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A crise de identidade do bolsonarismo

23 de outubro de 2019

Disputa pelo controle do PSL revela dificuldade de transformar o bolsonarismo num movimento político de verdade, com estrutura institucional e conteúdo político consistente, avalia o colunista Thomas Milz.

Jair Bolsonaro
Bolsonaro tem feito adversários em fileiras que já foram suas, diz Thomas MilzFoto: Reuters/A. Machado

"Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico", disse, certa vez, o então príncipe-regente. Quase duzentos anos depois, o Brasil teve agora seu segundo "Dia do Fico".

"Fico no Brasil e com certeza para levar adiante as bandeiras do conservadorismo e apoiar o presidente Jair Bolsonaro", disse, na noite de terça-feira (22/10), o príncipe "03", Eduardo Bolsonaro, que assim deixou de lado a vida de diplomata para entrar na liderança partidária do PSL.

A renúncia do filho do presidente ao "filé mignon" prometido pelo pai, ou seja, ao posto de embaixador em Washington, mostra quão ruim está a situação do bolsonarismo, corrente surgida em 2018. Porque sobre "03" pairava a ameaça de uma derrota no Senado, que ainda tinha de aprovar a sua indicação como embaixador. Agora, posando de "pacificador do PSL" e "bandeirante do conservadorismo", Eduardo evita uma mancha quase certa em sua reputação.

É incrível a pouca influência que o presidente exerce sobre o Congresso. Tendo em vista as próximas eleições municipais em 2020, o clã Bolsonaro precisa desesperadamente de um partido. Pois, até agora, o bolsonarismo consistiu de uma rede de grupos do WhatsApp espalhada por todo o país, através da qual o clã enviava suas mensagens políticas – ou fake news (notícias falsas), como seus adversários gostam de dizer.

Por outro lado, para os Bolsonaros, os partidos sempre serviram somente como plataforma formal de candidaturas. Ou, em outras palavras, como hospedeiros. Sempre lhes agradou trocar de legenda com frequência. Ao mesmo tempo, apontava-se que "o partido como instituição" fazia parte da "velha política", corresponsável pela corrupção desenfreada.

Mas esse discurso anti-establishment nunca foi levado realmente a sério. Afinal de contas, o clã Bolsonaro deve aos diversos partidos-hospedeiros sua impressionante série de vitórias eleitorais – e a sua fortuna milionária ganha na política ao longo de décadas.

Vê-se então agora a tentativa de controlar o PSL, com seus cofres abarrotados, preenchidos com dinheiro do fundo partidário. O final da novela ainda está em aberto. Mas, graças à sua poderosa "caneta Bic" e à investigação em andamento da Polícia Federal contra Luciano Bivar, provavelmente Bolsonaro vencerá, no longo prazo, a luta pelo poder travada com o presidente do PSL.

Nessa jornada, no entanto, a família já fez muitos novos inimigos em fileiras que já foram suas, principalmente poderosos políticos do PSL, como Joice Hasselmann e Major Olímpio. Dois arautos da direita que ninguém desejaria ter como adversários políticos.

Assim, os Bolsonaros arriscam o surgimento de uma nova direita carismática, que funciona sem o capitão e seus três filhos "mimados que mamaram nas tetas do Estado" (palavras de Gustavo Bebianno, outro ex-aliado que se tornou opositor).

A importância de controlar o financeiramente poderoso PSL foi demonstrada na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), realizada em São Paulo, no início de outubro. Com o evento copiado dos EUA, Eduardo Bolsonaro quis se apresentar como a nova figura de proa do conservadorismo brasileiro.

Consta que o evento custou 800 mil reais, pagos pelo Instituto de Inovação e Governança (Indigo), próximo ao PSL. Se a família Bolsonaro quiser permanecer no poder por muito tempo, precisará de uma instituição financeiramente sólida.

Em termos de conteúdo, no entanto, o evento foi uma decepção. Ali, parecia não haver ninguém realmente interessado em ponderar sobre o que realmente significa o conservadorismo – com exceção da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que soube definir o conservadorismo como o lugar onde "ninguém me ofereceu ainda um cigarro de maconha e nenhuma menina introduziu um crucifixo na vagina."

Resta esperar para ver se, no longo prazo, isso será suficiente para servir como base ideológica do bolsonarismo.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

 

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