A díficil reconstrução do patrimônio arquitetônico do Nepal
7 de maio de 2015Com mais de 60 metros de altura, a torre de Dharahara dominava a vista de Katmandu. Milhares de turistas subiam a escada caracol para, do alto de seu terraço, fotografar a cidade, dona de uma aura mítica e incontáveis templos. O monumento não existe mais. Desde o devastador terremoto de 25 de abril de 2015, só resta em seu lugar um monte de escombros, de onde foram resgatados mais de 60 corpos.
A Praça de Durbar era considerada uma das mais belas do Nepal. Fica diante do antigo palácio real, circundada de mais de 50 pagodes, templos e outros palácios, ricamente decorados com entalhes de madeira e outras obras de arte. Também essa praça está hoje irreconhecível, assim como a maioria dos sete sítios ao pé do Himalaia declarados pela Unesco Patrimônio Cultural da Humanidade.
"Cerca de 60% do patrimônio mundial está devastado", avalia Christian Manhart, da divisão da Unesco no Nepal.
Segundo ele, os "danos dramáticos" não atingem apenas os patrimônios oficiais: a lista dos monumentos destruídos é extremamente longa, num país que possuía centenas deles. Mais do que ser mera atração turística, afirma Manhart, os templos religiosos fazem parte do dia a dia espiritual dos nepaleses.
"A maioria dos cidadãos frequenta o templo pelo menos uma vez por dia, para levar oferendas, como, por exemplo, arroz e outros alimentos", conta Manhart, que vive há oito meses em Katmandu. "Se essa expressão material da cultura e tradição se perder, há um grande risco que também a cultura imaterial se perca."
Nem o termo hinduísmo nem budismo descrevem devidamente as práticas religiosas nepalesas. Ao contrário de outras religiões, suas estátuas não representam, elas "são" as divindades.
"Essas pessoas não vivem com deuses distantes, que só existem no Céu", diz Niels Gutschow, professor de história da arquitetura no Instituto Sul-Asiático de Heidelberg. "Eles vivem com deuses que estão presentes em cada esquina e aparecem em forma viva. Pode-se tocá-los, ouvi-los soar os címbalos. Os deuses vêm até as pessoas: isso é o que há de especial nessa cultura urbana de Katmandu", afirma.
Reconstrução milionária
A equipe da Unesco em Katmandu, liderada por Christian Manhart, se encontra na primeira fase dos trabalhos de restauro, a de documentação dos danos. A segunda fase prevê tentar salvar o mais breve possível os prédios que ainda estão de pé, mas correm perigo de desmoronar.
Manhart calcula que só se empreenderá a reconstrução dos patrimônios totalmente demolidos pelos tremores na terceira fase, cujo custo poderá chegar a centenas de milhões de euros.
"A própria Unesco não dispõe de nenhum dinheiro", explica Niels Gutschow. "Sua única possibilidade é tentar mobilizar o máximo de países a contribuírem para um fundo fiduciário."
Porém, o especialista em história da arquitetura é, antes, cético quanto à reconstrução no Nepal: ele acha que a Unesco só vai se ocupar dos monumentos declarados Patrimônio da Humanidade, se tanto. Contudo, o legado cultural do Nepal vai muito além dos sete sítios listados pela organização da ONU desde 1956.
Em colaboração com a fundação Kathmandu Valley Preservation Trust, sediada em Nova York, Gutschow está promovendo o reerguimento de um templo do século 16, em Patan, quase totalmente devastados pelo tremor. Já foram coletados 80 mil euros para esse fim.
No geral, a disposição de doar é grande após a catástrofe natural no Nepal, como confirma uma pesquisa da agência de notícias EPD, ligada à Igreja Luterana alemã. Somente as oito maiores organizações de ajuda humanitária e alianças de ação da Alemanha já computaram mais de 27 milhões de euros em doações desde 25 de abril.
Porém, diante da pergunta, até que ponto essa disposição é duradoura, Gutschow se revela pessimista: "Há anos mendigamos por verbas, mas o que vemos agora tem uma dimensão totalmente outra. Não tenho a menor ideia de onde todo esse dinheiro está vindo."
Até o próximo terremoto
Uma vez estando assegurado o financiamento, impõe-se a próxima questão: se é possível construir de modo que os templos restaurados resistam ao próximo terremoto. Niels Gutschow está convencido que sim – e apresenta provas nesse sentido.
Em 1974 foi reerguido em Bhaktapur um templo totalmente destruído no último grande abalo sísmico, em 1934. O então chanceler federal da Alemanha, Helmut Kohl, entregou as verbas na época "em nome do povo alemão". Um engenheiro de Darmstadt baseou as obras em cálculos voltados a garantir a resistência do novo templo a todo tipo de terremoto.
"O templo está de pé até hoje, sem que tenha caído uma única telha", lembra Gutschow. Só que isso, naturalmente, contraria os métodos tradicionais nepaleses de construção, sendo, portanto, combatido pelas repartições locais de preservação de monumentos.
Em junho, Gutschow pretende enviar um engenheiro alemão ao Nepal, com a tarefa de desenvolver os primeiros esboços de estática para o templo em Patan. Também a Unesco vai formar equipes para pesquisar estratégias de construção à prova de terremotos.
A torre de Dharahara também foi, aliás, demolida pelo tremor de 1934 e depois reerguida de forma fiel ao original. Apesar de não fazer parte do Patrimônio Cultural da Humanidade, nem ser um templo religioso, ela constituía uma das marcas registradas de Katmandu. Talvez venha a ser reconstruída, talvez resista ao próximo terremoto. Pois, afirma Christian Manhart, "com toda certeza vai haver de novo um grande tremor no Nepal".