A centenária que noticiou o início da Segunda Guerra
Ralf Bosen (ca)1 de setembro de 2016
Hoje com quase 105 anos, Clare Hollingworth anunciou a invasão alemã na Polônia, cobriu a Guerra do Vietnã e entrevistou o xá da Pérsia. Em entrevista à DW, seu biógrafo fala sobre a vida da primeira repórter de guerra.
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Clare Hollingworth iniciou sua carreira jornalística com um furo de reportagem: em 1° de setembro de 1939, anunciou a primeira invasão da Polônia por tropas alemãs e, portanto, o início da Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, ela tinha 27 anos. Mais tarde escreveria sobre praticamente todos os grandes conflitos e guerras no mundo e se tornou um exemplo para as jornalistas.
Hollingworth nasceu em 1911 em Leicester, Inglaterra, e vive hoje em Hong Kong. Em outubro de 2016, ela completará 105 anos. Seu sobrinho-neto, o autor britânico Patrick Garrett, dedicou um livro à vida extraordinária de Clare Hollingworth: Of Fortunes and War: Clare Hollingworth, first of the female war correspondents (De sorte e de guerra: Clare Hollingworth, primeira entre as correspondentes de guerra).
DW: O que Clare Hollingworth vivenciou ao ser enviada para a Polônia como repórter, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial?
Patrick Garrett: Numa viagem de reconhecimento na região de fronteira, Clare descobriu o avanço de tanques alemães, poucos dias antes da invasão. Na terça-feira 29 de agosto de 1939, ela publicava sua primeira reportagem de capa no Daily Telegraph. A manchete era: "Mil tanques sobre fronteira polonesa. Dez divisões a postos para ataque rápido".
Em 1° de setembro, então, dia da invasão, ela foi acordada pelo rumor dos bombardeios alemães e os disparos dos canhões. De início as pessoas ainda pensavam se tratar de um exercício, já que a situação estivera tensa por algum tempo.
Clare informou seu chefe em Varsóvia, que ligou para o Ministério polonês do Exterior pedindo um posicionamento. Aparentemente o Ministério soube através da mídia que a Polônia fora invadida. Mas então, em pleno telefonema, as sirenes de ataque aéreo ecoaram em Varsóvia e todos tomaram conhecimento do que havia acontecido de verdade. Ironicamente, também Clare teve dúvidas, temendo até mesmo um alarme falso, por os poloneses terem passado tanto tempo acreditando num exercício.
Clare estava ciente da dimensão histórica de suas reportagens?
Primeiro ela se perguntou se o jornal ia imprimir uma edição extra. Mais tarde admitiria – deve ter sido constrangedor para ela – que de início não teve consciência da dimensão humana, da imensa tragédia de uma guerra. Só quando o Reino Unido declarou guerra, ela percebeu o significado total dos acontecimentos. Então se perguntou se em breve seu apartamento não ia se transformar num monte escombros.
Durante a época como correspondente, ela foi testemunha de inúmeras guerras e mudanças. Quais foram os eventos que mais a marcaram?
A invasão da Polônia foi o que mais marcou sua vida jornalística. Além disso, ela possui um caráter forte, quer sempre saber o que está acontecendo, quer sempre ser a primeira e tem um medo constante de perder notícias importantes. Ela pergunta o tempo todo o que as pessoas escutaram ou viram. A coisa culmina na neurose de que seu celular possa quebrar, por isso ela o está sempre verificando.
Ela também reconheceu desde cedo a ideia da internet. Já nos anos 80, era entusiasta dos primeiros arquivos de notícias online, que lhe possibilitavam obter informações de qualquer lugar. Mas Clare não pôde usar toda a extensão da moderna tecnologia de comunicação: quando teve seu próprio computador, ela já estava quase cega e mal conseguia ler o que estava na tela. Se tivesse nascido um pouco mais tarde, certamente seria viciada em Twitter.
Hoje vivemos novamente uma época de turbulências, marcada por crises internacionais. Hollingworth acompanha esses desdobramentos, apesar da idade avançada? Caso positivo, como ela vê isso à luz da própria experiência?
Clare está prestes a completar seu 105° aniversário, e agora está bastante debilitada. Há muito tempo ela já escrevia sobre muitas dinâmicas que agora se tornam cada vez mais importantes. Quando o candidato presidencial republicano Donald Trump fala que os Estados Unidos poderiam se distanciar de seus aliados na Otan, esse é um tema que Clare persegue desde os anos 1960.
Ela estava no local quando o Estado de Israel foi fundado, e no Oriente Médio durante a Segunda Guerra Mundial. Ela relatou sobre o terrorismo de motivação religiosa, sendo duramente criticada por isso por alguns acadêmicos. Infelizmente algumas de suas avaliações se provaram precisas.
Ela escreveu sobre a eficácia com que combatentes isolados podem investir contra uma superpotência, usando uma tática simples – também estamos vendo isso agora no Oriente Médio. Como correspondente na China, Clare tematizou possíveis tensões no Mar da China Meridional e no Oceano Pacífico, muito antes de esses conflitos constarem do noticiário diário.
Quanto à sua vida hoje, é muito importante para ela ainda fazer parte do mundo da notícia. Ela faz questão de que seu passaporte esteja ao lado do travesseiro, e os seus sapatos, ao lado da cama, para o caso de um editor-chefe ligar para enviá-la numa viagem internacional. É claro que não vai mais acontecer, mas isso lhe dá um sentido para viver, e talvez também explique sua longevidade.
Clare Hollingworth é considerada pioneira em sua época, por ter adentrado um domínio masculino. Como ela vê seu papel na igualdade de direitos para as mulheres?
Clare certamente não foi uma feminista. Na realidade, ela era bem rebarbativa em relação às concorrentes do mesmo sexo, quase não houve sinais de solidariedade feminina da parte dela. O motivo é que ela acreditava em direitos iguais para todos, e jamais teria sido fã da discriminação positiva, que mulheres ou homens tivessem vantagens na carreira devido a seu sexo.
Quer no deserto ou na selva do Vietnã, Clare sempre queria estar perto das tropas. Ela vivia e trabalhava sob as mesmas condições que os soldados, tinha a sensação de não ser levada a sério se exigisse qualquer privilégio. Acho que Clare diria que sua contribuição para a igualdade de direitos foi prova de que uma mulher é capaz de fazer tudo o que um homem faz.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.