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"A defasagem da literatura alemã no Brasil é grande"

Simone de Mello24 de novembro de 2004

Tradutor Marcelo Backes fala à DW-WORLD sobre o ofício do tradutor e a divulgação da literatura alemã no Brasil.

Marcelo Backes
Marcelo Backes: "Literatura alemã é vítima de uma série de preconceitos, o maior deles assegura que ela é sempre difícil, hermética"Foto: Malena Bystrowicz

DW-WORLD: Não há nada, editora nenhuma, que pague o tempo investido numa tradução cuidadosa. Qual a compensação de ser tradutor literário, considerando que se trata de uma atividade sabidamente mal remunerada?

Marcelo Backes: No meu caso, o trabalho de tradutor não é exclusivo, ele corre paralelo ao trabalho de escritor, de crítico literário e de professor. Isso me dá a possibilidade de negociar mais amplamente no que diz respeito à tradução. Se, de fato, não recebo tanto quanto gostaria – e acharia necessário – pelo intenso e desvelado trabalho de tradutor, compenso as coisas traduzindo apenas autores dos quais gosto e com os quais, de uma ou de outra maneira, trabalho criticamente. O trabalho de tradução talvez seja o mais compensador no sentido de estudar uma língua, quer dizer, duas línguas... todas as línguas... Há poucas atividades em que se trabalha tão intimamente com a língua quanto na tradução.

A literatura alemã vem conquistando cada vez mais espaço no mercado editorial brasileiro. Mesmo assim, ainda fica bem aquém do alcance de outros idiomas, como o inglês e as línguas românicas. Na sua opinião, o que dificulta uma propagação mais rápida da literatura alemã no Brasil?

Acho que é difícil falar de aumento no interesse brasileiro pela literatura alemã. Para mim, ele é uma contingência da profissionalização do mercado editorial brasileiro. Se o número de traduções da literatura alemã aumentou, o de outras literaturas aumentou ainda mais. Só um exemplo nesse sentido: em 2003 o número de traduções da literatura italiana ultrapassou – e isso não é o que historicamente acontecia – o número de traduções da literatura em língua alemã.

De modo geral, acho que a literatura alemã é vítima de uma série de preconceitos, o maior deles assegura que ela é – sempre! – uma literatura difícil, hermética. Além disso – e essas razões talvez sejam mais objetivas –, o número de especialistas em literatura alemã é menor do que o de especialistas em outras literaturas, e um tradutor do alemão é mais caro do que um tradutor do inglês, do francês, do italiano ou do espanhol. Em todo caso, a defasagem é grande.

Elfriede Jelinek, Nobel de Literatura 2004Foto: dpa

Autores como Judith Hermann, Karen Duve ou Thomas Brussig – que põem em xeque o preconceito apontado anteriormente, sem deixar de fazer literatura de alto nível – já foram traduzidos no mundo inteiro, menos no Brasil; o mesmo acontece, aliás, com Elfriede Jelinek, que ganhou o Prêmio Nobel recentemente. No Brasil, temos obras "completas" de Dostoiévski e Tolstói e não temos obra completa de Goethe; de Schiller foi traduzido cerca de 15% da obra, eu acho.

Acabou de ser lançada a antologia de contos Escombros e Caprichos: o melhor do conto alemão no século 20, organizada por você e por Rolf G. Renner. Todas as traduções são suas. Quais os critérios de seleção a que vocês recorreram? Ou seja, o que significa "o melhor" dessa tradição narrativa?

O principal responsável pela seleção foi Renner, mas discutimos o assunto, ainda que eu tenha me encarregado da tradução, de um glossário e de um posfácio bem abrangente, que comenta a vida e a obra do autor e cada um dos 54 contos de maneira individual. O critério orientador da seleção foi a tentativa de mapear, da melhor maneira possível, a literatura em língua alemã do século 20.

Você acha que a concessão do Prêmio Nobel de Literatura a Elfriede Jelinek vai chamar mais a atenção do público leitor brasileiro para a literatura de língua alemã?

Sem dúvida, ainda que ela possa ser relacionada entre os "herméticos", dos quais falei anteriormente. De modo fatual já percebi isso no que diz respeito à repercussão de Escombros e Caprichos. O conto de Jelinek – Paula – selecionado para a antologia foi publicado em primeira mão em vários jornais brasileiros apenas dois dias após o anúncio do Prêmio Nobel. Acho que Elfriede Jelinek também ajudou no sentido de fazer a revista Veja colocar o livro entre os recomendados da semana.

O que você acha das traduções literárias do alemão que vêm sendo feitas no Brasil?

Acho que a maior deficiência das traduções literárias no Brasil – e não apenas do alemão – é a falta de problematização teórica da questão da tradução. É ela a origem dos maiores problemas que consigo identificar. Muitos tradutores parecem traduzir sem jamais ter pensado criticamente acerca da tradução, sem ter lido os teóricos fundamentais na área, a maior parte deles – eu diria até que os principais –, alemães.

Você tem uma longa lista de clássicos traduzidos, que inclui desde Lessing, Goethe e Schiller até Brecht, passando por Nietzsche e Marx. Qual o maior desafio de traduzir um clássico?

Cada caso é um caso, mas de modo geral, o maior desafio na tradução de um clássico é, sem dúvida, a diferença temporal existente entre a época em que uma obra foi escrita na língua de partida e a época que a recebe na língua de chegada. E esse é um problema fundamental a ser observado; eu acho absurdo descontextualizar uma obra histórica, sociológica e culturalmente, adaptando-a às exigências do leitor da tradução e, portanto, nacionalizando-a, e eventualmente tornando-a simples lá onde ela é obscura.

Quais outros autores de língua alemã você gostaria de traduzir nos próximos tempos?

Heinrich Mann (1871–1950)Foto: dpa

Por enquanto estou trabalhando em obras de Marx e de [Christoph] Ransmayr, um inédito que apresentarei ao leitor brasileiro em 2005. O que eu gostaria de traduzir é, também, aquilo que acho que esteja faltando nos catálogos das editoras brasileiras. Faz parte da minha inspiração iluminista. Cito, por exemplo, A escola romântica, de Heinrich Heine, o romance grandioso O súdito (Der Untertan), de Heinrich Mann, Effi Briest, de Theodor Fontane – outro autor absurdamente inédito no Brasil –, ou, para citar um contemporâneo, Wunschloses Unglück, para mim um dos melhores livros de Peter Handke. Gostaria também, de traduzir Heróis como nós (Helden wie wir), de Thomas Brussig, Regenroman, de Karen Duve, ou o novo romance de Judith Hermann. São tantas as lacunas...

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