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A complicada dependência alemã do gás natural da Rússia

Arthur Sullivan
9 de março de 2022

Há quase cinco décadas o gás russo alimenta os lares e empresas da Alemanha. Desde o início, a relação foi controversa: combatida por aliados ocidentais, mas louvada pelos apoiadores como um antídoto à Guerra Fria.

Construção do gasoduto russo Urengoi-Pomary-Uzhgorod
Construção do gasoduto Urengoi-Pomary-Uzhgorod (1982) se baseou em tubulações de fabricação alemãFoto: SNA/imago images

A resistência da Alemanha ao banimento das importações de gás russo é um reflexo da longa e profunda dependência do país dessa fonte energética, como o próprio chanceler federal alemão, Olaf Scholz, reforçou na segunda-feira (07/03).

"A Europa conscientemente excluiu das sanções o fornecimento de energia pela Rússia", disse em comunicado. "No momento, o suprimento de energia para geração de calor, mobilidade, abastecimento de eletricidade e a indústria não pode ser assegurado de outra forma."

Há quase 50 anos o maior exportador de gás natural do mundo tem suprido a maior economia da Europa, movimentando empresas, aquecendo casas, cozinhando comida e iluminando as ruas.

A Rússia fornece gás para países de toda a União Europeia, e muitos no Leste Europeu são ainda mais dependentes do que a Alemanha, que preenche cerca de 50% de sua demanda importando da Rússia. Porém há muito o mercado alemão é a joia da coroa do setor de gás russo: segundo dados alfandegários da Rússia, em 2020 a Alemanha absorveu quase 20% de todas as suas exportações, sendo, tranquilamente, seu maior cliente.

Cooperação através da Cortina de Ferro

Em 1955, o então chefe de governo da recém-fundada República Federal da Alemanha (RFA), Konrad Adenauer, visitou Moscou a fim de estabelecer relações diplomáticas entre seu país a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Três anos mais tarde, ambas fecharam um acordo comercial, e já em 1960 florescia o comércio bilateral entre as potências de lados opostos da Cortina de Ferro.

Na década de 1960, a espantosa abundância de petróleo e gás russos começou a se revelar, e a demanda por tubulações de grande diâmetro de fabricação alemã disparou, enquanto para os soviéticos o potencial do gigantesco setor de energia se revelava.

A Alemanha Ocidental havia começado a fornecer tubulações para o oleoduto Druzhba (Amizade), o mais longo do mundo, ligando a Rússia a grande parte do Leste Europeu, que entraria em funcionamento em 1964. No entanto, o governo americano sob John F. Kennedy ficou apreensivo com o crescimento do setor energético soviético e, através da Otan, impôs um embargo às exportações de tubulações pela Alemanha.

Gerhard Schröder (esq.) e Putin em 2005: ex-chanceler federal alemão sempre ostentou sua amizade pelo autocrata russoFoto: EPA/ITAR-TASS/dpa/picture alliance

"Tubos por gás" e ressalvas americanas

No fim da década, contudo, o chanceler federal alemão Willy Brandt se empenhava por abrir as relações de seu país com os vizinhos do Leste. Sua "Ostpolitik" aplainou o caminho para um acordo histórico com a União Soviética, em 1970, em que a RFA concordava em ampliar a Transgas, uma extensão do gasoduto Soyuz, atravessando a atual República Tcheca e o estado alemão da Baviera.

Como parte de um pacto muito mais amplo, apelidado "Tubos por gás", as importações de gás natural da URSS eram pagas com tubulações de aço alemãs. Em 1973, o gás soviético passou a fluir para Alemanha Ocidental, e no mesmo ano começou o fornecimento para a República Democrática Alemã (RDA), que era parte do bloco oriental europeu e Estado-satélite da União Soviética.

Segundo diversos analistas, líderes comerciais e acadêmicos, o acordo de 1970 teria sido uma importante encruzilhada na estrada da Guerra Fria, ao estabelecer uma base mútua de cooperação econômica entre a Rússia e a Europa Ocidental.

As importações de gás soviético pela Alemanha cresceram ao longo dos anos 70, à medida que novos acordos eram fechados para incrementar o fornecimento. A crise do petróleo, em meados da década, incentivou países como a Alemanha a diversificar ainda mais suas fontes de energia na direção de gás natural, para lucro da URSS.

A relação da Alemanha com o gás russo tem sido fonte permanente de controvérsia nos Estados Unidos. Começando com o embargo do começo dos anos 60, diversos presidentes americanos se mostraram apreensivos com a crescente dependência da Europa dessa fonte de energia. Na década de 1980, o presidente Ronald Reagan repetidamente tentou convencer a Alemanha e outras nações europeias a reduzirem o volume de suas importações da Rússia.

Mas isso de pouco adiantou, uma vez que a relação comercial era vista como benéfica para ambos os lados. Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, a União Soviética respondia por cerca de um terço de toda a demanda de gás da Europa: entre 1973 e 1993, o volume fornecido para a Alemanha cresceu de 1,1 bilhão para 25,7 bilhões de metros cúbicos.

Na década de 1990, a estatal russa Gazprom mostrou-se cada vez mais interessada no fornecimento de gás para a Europa que evitasse o território da Ucrânia, não só devido à má infraestrutura do país vizinho, como também por razões geopolíticas. O gasoduto Yamal, que atingiu capacidade máxima em 2006, conecta os campos de gás siberianos com a Alemanha, passando por Belarus e pela Polônia.

Força da Sibéria: vastidão das reservas de gás russas se revelou nos anos 1960Foto: Alexandr Semenov/Gazprom

Controverso Nord Stream

E aí veio o Nord Stream 1, que transportaria o gás diretamente do território russo para o alemão através do Mar Báltico, contornando todos os países intermediários. Apesar da veemente oposição dos Estados bálticos e da Polônia, seus apoiadores na Alemanha argumentavam ser essa também uma forma de consolidar ainda mais os laços com a Rússia, através de uma parceria estratégica que assegurasse cooperação.

Depois da assinatura do acordo relativo em 2005, pelo então chanceler federal alemão, Gerhard Schröder, e o ainda presidente russo, Vladimir Putin, o gasoduto entrou em atividade em 2012.

Ao longo da década de 2010, a Alemanha seguiu importando gás da Rússia em volumes cada vez mais elevados. Ao mesmo tempo, porém, aumentou a pressão sobre essa relação comercial, sobretudo pelas ressalvas geopolíticas por parte dos EUA quanto à dependência de combustível da Rússia, num momento em que o país mostrava tendências agressivas para com seus vizinhos, inclusive a Ucrânia e a Geórgia.

Um foco central das preocupações americanas era o Nord Stream 2, o segundo gasoduto pelo Mar Báltico visando intensificar significativamente o abastecimento direto entre a Rússia e a Alemanha. Apesar dessa clara oposição, a obra foi concluída, e o início do fornecimento de gás poderia ter sido autorizado, se Putin não tivesse invadido a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.

Golpe de misericórdia

Depois que Berlim suspendeu por tempo indeterminado a aprovação, o futuro do gasoduto é profundamente incerto, assim como a relação dos países da UE com a importação de gás russo, como um todo. A guerra contra a Ucrânia aparentemente foi o golpe de misericórdia nessa dependência.

Apesar da resistência alemã, a UE está pressionando por um distanciamento drástico de fontes de energias russas, o mais breve possível. Nesta terça-feira, autoridades europeias esboçaram um plano para dar fim as importações de energia russa antes de 2030. Já em 2022, a meta é reduzir a demanda em até dois terços.

"Temos que nos tornar independentes do petróleo, carvão e gás russos", enfatizou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado. "Simplesmente não podemos confiar num fornecedor que nos ameaça explicitamente."

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