A Cooperação Sul-Sul e os interesses brasileiros na África
22 de fevereiro de 2013A euforia era grande há três anos, na Cúpula América do Sul-África que aconteceu na Venezuela. O então líder da Líbia, Muammar Kadafi, posava para a imprensa ao lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e do então presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
Era para ser o início de uma ampla cooperação entre a África e a América do Sul, um exemplo de sucesso da chamada Cooperação Sul-Sul. Mas três anos depois, no início da 3ª Cúpula América do Sul-África em Malabo, capital da Guiné Equatorial, nesta sexta-feira (22/02), pouca coisa restou do otimismo inicial das primeiras cúpulas, em 2006 e 2009.
Nem mesmo os protagonistas de então estão mais em cena. Kadafi está morto, Chávez está gravemente doente e Lula não está mais no poder. A data inicial da cúpula, marcada para maio do ano passado, acabou sendo adiada pelo governo brasileiro.
Os objetivos traçados também pouco avançaram nesses três anos. Segundo fontes diplomáticas, a execução dos projetos ainda está longe de acontecer. Em vez disso, os dois lados se ocuparam de questões organizacionais, por exemplo a estrutura e o financiamento de um conselho permanente. Até pouco antes do início da cúpula de Malabo, os participantes ainda discutiam a agenda do evento. Além da presidente Dilma Rousseff, confirmaram presença os presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, da África do sul, Jacob Zuma, e da Bolívia, Evo Morales.
Ajuda ao desenvolvimento
"A cúpula é essencialmente política: trata-se da ideia da Cooperação Sul-Sul. E há, de fato, bons exemplos nesse sentido, por exemplo o engajamento do Brasil na África", diz o especialista Alex Vines, do centro de estudos Chatham House, de Londres, especializado em relações internacionais. "Mas, para os outros países sul-americanos, não há muita coisa por trás dessa ideia. A Venezuela, por exemplo, interessa-se principalmente pela ideologia da Cooperação Sul-Sul."
Ou seja, o governo socialista da Venezuela procura sobretudo aliados contra os Estados Unidos e a Europa. O Brasil, por outro lado, dá seguimento à sua estratégia para a África da última década. Por trás da chamada Cooperação Sul-Sul está a ideia de que os países emergentes possam contribuir para o desenvolvimento econômico de países pobres por meio do comércio.
Objetivos nobres e controversos
"Devido à sua ligação histórica com a África, o Brasil se vê como especialmente responsável: como consequência do comércio de escravos, o número de afrodescendentes no maior país da América do Sul é muito alto. O Brasil desenvolveu estratégias para combater a aids e a pobreza, e agora oferece essas soluções para os africanos", diz o especialista em Brasil Markus Frauendorfer, do instituto alemão Giga. "O programa brasileiro de combate à aids tem uma excelente reputação internacional e é considerado modelo por muitas organizações internacionais", exemplifica.
Há dois anos, o Brasil financiou a construção de uma fábrica para a produção de antirretrovirais em Moçambique. A produção atende às necessidades do país de língua portuguesa e também de outras nações africanas.
Mas a Cooperação Sul-Sul promovida pelo Brasil com a África também é controversa. Organizações ambientais e de direitos humanos acusam o país de ter em vista principalmente seus próprios interesses econômicos. As empresas brasileiras veem um mercado consumidor promissor, já que a classe média africana está se fortalecendo devido ao robusto crescimento econômico dos últimos anos. Além disso, elas precisam da matéria-prima africana.
Há vários exemplos da presença de empresas brasileiras na África. A Vale, por exemplo, opera uma mina de carvão em Moçambique. Em Angola, o Brasil cedeu ao regime autoritário de José Eduardo dos Santos empréstimos para a construção de uma grande barragem. A obra foi realizada pela construtora Odebrecht.
Os grandes produtores brasileiros de biocombustiveis também produzem cana-de-açúcar em solo africano, muitas vezes com consequências negativas para as populações locais. "Os grandes perdedores são os pequenos agricultores e os negócios familiares", diz Fraundorfer. "Eles são postos à margem por essas grandes empresas agrícolas, por meio da construção de instalações industriais, e perdem assim os meios de se manter."
Essa é a principal crítica ao Brasil: por um lado, o país se engaja na África com o nobre objetivo de combater a fome e a pobreza; por outro, agrava o problema da fome no continente ao incentivar a produção do etanol.
Peso político
A iniciativa Brasil-África também tem outra dimensão política: o país sul-americano é candidato – assim como a Alemanha – a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, e os 54 países africanos têm um peso considerável na Assembleia Geral.
A cúpula vai tratar principalmente de posições e estratégias comuns para cooperações futuras. Mas Vines alerta contra grandes expectativas. "Não devemos esquecer que a África é um continente com 54 países, bem mais do que a América do Sul, e eles são completamente diferentes. Talvez haja compromissos gerais, mas qualquer coisa além disso será difícil. Esse é um projeto de muito longo prazo", conclui.
Autora: Katrin Matthaei (mas)
Revisão: Alexandre Schossler