anos após essa vivência decisiva, a sociedade alemã ainda está engatinhando: segundo uma pesquisa de 2016 da Universidade de Leipzig, apenas 1,7% dos postos de liderança em nível federal eram preenchidos por alemães do Leste – os quais representam 17% da população. Apenas 1% dos generais e três dos 60 ministros e secretários de Estado vinham do território da antiga Alemanha comunista. Conviver de verdade é bem outra coisa.

 

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